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The Lords of Salem de Rob Zombie é um muito característico filme do realizador norte-americano que aqui graças ao seu argumento resolve fazer uma homenagem ao invulgar cinema arthouse satânico que esteve muito em voga na década de 70 do passado século XX.
Heidi Hawthorne (Sherri Moon Zombie) é DJ numa rádio local de Salem, e juntamente com Herman "Whitey" (Jeff Daniel Phillips) e Herman "Munster" (Ken Foree), faz parte do Big H Radio Team, e apresentadores de um dos mais mediáticos programas de rádio.
Um dia Heidi recebe uma misteriosa caixa de madeira enviada pelos "Lords". Ao assumir que é uma banda rock que pretende promover o seu trabalho, Heidi passa-o e, curiosamente começa a tocar ao contrário, fazendo com que desperte nela um misterioso flashback sobre passado que partilha com a sua enigmática senhoria Lacy (Judy Geeson). No entanto, mais tarde quando Whitey volta a passar o disco no programa, ele toca normalmente fazendo um enorme sucesso junto da população local.
Quando os Lords voltam a enviar uma nova caixa para a rádio com convites para um espectáculo no qual todos devem participar, o trio está longe de imaginar que estão bem longe de um concerto de rock ao qual pensavam ir, e o regresso dos Lords está mais perto do que todos imaginavam, contribuindo assim para um assumido renascer das forças do mal que em tempos espalharam o terror por aquela cidade.
Rob Zombie consegue para além de dirigir um filme mais extravagante dos que as suas obras anteriores, o que quase parecia impossível, um verdadeiro elogio histórico e perfeitamente fiel ao género em que se insere. Se por um lado temos aqui um enquadramento inicial que nos leva aos primórdios da fundação do país em que muitas mulheres foram injustamente condenadas e queimadas vivas pela prática de bruxaria, momento pelo qual começa este filme, não é menos verdade o argumento que Zombie escreve agarra esse mesmo segmento que é posteriormente aproveitado para um verdadeiro elogio ao género cine-satânico distorcendo a realidade e colocando a história como se de um caso prático se tratasse. Assim temos um filme de terror com elementos sombrios e bastante obscuros de um sub-género de terror muito específico e que no fundo constitui uma franca homenagem ao estilo e possivelmente um dos melhores filmes feitos do mesmo desde há muitos e largos anos, e possivelmente tão bom como aqueles que eram tão "vivos" na década de 70 passada em que originaram um intenso culto.
Os elementos que Zombie faz renascer com este filme são inúmeros começando por todo um ambiente que "transpira" algo demoníaco e satânico desde o segmento inicial onde apesar de parecer o julgamento de um conjunto de inocentes sentimos de imediato que de algo elas são culpadas, apesar de não totalmente admitido o quê. A própria residência de "Heidi" é aparentemente inocente mas algo de ténebre se esconde por detrás daquelas paredes. O corredor enigmático e o constante jogo de luzes de tons carregados que a brilhante direcção de fotografia de Brandon Trost faz destacar, revela-nos que não é só "Heidi" que não está sózinha... nenhum de nós, na realidade, está e as presenças sejam elas quais forem estão bem perto e prestes a revelar-se.
E finalmente as características personagens são, também elas, um importante factor desta tensão escondida, senão mesmo o principal e que nos faz desconfiar de todos indiscriminadamente. Começando logo de imediato pela estranha empatia que nos fazem sentir os dois "Herman" colegas de "Heidi". Se por um lado os achamos amáveis e disponíveis demais, não é menos verdade que algo de incomodativo permanece no ar apenas se revelando mais tarde se temos ou não razão nessa suspeita. No entanto é aquela que deveria ser a menos suspeita das personagens que cedo se revela, "Lacy Doyle", a simpática senhoria de "Heidi" que parece sempre mais disponível do que aquilo que realmente é, e transmite-nos não uma agradável sensação de conforto mas sim uma desconcertante ideia de que estamos perante alguém que é muito mais do que aquilo que decide de si revelar. A cargo desta personagem está uma insuspeita actriz que fez furor nos anos 60 quando interpreta a jovem actriz que amou mais ou menos em segredo Sidney Poitier no sucesso britânico O Ódio que Gerou Amor, ou seja, Judy Geeson. Um rosto estranhamente familiar e que nos transmite inicialmente uma sugestão de segurança, Geeson consegue encarnar uma das mais fiéis discípulas de Satanás e que tudo fará para que o seu mestre regresse para poder procriar.
Mas Rob Zombie não deixou nada ao acaso, e nada como a santíssima trindade do mal para fazer renascer o senhor do mal. E para a mesma Zombie recuperou duas emblemáticas actrizes do género de terror, ou seja, a insuspeita Dee Wallace como "Sonny", actriz que nos entregou alguns dos mais intensos êxitos deste estilo durante toda a década de 80, sendo possivelmente a raínha dos filmes de terror série B (quem não se recorda dela no famoso The Howling só pode estar a mentir), e para completar o trio temos "Megan" numa composição de Patricia Quinn, estrela de The Rocky Horror Picture Show. As actrizes compõem uma calma, mas não menos enervante, tríade que personificam o mal com cara de santo. Sedutoras pela sua amabilidade e características de vizinhas pacatas e que zelam pela tranquilidade alheia, conseguindo assim ludibriar todos os que se cruzam com elas que suspeitam mais depressa de algo desconhecido que não sabem bem o que é do que propriamente dos seus comportamentos ultra-protectores de alguém que apenas vive naquele cada vez mais macabro edifício.
Quanto a Sheri Moon Zombie, mulher do realizador e a sua musa oficial (para o bem e para o mal), entrega-nos uma composição que atravessa e atinge os extremos. Inicialmente uma tipa pacata e de bem com a vida, com o trabalho que gosta e com uma empatia e química óbvia com o seu colega de trabalho vai, aos poucos, denotando os seus sinais de instabilidade, de fraqueza e que a amedrontam sem conseguir perceber os seus porquês, originais e fins. A vítima perfeita pelo seu passado e origens, controlada por aqueles que lhe querem mal e que ela se assuma como uma "Nossa Senhora" das trevas e que dê à luz o messias das mesmas que possa um dia criar o caos na Terra. Se Sheri Moon consegue entrega uma primeira metade deste filme com qualidades inerentes a uma mulher que leva a sua vida normalmente, não é menos verdade que se entrega de alma e coração quando a sua loucura e adoração começam a ser parte do seu estado psíquico antes de atravessar para o "outro lado". Aquilo que temos nos segmentos finais têm tanto de louco como de excêntrico, de exibicionista, sedutor e sexual num misto perfeitamente disforme e ela fá-lo como ninguém.
Se por um lado este filme vive dos seus elementos visuais que dão a todo o filme um look macabro e maligno graças à composição artística de Jennifer Spence e Lori Mazuer que quase nos aprisionam ao seu próprio universo, não é menos verdade que a música original de Griffin Boice e John 5 tornam toda a atmosfera arrepiante desde o primeiro instante.
As críticas negativas a este filme têm ultrapassado para além do razoável aquilo que este filme realmente se propõe ser... uma homenagem ao género de culto cine-satânico e que funciona como clara oposição às inúmeras obras bíblicas que fizeram furor no decurso da década de 50 e 60. Aqui não são os elementos baseados em "factos" que importam mas sim o recriar uma história que sem grandes lições de moral se tente impôr pela sua originalidade e macabro que amedrontem não por nenhum ambiente gore mas sim pela excentricidade visual que nos faça perder pelo meio contanto, ainda assim, uma história. E Rob Zombie consegue ser fiel ao ambiente e ao género cinematográfico compondo uma obra onde não só recupera rostos emblemáticos do cinema de terror como introduz novos actores, ressuscita a musa "virgem" que é alvo das investidas do mal e todo o seu look estético são desafiantes e sedutores ao ponto de não nos querermos separar de nenhum pequeno detalhe com que somos presenteados. A bem da verdade, Zombie consegue transformar todo o segmento final numa verdadeira orgia visual... tal como o verdadeiro mal pretende.
Pode não ser um filme fácil e ser em boa medida tenso e desconfortável mas, na realidade, é isso mesmo que um verdadeiro fã do género pretende e que aqui, felizmente, consegue ter. Zombie superou as suas obras anteriores e, na prática, superou-se a si próprio fazendo deste The Lords of Salem a sua obra de referência.
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"Sonny:
Satan! Come to us! We are ready!"
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8 / 10
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