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Além de Ti de João Marco é a primeira longa-metragem deste realizador e que esteve presente no FESTin que decorreu no Cinema São Jorge em Lisboa.
Este filme independente conta-nos a história de Tomás (Mário Spencer), um talentoso cartoonista de um jornal local (e também promissor artista) que devido à inveja de um colega se vê despedido e com os seus projectos de vida adiados. Tomás é casado com Sofia (numa dupla interpretação das actrizes Sofia Reis e Joana Costa), recepsionista de um hotel, que sempre demonstrou apoio e confiança no seu talento. No entanto, quando as emoções falam mais alto e começam a deturpar a percepção da realidade, Tomás não só duvida das suas capacidades como das que o rodeiam ao ponto de questionar os comportamentos da sua própria mulher.
O argumento, também ele da autoria de João Marco, tem vários interessantes aspectos que podem ser analisados. Em primeiro lugar, e talvez aquele que se torna mais presente nos dias que agora atravessamos, centra-se numa abordagem ao competitivo mundo do trabalho. Um mundo-cão onde todos tentam sobrevalorizar as suas competências não só como uma auto-valorização mas principalmente como uma forma de bloquear o talento de terceiros. Uma forma de "se eu não chego lá, tu também não irás conseguir", obtendo assim uma satisfação pessoal graças à desgraça alheia. É este aspecto que acabamos por testemunhar com a queda de um "Tomás" às mãos de um colega que, não competindo inicialmente com ele, consegue através das suas atitudes destruir uma brilhante carreira. Todos tentam sobreviver não pela qualidade do seu trabalho mas sim pela eliminação directa daqueles que pensam atravessar-se no seu caminho.
Por outro lado é esta mesma turbulência pelo caminho que poderia abrir portas àquela que é (foi) a grande paixão de "Tomás", a pintura à qual ele deveria dar uma nova "vida" libertando-se de alguns complexos sobre a qualidade do seu trabalho, deixando-se assim levar pela liberdade (ou libertação) que esta lhe transmite. Se analisarmos os dias e o actual estado da sociedade pelos quais passamos, esta mensagem é um claro sinal de que deveremos validar mais os nossos sonhos, paixões ou vocações em detrimento daquilo que nos transmite mais segurança mas, ao mesmo tempo, equacionarmos o quão válidos podem ser esses sonhos quando a estabilidade financeira, e desta forma também social, que estas nos transmitem. O gosto pela aventura ou pelo sonho em detrimento da estabilidade e manutenção da segurança financeira ou a hipótese, desejada, de uma harmonia entre ambos.
A dar vida a "Tomás" temos um praticamente desconhecido (assumo) Mário Spencer que consegue ser um bom retrato desta dualidade. Se por um lado conseguimos sentir a segurança que aquele trabalho num jornal lhe tráz, que independentemente dos seus cartoons serem de qualidade inquestionável é também certo que não lhe irão dar o valor que ele realmente tem enquanto artista, não deixa igualmente de ser verdade que Spencer consegue igualmente transmitir o desespero e o sufoco que tantos atravessam por verem desaparecer um trabalho que lhes garante a estabilidade e a segurança financeira que todos ambicionam. Com a ausência desta, Spencer através do argumento bem estruturado de João Marco, entra também num complicado, mas bem sucedido campo ao abordar as consequências e repercussões que esta crise laboral tem ao afectar (in)directamente as relações sentimentais e sociais para com aqueles que convivem de perto com o problema, nomeadamente a família, e como esta mesma crise afecta a vida famíliar.
É neste aspecto que entra a personagem de "Sofia" em cena, e um dos aspectos mais bem pensados do argumento do filme. "Sofia" é uma mulher apaixonada e que não vivendo directamente em função do que "Tomás" faz, não deixa de se sentir afectada pelos problemas profissionais do marido. Numa primeira fase temos "Sofia" (Sofia Reis) como uma mulher disponível e quase apagada em relação a "Tomás". Ela sente os seus problemas, vive-os e dedica-se à sua resolução com tanta força quanto aquela que sente em relação ao seu amor. Por não os conseguir resolver sente-se insegura, incerta e amedrontada em relação ao futuro, e a percepção que tem em relação a si é apagada sendo o seu único propósito o bem-estar da sua relação e, acima dela, de "Tomás".
Num segundo momento temos novamente "Sofia" (Joana Costa) como uma mulher mais consciente de si, com vontades próprias e um sentimento de que tem de ser valorizada num crescendo de auto-percepção do "eu" em detrimento do "nós". O que aconteceria se esta relação falhasse e ela tivesse de pensar unica e exclusivamente no seu "eu"... na sua estabilidade física e principalmente emocional não dependendo assim de nada nem de alguém? Será esta consciência de si própria um pequeno demónio que nasce dentro de si ou apenas a constatação de que ela existe para além da relação que tem com "Tomás"? Não existirá ela para além dele?
Ambos procuram um pelo outro no entanto, ambos também existem para além da relação que estabelecem entre si. Será egoísmo ou pura sobrevivência pensar no "eu"?
Enquanto Sofia Reis entrega uma interpretação sólida como uma mulher frágil e insegura de si que se sente de certa forma "viva" ao assegurar o bem-estar e o conforto do seu marido que, naquele momento, se encontra desempregado, não deixa também de ser verdade que a interpretação de Joana Costa se afirma pelo seu oposto. Da "Sofia" insegura dá lugar a uma mulher forte e que ganha consciência de si, do seu espaço e com o seu próprio mundo. Assustada e receosa do que vai encontrar, típica abordagem de uma auto-descoberta até então recalcada ou reprimida, mas desperta e consciente de que é aquilo que pretende e que quer perceber sobre si não pelo bem comum de dois indivíduos mas porque ela própria é um antes de viver em comunhão com outro.
Esta produção independente, filmada na cidade de Faro, e ainda sem distribuição comercial assegurada (esperemos que chegue para breve), dá-nos assim um pequeno grande olhar sobre a sociedade actual e as suas adversidades que podem não só modificar a relação do indivíduo como a sociedade mas também minar a relação do indivíduo para consigo próprio destruindo (ou construindo) sonhos, realidade, desejos e ambições e faz especialmente uma abordagem a como todos eles são, e formam, parte da própria formação do indivíduo enquanto tal... Talvez aquilo que, aos olhos da "actualidade" seja o mais complicado de pensar e especialmente de conceber.
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7 / 10
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