O Senhor Babadook de Jennifer Kent é uma longa-metragem australiana de terror que passou na última edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa e o mais recente sucesso imediato do género sendo já considerado um filme de excelência do mesmo.
Amelia (Essie Davis) perdeu o marido Oskar (Benajmin Winspear) num acidente de automóvel no momento em que este a levava para o hospital par ver nascer o seu filho Samuel (Noah Wiseman).
Anos depois enquanto mãe solteira, Amelia tem de lutar contra os constantes delírios de Samuel sobre monstros imaginários enquanto ela própria tenta obter algum descanso. No entanto, quando um misterioso livro surge no quarto de Samuel, a sua casa parece estar sob a influência de Babadook, um monstro que se esconde nas sombras e que promete nunca os abandonar.
Aquilo que se destaca de imediato no argumento - da autoria da própria realizadora - de The Babadook, é que estamos perante uma história tensa e agonizante não do ponto de vista de um conto tradicional de terror com os já referidos monstros mas sim, uma narrativa onde esse mesmo terror se assume sob uma perspectiva psicológica e do foro psiquiátrico. Os primeiros instantes de The Babadook revelam de imediato esta componente quando um jovem "Samuel" procura o conforto para uma noite escura junto da mãe que dorme e que dele se distancia com uma repulsa anormal.
De momento em momento, o espectador espera que o temido monstro revelado pelo livro descoberto no quarto do jovem "Samuel" apareça e revele a sua natureza mas, para lá de qualquer aparição, aquilo que nos vai sendo revelado é uma total degradação psicológica e por consequência física, nos comportamentos de "Amelia" que evidencia um cansaço crescente. E no fundo é este "o" monstro que se revela, aumenta e prepara para dar o golpe final. De "Amelia" pouco sabemos para lá daquilo que lentamente surge no ecrã. Uma mulher relativamente jovem que passou os últimos anos a tratar de uma criança sem o apoio de um marido/pai e que, perdida num trabalho pouco compensatório - pelo menos do ponto de vista mental onde a interacção é praticamente inexistente com aqueles que a rodeiam - começa lentamente a ceder a um cansaço e esgotamento psicológico que deturpam não só o seu normal pensamento como principalmente a percepção da realidade tal como ela se apresenta. Vários são os sinais que o denotam nomeadamente o aparecimento de um livro desconhecido no seio dos brinquedos de "Samuel" que "Amelia" depois rasga, queima e faz desaparecer, não esquecendo os seus comportamentos pouco saudáveis onde perde o controlo do carro, dos seus impulsos cada vez mais violentos e finalmente, a sua alteração de humor que se degrada acentuadamente.
Poderíamos ainda começar por todo um período anterior onde associado ao acidente e à perda do marido, "Amelia" se depara com uma evidente depressão pós-parto onde rejeita o seu filho e os comportamentos afectivos que este espera da sua parte. Quando o jovem "Samuel" lhe pede que a proteja, a reacção de "Amelia" não é imediata olhando para a criança com uma estranheza esclarecedora o que, tudo combinado, não só revelam a sua deterioração psicológica como principalmente o surgimento daquele que será o verdadeiro "monster within".
No entanto, "Amelia" não está sózinha nesta luta quando o espectador conhece um igualmente perturbado "Samuel" cujo nascimento derivou não só de uma perda como de um lar destruído pela morte, pela depressão e pela instabilidade que lhe estão inerentes. A jovem criança vive num mundo muito particular de monstros - que inicialmente poderia ser o nome dado ao acidente que lhe vitimou o pai - e que com o seu crescimento derivaram para aqueles que residem nos contos que insiste lhe serem relatados pela mãe. Se "Amelia" se encontra - ela própria - numa deturpação da realidade e a viver não só a sua perda como a sua depressão, o espectador questiona-se se o tal universo paralelo que "Samuel" vive não lhe poderia ter sido incutido por alguma história paralela que a própria lhe conta expiando as suas incertezas, inseguranças, medos (que proliferam com a solidão) e, como tal, dando origem ao aparecimento de um "Babadook" imaginário?
Num constante paralelismo entre o mundo em que todos vivem e aquele onde mãe e filho vivem - a sua casa - o espectador percebe a clara distância e alienamento da realidade sentido e vivido pelos dois. No fundo, "Babadook" é um medo constante de algo que poderá devir. Um nome dado a um potencial monstro que existe algures no imaginário do real. No entanto, tal como o próprio livro homónimo relata - e que o espectador eventualmente ignora por esperar algo vindo das trevas - o verdadeiro monstro existe e povoa o "nosso" interior, inicialmente criando a suspeita e finalmente o pânico e o receio de tudo aquilo que de estranho existe "para lá da realidade" que não são mais do que os demónios que todos escondemos. As pistas são conclusivas... apenas temos de lhes prestar atenção e acreditar que nada de sobrenatural existe para além das explicações que sendo irracionais... parecem ser as mais válidas.
Essie Davis é assumidamente a alma - ou falta dela - de The Babadook criando desde o primeiro instante, toda uma atmosfera de degradação psicológica fruto de uma psique atormentada pela perda (do marido), pelo acidente que o vitimou, pelos receios de uma maternidade solitária e até pelos aparentes problemas de saúde/psicológicos (não sabendo até que ponto provocados pela própria) do filho. Perdida em duas evidentes dimensões - o mundo real e aquele que em crescendo se instala na sua mente - a "Amelia" de Davis pouca empatia provoca no espectador - não a actriz mas sim a personagem - pois se inicialmente todo o seu drama poderia ser considerado fruto da depressão pós-parto, não é menos verdade que as suas atitudes excessivamente controladoras de alguém que se assume - inconscientemente - como a única vítima de referida fatalidade, a levam a espelhar mais convictamente uma mulher de risco do que alguém que sofre de uma enfermidade do foro psicológico. A "Amelia" de Davis percebe até - a dada altura - que a tragédia está para acontecer mas, no entanto, a própria perde-se com divagações sobrenaturais alienando tudo o que está à sua volta e acreditando no improvável em vez de ceder a um tratamento - nunca sugerido - que lhe poderiam conferir algum conforto e segurança - física e mental.
Todo o clima de The Babadook é tenso desde o primeiro instante e a capacidade de se afirmar como uma história de terror atípica que mantém o "monstro" sem revelar que ele é mais real do aqueles relatados nos contos literários, transformam esta longa-metragem australiana num dos mais enigmáticos e assustadores filmes de terror dos últimos tempos que cativam pelo improvável, pela sugestão e principalmente por aquilo que todos recusamos compreender que pode estar... no nosso próprio interior.
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"Amelia: You are nothing! You're nothing! (...)"
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8 / 10
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