domingo, 31 de agosto de 2014

Farcume - Festival de Curtas-Metragens de Faro 2014: os vencedores

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Ficção
1º Classificado: Falha do Sistema, de José Miguel Moreira (Portugal)
2º Classificado: Meninos do Rio, de Javier Macupe (Espanha)
3º Classificado: Cigano, de David Bonneville (Portugal)
Menção Honrosa: Entre Ange et Démon, de Pascal Foney (Suíça)
Menção Honrosa: Dentro del Túnel, de Sérgio Román (Espanha)
Menção Honrosa: No Love Lost, de Shekhar Bassi (Reino Unido)
Menção Honrosa: A Propósito de Ndugu, de David Muñoz (Espanha)
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Documentário
1º Classificado: Jeuh Kieh a JM HM Kahum, de Arturo Aguilar (México/EUA)
2º Classificado: Piove, il Film di Pio, de Thiago Mendonça (Brasil)
3º Classificado: Quando Eu Vestia Meu Terno de Couro, de Flávio Farias (Brasil)
Menção Honrosa: Kabeza, de Fernando Bordeo (Espanha)
Menção Honrosa: Pescador de Um Rio sem Margem, de Rodolfo Silveira (Portugal)
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Animação
1º Classificado: Payada Pá Sátan, de António Bolseiro e Carlos Bolseiro (Argentina)
2º Classificado: Premier Automne, de Carlos de Carvalho (França)
3º Classificado: A Lifestory, de Nacho Rodríguez (Espanha)
Menção Honrosa: Eugénia, de Deborah Cwyner (Israel)
Menção Honrosa: Inércia, de Becho Lo Bianco e Mariano Bergara (Argentina)
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Videoclips
1º Classificado: Garden's Rose, de Juan Galinanes e Olga Osório (Espanha)
2º Classificado: NOME: O Tempo na Tua Mão, de Pedro Matos (Portugal)
3º Classificado: A Song for Elaine, de Borja Ramirez (Espanha)
Menção Honrosa: DSK: Cianuro Disco Funk, de Montero & Lesta (Espanha)
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Prémio Curtíssima: Sinceridad, de Andrea Casaseca (Espanha)
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Prémio do Público: Lost Haven, de Patrício Faísca (Portugal)
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Almas Censuradas (2013)

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Almas Censuradas de Bruno Ganhão é um documentário em formato de curta-metragem português que centra a sua dinâmica nos últimos anos e características da ditadura salazarista bem como na transição democrática portuguesa culminando com os dias que vivemos.
Este documentário que tece na sua primeira metade de duração um breve registo da tradição e dos "bons costumes" ao som de uma narração que é brevemente intercalada com segmentos dos discursos de Marcello Caetano, não esquece uma distinta ligação entre a procissão a Fátima e a penitência do dito pagamento de promessas com o silencioso sofrimento de um povo que teima em não evoluir nos tabus da sociedade enclausurada em si mesma.
Uma sociedade que vive assim presa aos antigos costumes e que aceita aquilo que alguém - ? - lhe dá a conhecer sem o questionar, aprisiona-se às premissas de uma informação desactualizada, demagoga e ultrapassada que perpetua - sem qualquer reserva - a estagnação e a ignorância. É nesta observação constante do Portugal que tivemos e temos - teremos? - que o espectador presencia uma vontade inerente e sempre presente de mudança que, no entanto, é abafada pelos ventos passados de que temos um povo sereno - apenas um mito - que se revela consciente e com medo de avançar. O tal medo que os costumes e boas maneiras impedem de evoluir e se extravasar além barreiras pessoais e individuais. Quando a multidão se teme... está para sempre sobre si fechada.
Os ventos de mudança trazidos com o 25 de Abril de 1974 foram, segundo o primeiro-ministro de então Vasco Gonçalves, uma época única na História de Portugal e que apenas com uma lucidez extrema poderiam ser aproveitados para a evolução económica e social que nos faria descolar definitivamente daquilo que havia sido deixado para trás, e citando-o era seu desejo que "não se perdesse o nosso futuro" - agora aparentemente perdido.
De momento curioso a momento ímpar, Almas Censuradas reflecte assim sobre o aprisionamento do espírito de liberdade que o povo português tem vivido ao longo dos séculos e, se por um lado mostra uma sede de mudança que parece por breves momentos ser impossível de quebrar, não é menos verdade que pela tal censura do espírito fruto de anos e anos de regimes totalitários, o povo aprendeu a reprimir os seus desejos, as suas vontades e principalmente as suas liberdades... No fundo, o povo reprimiu o desejo de ter desejo mantendo-se, portanto, num limbo entre liberdade e medo que o impede de progredir. A ter um obstáculo o povo só o encontrará no seu próprio seio.
Mordaz e de mensagem afiada, Almas Censuradas capta de forma breve mas certeira a alma - censurada e aprisionada - do povo português.
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"Vasco Gonçalves: Vivemos um momento como não viveram os nossos pais e não sabemos se viverão os nossos filhos."
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8 / 10
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sábado, 30 de agosto de 2014

Lisboa Verde 3D (2014)

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Lisboa Verde 3D de Edgar Pêra é uma curta-metragem portuguesa ou, noutra designação possível, um foto-filme de investigação que nos leva a um invulgar passeio por alguns locais emblemáticos da capital.
Contrariamente àquilo que estamos habituados a assistir nos mais diversos filmes em que o realizador nos dirige rumo a uma visita panorâmica em primeiro plano da cidade e dos seus locais mais reconhecíveis como se da perspectiva de um habitante ou turista se tratasse, Edgar Pêra e o seu Lisboa Verde 3D encaminham o espectador nessa mesma viagem mas desta vez pela perspectiva de, tal como frisou na apresentação do mesmo ontem no Cinema São Jorge durante a programação do Lisboa na Rua, "pela perspectiva dos seus seres verdes", que é como quem diz da vegetação que é, no fundo, um habitante silencioso da cidade.
Contrariamente àquilo que estamos habituados, esse plano principal é, em todos os segmentos, ocupado por um qualquer tipo de vegetação que esconde alguns dos locais mais emblemáticos da cidade, desde Belém ao Parque das Nações sem esquecer os mais variados jardins da cidade que nos inserem não num espaço repleto de vida dita humana mas sim uma vida que povoa a capital silenciosamente... as suas árvores, arbustos, plantas e flores que são assim captados em relevo e inseridos no espaço como o seu elemento ou actor principal.
É nesta viagem que o espectador é inserido não na agitação de uma cidade em movimento mas sim naqueles pequenos grandes espaços - e por vezes igualmente ignorados - que lhe transmitem a qualidade de vida tantas vezes esquecida dentro do espaço em que habitam diariamente.
Assim, e numa sessão contínua entre as 19 e as 22 horas, Lisboa Verde 3D foi reproduzido na sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, ao som de uma musicalidade proporcionada igualmente por esses referidos e por vezes ignorados "seres verdes" da cidade. Musicalidade essa proporcionada pelo som do vento que toca nas folhas e que funciona de forma dinâmica como uma linguagem própria e hipnótica.
Lisboa Verde 3D poderá não ser o filme mais forte da carreira de Edgar Pêra mas será sem dúvida um dos mais originalmente pensados por nos permitir a perspectiva e o conhecimento de um outro lado da cidade... ou pelo menos uma outra forma de olhar para os seus espaços e para os seus habitantes... pelo menos aqueles que são tantas vezes ou ignorados ou mal-tratados e que aqui encontram um interessante veículo para os homenagear.
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7 / 10
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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Nocturno (2014)

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Nocturno de Hermínio Cardiel Martín é uma curta-metragem espanhola de ficção que nos apresenta uma personagem invulgar.
Ele (Javier Bermejo) encontra-se num bar. Escuta os pensamentos dos outros e percebo os seus problemas mais ou menos graves. Mas ninguém sabe quais são os seus... aqueles que o atormentam e que tornariam ligeiros todos os demais. Até que Ela (Blanca Izquierdo) aparece na sua vida.
Hermínio Cardiel Martín que já nos havia apresentado o sensível El Lado Frio de la Almohada, presenteia-nos agora com a sua mais recente curta-metragem onde faz uma sentida reflexão sobre a vida de cada um. Aquilo que os atormenta e tira o sono. O que lhes dá sentido - ou a falta dele - e faz com que a sua personagem principal analise todas aquelas vidas que o rodeiam sem que, no entanto, estes o percebam ou o revelem em voz alta.
Entre problemas reais ou aqueles que imaginamos como forma de ter alguma coisa em que pensar - uma ocupação - Nocturno leva-nos ao mesmo tempo numa simpática viagem pela solidão. Afinal, se pensarmos bem sobre todos aqueles que se encontram no bar metidos nos seus próprios pensamentos - ainda que muitos deles acompanhados pelos seus amigos - estão solitários. Esperam alguém? Talvez. Estão ali como mero acaso para combater a solidão que os espera em casa? Muito possivelmente. É esta mesma solidão que os faz pensar nos seus problemas, sejam eles reais ou meros frutos da imaginação de cada um, outros tantos aqueles que jamais confessariam a alguém mas, na prática, todos eles fruto de uma solidão que os obriga a pensar em excesso nos mesmos e sentirem-se impedidos de avançar rumo a uma rápida resolução dos mesmos.
No final, temos uma inesperada reviravolta, aquela que determina os destinos do nosso simpático pensador e com o qual Cardiel faz ao mesmo tempo uma sentida e quase humorística homenagem a uma referência cinematográfica que qualquer bom cinéfilo terá.
Séria sem ser demasiadamente triste, actual sem cair em lugares comuns, Nocturno prima pela competente interpretação de Javier Bermejo e é a mais recente prova da originalidade do trabalho de um novo talento do cinema espanhol.
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7 / 10
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quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Roberto Cairo

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1963 - 2014
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Alda (2013)

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Alda de Ana Cardoso, Luís Catalo, Filipe Fonseca e Liliana Sobreiro é uma curta-metragem de animação portuguesa e possivelmente um dos melhores e mais bem executados filmes do género dos últimos tempos.
Alda é uma mulher solitária e já de uma certa idade. Afasta-se de todos e do mundo apenas contactando com ele no indispensável. Não fala com ninguém e evita as poucas pessoas com quem se cruza, e a sua casa no meio do campo é a única coisa que realmente conserva como sua.
Mas quando uma barragem está prestes a ser terminada... Alda terá de enfrenta o abandono da sua casa.
Esta magnífica curta-metragem cujo argumento é da autoria dos quatro realizadores tendo Luís Catalo ainda a seu cargo a emotiva música original é, como já referi, um assumido marco no panorama de cinema de animação português. Sem qualquer recurso a diálogos deixando as imagens falar por si, Alda transmite ao espectador um imediato sentimento de solidão e abandono que se agudizam com a chegada dos transportes que se preparam para levar os últimos habitantes para fora daquela pequena aldeia que tanto viu no seu passado.
Como aquele que será eventualmente o momento mais tocante desta curta-metragem, quando "Alda" fecha a porta não sem antes deixar um último olhar sobre o espaço onde nasceu e cresceu, esta história leva-nos ainda a uma breve passagem pelo seu novo espaço. Aquele espaço onde apesar de ter todas as últimas e mais modernas condições de conforto não deixa de se sentir como uma intrusa num espaço frio e onde não se encontram nenhumas das suas memórias do que foi e nunca mais será. "Alda" é uma mulher envelhecida, solitária e triste, perdida num novo mundo que não sente - nem sentirá - como seu. Na essência, "Alda" ocupa uma casa... mas não um lar.
A transformação e a modernidade enfrenta-as com silêncio... e no mesmo silêncio recorda o seu passado agora perdido. Alda - filme e personagem - são assim um silencioso relato sobre a perda, sobre a memória, e sobre aquilo que sendo passado nos define pela importância que criou na vida de cada um e que, de certa forma, nos "trouxe" ao lugar onde hoje nos encontramos. Porque não existe nada mais importante do que um lar, Alda reflecte assim sobre a sua importância enquanto espaço de conforto e de formação do grupo primário de cada um de nós que, podendo ser mais distante dos últimos equipamentos tecnológicos não deixa, no entanto, de ser aquele onde cada um de nós é capaz de encontrar o seu espaço, o seu lugar, conforto e ambiente natural. E tudo isto enquanto assistimos à passagem de testemunho de um outro Portugal desaparecido - ou que vai desaparecendo - também ele, em silêncio.
Alda é, numa breve expressão, uma pequena grande pérola.
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9 / 10
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Ptolmus (2013)

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Ptolmus de Josemaria Rra é uma curta-metragem de animação portuguesa que centra duas únicas personagens num espaço onde discutem as limitações mútuas.
Se para o Homem é inconcebível como aquele ser tão diferente não consegue ver e, como tal, medir as distâncias, as formas ou a concepção de arte, para o Ser é impensável como os humanos são tão limitados ao não possuírem o sentido de Ptolmus.
O argumento também da autoria de Josemaria Rra aponta numa única direcção, ou seja, aquela de que o Homem se precipita no julgamento dos demais condenando as supostas limitações alheias ao mesmo tempo que enaltece as suas próprias qualidades. No entanto, o que acontecerá se essas mesmas limitações não o forem sendo, por sua vez, verdadeiras capacidades psíquicas ou de alteração espacio-temporal podendo de tal forma regressar no tempo e alterar - ou não - os acontecimentos?
Desta forma, Ptolmus reflecte sobre aquilo que para o "eu" pode ser considerado como uma limitação mas que, para o "outro", pode ser o seu trunfo e forma de sobreviver num mundo que não aceita de imediato a sua condição. De julgamento em julgamento, são estas mesmas características que acabam por definir não só a condição de cada um no mundo - ou numa sua representação - como também a dimensão - ou falta dela - da sua Humanidade (talvez perdida).
Um trabalho original que oscila de loop em loop - subentendidos e nunca relatados - e que deixa uma certa curiosidade sobre o que poderia ser esta história se se tratasse de uma longa-metragem que conferisse ao espectador uma maior perspectiva sobre os passados e origens destas duas intrigantes personagens.
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7 / 10
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Outro Homem Qualquer (2012)

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Outro Homem Qualquer de Luís Soares é uma curta-metragem de animação portuguesa cujo argumento foi escrito por Cátia Salgueiro e leva o espectador até um qualquer café de bairro onde um homem anónimo fuma e observa o mundo lá fora.
Quando tudo passa diante dos seus olhos sem por ele passar na realidade, a realidade do outro lado confunde-se com aquilo que ele vive e sente.
No final ele - nós os espectadores - perguntamo-nos sobre aquilo que de si restará, quais as memórias, quais as marcas da sua presença e sobretudo quem será ele no meio de uma eventual multidão - também ela - anónima.
Num mundo que se confunde o anonimato e a solidão, Outro Homem Qualquer preconiza em breves momentos o que resta do Homem quando se finda. Que marca deixa da sua existência, que testemunhos existem do mesmo numa sociedade onde todos se fundem e desaparecem sem grande recordação, marca ou feito que lhe permita ser recordado. Quem é o Homem para lá daqueles breves momentos em que vive (quando vive), e a supôr que todos são recordados... porque motivo será recordado cada um de nós?!
Numa animação que se ambienta num espaço pesado, reflexivo e triste, Outro Homem Qualquer é um curioso filme relato sobre a memória... ou aquilo que dela resta... quando resta.
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7 / 10
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Três Semanas em Dezembro (2013)

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Três Semanas em Dezembro de Laura Gonçalves é uma curta-metragem de animação portuguesa cuja execução se centra nos desenhos elaborados pela realizadora e argumentista e cuja história se baseia nas suas referências pessoais e familiares.
Num registo que transporta o espectador até ao seio da família da realizadora, Três Semanas em Dezembro aproxima-nos de um conjunto de momentos, recordações e memórias sempre presentes como um documento íntimo, pessoal e saudoso do conceito de família que a animação espelha como realmente de um passado se trate. Os traços perceptíveis mas esbatidos são assim os laivos que permanecem na memória... marcantes pela sua vivência mas finos como que passados representando aquele que é o primeiro grupo ao qual todos nós pertencemos.
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7 / 10
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Antigamente, Tudo Era Diferente! (2013)

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Antigamente, Tudo Era Diferente! de Alunos EB1 Cortiçadas de Lavre, Alunos EB1 Vendas Silveiras, EB1 Santiago do Escoural, EB1 Ciborro, EB1 Lavre, EB1 Foros de Vale de Figueira, EB1 Cabrela e EB1 S. Mateus 2011 / 2012 sob orientação do Colectivo Fotograma 24 é uma curta-metragem de animação portuguesa cuja própria animação bem como a sua narração é feita pelas crianças que nela participaram.
Num banco de jardim numa qualquer aldeia alentejana, uma criança questiona o seu avô sobre a sua profissão. O avô partilha não só as suas memórias como o passado da região e as profissões que nela proliferavam e que davam uma vida e cor económica à região, naquela que é uma viagem pelo tempo e pelo sentido de comunidade que outrora predominava.
Neste relato sobre a memória e o passado são assim recordados momentos da vida laboral e económica de uma localidade do interior português - em representação simbólica de tantas outras - e que, em conjunto, contribuíam de igual forma para a vida social que dinamizada toda a localidade que "hoje" se encontra, de certa forma, ao abandono.
Antigamente, Tudo Era Diferente! pode não ser uma curta-metragem que ganhe uma imediata empatia mas, ao mesmo tempo, torna-se assim num interessante registo documental sobre o passado feito pelas mãos daqueles que hoje serão o futuro principalmente pela forma como demonstra querer manter a memória do antigamente em contraposição àquilo que agora se tem e conhece.
Particular e curioso o destaque de tentar criar este filme curto mantendo os sotaques da região e o cante alentejano no seu final como um indissociável registo da cultura e tradição local.
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6 / 10
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Nôs Terra (2011)

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Nôs Terra de Estudantes da EB1 de Trás-os-Montes e EB1 do Tarrafal sob orientação do Colectivo Fotograma 24 é uma curta-metragem de animação portuguesa contado e experienciado por crianças do interior da Ilha de Santiago, Cabo Verde, onde através dos seus testemunhos se cruzam as vivências comuns a todos no processo do cultivo da terra como a sua fonte de subsistência e riqueza.
Sob a forma de um relato animado que junta a imagem animada, desenhos elaborados pelas crianças e uma narração na sua própria voz, esta curta-metragem mostra uma realidade infantil bem diferente daquela que tão vulgarmente chamados de "ocidental" onde as crianças têm um sentido de vivência mais distante da realidade da vida, mostrando as cabo-verdianas onde para lá de todas as tarefas diárias como a sua higiene pessoal e a escolar, têm ainda que efectuar um conjunto de tarefas laborais que, tal como foi referido, constituem a sua forma de sustento alimentar e económico-financeiro.
Interessante pela forma como é elaborada e considerando os seus jovens realizadores no entanto, enquanto curta-metragem de animação, esperava como espectador um estilo mais narrativo e não documental que termina antes de mostrar todos os pequenos detalhes dessas tarefas e objectivos diários.
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6 / 10
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Brincar (2013)

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Brincar de Colectivo de Crianças, Jovens e Idosos de Guimarães sob orientação do Colectivo Fotograma 24 é uma curta-metragem portuguesa que une a imagem real à animação e que sob o tema "brincar" lança o mote que mostra diferentes opiniões e sentimentos quanto ao acto.
Enquanto para uns brincar é um acto de pura liberdade e diversão, para outros o mesmo é um momento de criatividade e imaginação. Na prática, ambas as opiniões se unem num ponto comum... aquele em que todo se sentem livres.
Ao mesmo tempo, Brincar lança um olhar sobre as formas de diversão de gerações distintas e diferentes e como o acto e os instrumentos utilizados se diversificou e evoluiu ao longo das mesmas. Aquilo que anteriormente permitia um maior "nomadismo" nas crianças hoje transforma-as em sedentárias e mais isoladas constituindo, no entanto, as formas de cada uma delas se divertir e ocupar sendo, para todos, uma necessidade humana.
Dinâmica e por vezes divertida na medida em que nos apresenta perspectivas temporalmente bem vincadas, esta curta-metragem é, na sua essência, mais documental do que propriamente de animação constituindo-se como um interessante relato breve da evolução dos tempos.
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6 / 10
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terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Canto dos Cisnes (2011)

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O Canto dos Cisnes de Marco Barbosa é uma curta-metragem portuguesa de ficção finalista do Prémio ZON en 2011.
Um casal refugia-se num estacionamento subterrâneo enquanto as ruas são tomadas de assalto por um grupo de infectados. Ela (Teresa Tavares) está infectada. É quando a sua esperança no futuro fica comprometida que Ele (Sisley Dias) tenta incutir-lhe algum sentimento de dias melhores com base no passado em comum. É durante a sua troca de palavras que Ela descobre que Ele também está infectado. Têm de sair dali... Para onde?!
O Canto dos Cisnes, cujo argumento é também da autoria de Marco Barbosa, torna-se em mais uma das entregas sobre um potencial fim do mundo, um apocalipse ou uma vaga de infectados que perseguem os poucos humanos que resistem e que coloca o par de actores em condições adversas e desconhecidas para com o seu futuro imediato. Presos num espaço de onde parecem não ter saída e reféns da sua própria condição física ameaçada pela infecção de que foram alvo, a grande questão que é então colocada ao espectador e que funciona de certa forma como aquela que se pretende retirar como conclusão desta curta-metragem reside em saber se vale a pena lutar quando tudo aparenta estar condenado.
Numa resposta que poderá apenas residir dentro de cada um de nós, o espectador depara-se então com a ideia de que a sua sobrevivência, independentemente dela ser física ou psicológica, encontra-se na capacidade que cada um tem de lutar, ou de ter algo pelo qual o fazer, e encontrar assim um rumo - o seu - para a sua vida ou aquilo que dela resta.
Uma conclusão algo explorada no universo do cinema apocalíptico, O Canto dos Cisnes faz, no entanto, uma interessante relação entre o seu título e a escolha dos seus protagonistas que resistem nem que seja para mostrar o seu último fôlego e decidir que o seu futuro poderá já não ser tão longo como quereriam mas será aquele que eles decidem antes de encontrar o inevitável fim. Existindo ou não uma fuga real, aquela que eles encontram é a que os próprios escolhem.
Um último aspecto a apontar a O Canto dos Cisnes é o seu interessante e bem executado trabalho de caracterização da autoria de Mariana Peixoto e Catarina Santos, que independentemente de ser um filme de um género muito concreto, confere aos actores uma aparência de crescente desgaste físico e psicológico entregando-os a uma notório espiral descendente que poderia facilmente ser enquadrado a tantos outros filmes.
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5 / 10
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Arquiteturas Film Festival Lisboa 2014: programação oficial

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O Arquiteturas Film Festival Lisboa está de volta à capital para a sua segunda edição que irá decorrer de 24 a 28 de Setembro próximos no Cinema City Alvalade e na Cinemateca Portuguesa.
À programação oficial, recentemente divulgada, é ainda acrescida a atribuíção de um Prémio do Público. E as diversas categorias são:
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Melhor Longa-Metragem Nacional
1960, de Rodrigo Areias
In Media Res, de Luciana Fina
Revolução Industrial, de Frederico Lobo e Tiago Hespanha
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Melhor Curta-Metragem Nacional
Ficção
Belavista, de Filipa Reia e João Miller Guerra
Bicicleta, de Luís Vieira Campos
Como se Desenha uma Casa, de Luís Urbano
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Documentário
Casa Manuel Vieira, de Júlio Alves
Grande Auditório Gulbenkian, de João Mário Grilo
Rua da Estrada, de Graça Castanheira
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Experimental
Cinza, de Micael Espinha
Obelisco, de Nuno Serrão
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Melhor Longa-Metragem Internacional
Amancio Williams, de Gerardo Panero (Argentina)
Away from All Suns, de Isa Willinger (Alemanha)
Diller Scofidio + Renfro: Reimagining Lincoln Center and the High Line, de Muffie Dunn e Tom Piper (EUA)
Lullaby to My Father, de Amos Gitai (França/Suíça)
Houses for All, de Gereon Wetzel (Alemanha)
Interior/Exterior, de Mauricio Novelo Jarque (México)
Nina, de Elisa Fuksas (Itália)
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Melhor Curta-Metragem Internacional
Ficção
A Radiant Life, de Meryil Hardt, (França)
The Dolphin City, de Pierre Gaffié (França)
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Documentário
Beyond Metabolism, de Stefane Gaus e Volker Sattel (Alemanha)
The Column, de Adrian Paci (Itália)
Un Archipel, de Marie Bouts e Till Roeskens (França)
White Chimney, de Jani Peltonen (Finlândia)
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Experimental
Arcadia, de Petra Noordkamp (Holanda)
Pepper's Ghost, de Stephen Broomer (EUA)
Pietas of the Wind, de Stefano Croci e Silvia Siberini (Itália)
The Singer, de Rafael Navarro Minon (Espanha)
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Prémio Lusófona
Bernardes, de Paul de Barros e Gustavo gama Rodrigues (Brasil)
Cube House, de Studio MK27 (Brasil)
Film Exercise # Modern Living, de Studio MK27 (Brasil) 
Mionga House, de René Tavares e Kwane Sousa (São Tomé e Princípe)
The Words for Mindelo's Urban Creole, de Irineu Destourelles (Cabo Verde)
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Prémio Novos Talentos
Atenção: Isto Pode ser Um Poema, de Áureo Rosa e Luiz H. Girarde (Brasil)
Forgotten, de Fabio Caccuri, Nicola Ciuffo e Ivo Pisanti (Itália)
Phytia, an Architecture Thesis, de Omar Kakar (EUA)
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Emmy 2014: os vencedores

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Drama
Série: Breaking Bad
Realizador: Cary Fukunaga, True Detective - Who Goes There
Argumento: Moira Walley-Beckett, Breaking Bad - Ozymandias
Actor: Bryan Cranston, Breaking Bad
Actriz: Julianna Margulies, The Good Wife
Actor Secundário: Aaron Paul, Breaking Bad
Actriz Secundária: Anna Gunn, Breaking Bad
Actor Convidado: Joe Morton, Scandal
Actriz Convidada: Allison Janney, Masters of Sex
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Comédia
Série: Modern Family
Realizador: Gail Mancuso, Modern Family - Vegas
Argumento: Louie C.K., Louie - So Did the Fat Lady
Actor: Jim Parsons, The Big Bang Theory
Actriz: Julia-Louis Dreyfus, Veep
Actor Secundário: Ty Burrel, Modern Family
Actriz Secundária: Allison Janney, Mom
Actor Convidado: Jimmy Fallon, Saturday Night Live
Actriz Convidada: Uzo Uduba, Orange is the New Black
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Mini-Série ou Telefilme
Telefilme: The Normal Heart
Mini-Série: Fargo
Relizador: Colin Bucksey, Fargo
Argumento: Steven Moffat, Sherlock: His Last Vow
Actor: Benedict Cumberbatch, Sherlock: His Last Vow
Actriz: Jessica Lange, American Horror Story: Coven
Actor Secundário: Martin Freeman, Sherlock: His Last Vow
Actriz Secundária: Kathy Bates, American Horror Story: Coven
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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Alligator X (2010)

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Xtinction: Predador X de Amir Valinia é uma longa-metragem norte-americana que se insere na já tradicional "onda" de criaturas geneticamente modificadas que surgem nos mais inesperados habitats e que o tentam transformar às suas necessidades.
Laura LeCrois (Elena Lyons) regressa a casa com a perspectiva de retomar o negócio de família - passeios de barco pelos pântanos do Louisiana - que aos poucos de apaga.
No entanto, é numa destas viagens que Laura e alguns dos seus passageiros descobrem no pântano um dinossauro antepassado do crocodilo que fora clonado e que devido ao seu gigantesco tamanho pode ameaçar toda a existência como a conhecemos. Conseguirá Laura e quem a acompanha fugir de tão grande ameaça?
O conjunto de filmes - no qual este se insere - sobre o mais recente mutante pré-histórico que começa a ser criado para aterrorizar o planeta e a existência tal como a conhecemos, piora a cada dia que passa manifestando-se com interpretações pobres, efeitos especiais mal executados e momentos sui generis onde predominam cómicos de situação sem qualquer graça ou humor. Alligator X não é disso excepção.
Nesta longa-metragem cujo propósito é rir devido à sua pobre execução, encontramos todo o tipo de momentos que são condenados ao óbvio, ao absurdo e aos típicos vilões e oportunistas lunáticos que se aproveitam do momento para a sua glória... mas de tal forma mal concebidos que qualquer espectador mais atento desespera pela sua falta de empenho. Os objectivos das personagens são claros e conseguimos identificar quem é quem nos primeiros cinco minutos. Não existem surpresas nem tão pouco inuendos que nos levem a manter o clima de suspense no ar e é certo que desde os primeiros instantes que olhamos para um filme deste género com suspeita e aborrecimento. Sabemos quem vai morrer pelo caminho, quem sobrevive enquanto herói... aqueles que se sacrificam pelo bem maior aqui representado pela última esperança da Humanidade, e os habituais "hillbillies" que lucram momentaneamente sem perceber que contribuem para a sua própria destruição. Encaremos a realidade... tudo isto já foi feito... e visto!
As personagens - todas sem uma única excepção - preenchem um conjunto de quotas do horror onde sem qualquer forma de inspiração verborreiam os seus propósitos como se os próprios interessassem aos espectadores, sabendo perfeitamente que estamos tão aborrecidos como eles em estar ali - eles quando fizeram e nós quando vemos este filme - com a única diferença de que eles foram pagos para o fazer (espero... senão é mau demais para ser verdade!)... e alguns de nós (mea culpa) esperam que os mesmos passem num qualquer canal de televisão portuguesa para colmatar uma hora e meia da nossa vida com algo que é claro e perceptível aos olhos de todos... lixo televisivo/cinematográfico!
Na prática, até sabemos como o monstro é abatido... o legado que deixa e muitas das falas entre personagens que banalizam o perigo, o terror e a falta de esperança em ver o dia de amanhã... Sabemos que existe sempre uma personagem mais mentalmente desprivilegiada do que as demais, e que normalmente se espelha através da imagem de uma loira abonada que todos ridicularizam mas que acaba por ser - estranhamente - uma sobrevivente. Todos sabemos que a mente do crime é alguém que em tempos foi "bonzinho"... mas que percebeu que jogar na equipa adversária lhe poderia conferir mais lucro e, com essa mudança, denotou uma transformação mental por demais evidente e que a todos aqueles com quem lidou preocupa.
Resumindo... Alligator X é um filme demasiadamente óbvio, sem qualquer sal ou inovação para lá da mudança de monstro ameaçador da Humanidade - ora um dinossauro pré-histórico, ora um tubarão voador... ora uma anaconda anormalmente gigante - mas que estranhamente faz com que nós tenhamos curiosidade em ver... não pela grandiosidade de uma qualquer obra - engane-se quem pense que nisto ou noutro do estilo irá encontrar o próximo candidato aos Óscares - mas porque todos reconhecemos que por vezes é necessário ver algo francamente mau para dar descanso ao cérebro... No fundo, quantos de nós pensam assim "tanto" enquanto estamos a assistir a isto?!
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1 / 10
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DokuFest XIII: os vencedores de 2014

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Best National DOX Award: Heshtje, de Bekim Guri (Kosovo)
Best International Short Film: Subtotal, de Gunhild Enger (Noruega)
Green DOX Award: Metamorphosen, de Sebastian Mez (Alemanha)
Green DOX Award - Menção Especial: My Name is Salt, de Faridah Pacha (Suíça/Índia)
Human Rights DOX Award: Judgment in Hungary, de Eszter Hajdu (Hungria/Alemanha/Portugal)
Human Rights DOX Award - Menção Especial: The Missing Picture, de Rithy Panh (Cambodja/França)
Best Balkan DOX Award: Evaporating Borders, de Iva Radivojevic (Estados Unidos/Chipre)
Best Balkan DOX Award - Menção Especial: 1973, de Stefan Ivancic (Sérvia)
Best Documentary Feature: Domino Effect, de Elwira Niewiera e Piotr Rosolowski (Polónia/Alemanha)
Best Documentary Feature - Menção Especial: Endless Escape, Eternal Return, de Harutyun Khachtryan (Arménia)
Best Short Documentary: Hätäkutsu, de Hannes Vartiainen e Pekka Veikkolainen (Finlândia)
Best Short Documentary - Menção Especial: La Reina, de Manuel Abramovich (Argentina)
Best Balkan Newcomer Award: Waiting for August, de Teodora Ana Mihai (Bélgica)
Prémio do Público: Përqafimi, de Lulzim Guhelli (Kosovo)
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domingo, 24 de agosto de 2014

A Última Famel (2010)

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A Última Famel de Jorge Monte Real é uma longa-metragem portuguesa e a primeira dirigida pela antiga celebridade (?) de reality show que reúne nomes mais ou menos sonantes do mesmo meio.
Tinoco (José Carlos Pereira) descobre num barracão perdido no meio de uma qualquer mata aquele que julga ser o último exemplar de uma Famel XL17 pensando ter o seu golpe de sorte.
A moto, tida como uma relíquia para um extenso conjunto de personagens, é então tida como uma objecto de culto que todos querem ter na sua posse dando origem a um sem número de situações e a uma caça imparável pela mesma.
Jorge Monte Real que além de dirigir este filme escreveu também o seu argumento, entrega ao espectador uma história que no mais simpático momento se pode dizer que mais parece uma feira de bizarrias sendo, muitas das quais, momentos perfeitamente ofensivos não só para os intervenientes como para aqueles que tentam ou pretendem retratar e ainda para o público que se dá ao trabalho de perder pouco mais de uma hora a assistir a isto - e com "isto" quero dizer literalmente que me refiro a algo do mais inqualificável a que assisti nos últimos tempos.
As personagens aqui representadas conseguem ser mais grosseiras do que os piores dias d'Os Malucos do Riso, e enquadrarem-se num conjunto de lugares comuns e estereótipos negativos e depreciativos que levam o espectador a questionar-se sobre o objectivo de retratar cidadãos do norte como sendo - e vou dizê-lo de forma simpática - perfeitos labregos?! Não existe neste filme ninguém que não use e abuse de um sotaque de forma injuriosa e negativa ou que não use a ideia de pessoa do norte como alguém que ainda não sabe utilizar convenientemente uma casa-de-banho. A cidade de Águeda, onde decorreram as filmagens de A Última Famel, parece retirada de um universo paralelo onde apenas com muita sorte se percebe que já sabem utilizar a dita, comer com talheres ou pelo menos tentar não gaseificar qualquer conjunto de palavras proferidas as quais - muito dificilmente - conseguem identificar com pertencendo a uma frase.
Percebo a vontade de fazer uma comédia especialmente nestes tempos tão negros que a nossa sociedade atravessa e com ela tentar provocar alguns momentos mais agradáveis e de boa disposição, mas ultrapassa-me esta incansável necessidade de transformar toda uma população em labregos pouco desenvolvidos para quem uma cerveja é mais perceptível do que uma letra do abecedário, e com isto denegrir violentamente a noção de simplicidade/humildade que pode facilmente caracterizar muitos daqueles que se pretender retratar. Longe da noção de "povo simples" está aquela que o reduz a animais selvagens e sem maneiras que vagueiam perigosamente pelas mesmas ruas que outros... mais "instruídos".
Mais confusão ainda me faz a constante referência a momentos escatológicos e grosseiros para provocar a comédia estando os elementos referidos no anterior parágrafo sempre na dianteira daqueles que os provocam... Quer saia por cima, quer saia por baixo... parece que todo o conjunto de lixo corporal mais ou menos bio-degradável consegue (será?) provocar alguns momentos de boa disposição. Tremo - literalmente - pela sanidade da mente que teve e elaborou estas ideias pois parece-me no mínimo preocupante o ritmo frenético com que as mesmas aqui são "vomitadas".
Mas se tudo isto é mau, patéticos são os segmentos em que após perseguições absurdas pelas estradas do interior norte de Portugal, se entra pela rumo da ode poética em que Homem reencontra Natureza apenas para se reencontrar novamente com o Homem - neste caso Mulher - e com ela viver um lindo e terno romance... até perceber que ela é casada e que o usa como um boneco sexual... Ou até mesmo as luta com espadas - todos nós andamos com uma dentro do bolso - onde depois de utilizada como arma mortal fica espetada no peito e costas da vítima com cada ponta numa direcção distinta como se no momento de ser cravada conseguisse desafiar as leis da gravidade - qual Matrix - e ganhar vida própria.
Esqueçamos por momentos breves a péssima direcção de fotografia ou captação de som. Esqueçamos ainda as trágicas, desesperantes e desesperadas interpretações - Ana Brito e Cunha e José Carlos Pereira o que andam a fazer nisto - de actores e não actores nesta "peça" sem comédia, e concentremo-nos apenas no essencial... Será necessário recorrer ao grotesco, ao visceralmente grotesco acrescento, e ao escatológico para fazer os portugueses rir? Será o povo assim tão básico e mentalmente acéfalo para conseguir encontrar nisto algum tipo de humor?!
No fundo, aquilo que este género de filmes que A Última Famel aqui "tão bem" representam consegue é provocar um sentido medo de visitar o Portugal profundo... que ao que parece está repleto de animais selvagens de duas patas capazes de devorar o mais desprevenido "bom cidadão" e lançá-lo na sua perdição ou, pior ainda, num ritual idêntico de alarvidade humana.
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1 / 10
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Richard Attenborough

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1923 - 2014
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sábado, 23 de agosto de 2014

Nirvana (2014)

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Nirvana de Tiago P. de Carvalho é uma longa-metragem independente de ficção portuguesa que encontrou estreia comercial este ano e que conta com a participação de actores como Ian Velloza, Carlos Areia e Sabri Lucas.
Vega (Velloza) é um gangster expulso do seu próprio bando. Mas Vega tem um plano... quer vingar-se de Barbas (Daniel Martinho), que traiu a sua confiança.
No seio de um grupo de igualmente "perigosos" mafiosos, conseguirá Vega não só obter a sua vingança como escapar à sede de poder de todos os demais gangster que pretendem firmar o seu nome no mundo do crime?
O realizador Tiago P. de Carvalho em colaboração com Ian Velloza - o actor principal - conseguem demonstrar com Nirvana que as intenções narrativas do argumento se encontram presentes. Pela forma como é construída esta história, e principalmente as suas personagens, o espectador consegue perceber que esta foi feita a pensar com um sentido de um puro e simples entretenimento longe de qualquer tipo de pretensões. No entanto, e ainda que o humor parece querer povoar toda a base de construção quer das personagens principais quer das secundárias, não é menos seguro afirmar que estas se atropelam - por serem em demasia - constituindo este aquele que é possivelmente o elemento que não faz vingar o filme no seu todo.
Nirvana dá corpo a um elevado número de personagens e histórias que se interligam a um ritmo quase frenético - os desejos sedentos de vingança povoam o filme - que servem de justificação da ligação entre os diversos segmentos do filme. Ou seja, sempre que uma personagem é apresentada e que se poderia esperar que se justificasse a si própria, eis que aparece mais uma que credibiliza o segmento seguinte onde supostamente ela tem de aparecer. No fundo aquilo que Nirvana nos apresenta é um conjunto de elementos que apenas são interligados entre si através das inúmeras histórias paralelas que cada personagem nova apresenta para o filme não conseguindo assim o essencial, ou seja, que cada uma delas tenha a sua própria personalidade e motivo de existência.
O "Vega" de Ian Velloza, o "Barbas" de Daniel Martinho e o "Pandarilhas" de Carlos Areia - que aproveito desde já por felicitar o realizador por ter trazido este actor ao devido e merecido destaque cinematográfico - seriam suficientes para dar corpo a toda uma trama que se movimentava não só pelo desejo de vingança inerente aos ditos como seriam também os necessários para delinear toda uma história - passado e presente - dos mesmos. Cada um deles tem o seu próprio ritmo e base e a todos lhes está inerente o desejado poder e controlo sobre o mundo do crime, no entanto - e por serem personagens e momentos em demasia que fazem o espectador não lhes conferir a devida atenção - Nirvana perde-se em momentos por vezes pouco esclarecidos onde os detalhes imperam e a coerência está por aparecer.
Os momentos cómicos existem, e o espectador entende que eles têm o seu início mas ao mesmo tempo também fica implícito que os mesmos poderiam ter sido levados - conduzidos - a outra nível se existisse uma maior coerência nas personagens... Desenvolver mesmo aqueles pequenos traços característicos que inicialmente evidenciam como a sede por poder de "Barbas", a chunguisse de "Pandarilha" ou as implícitas incertas sexuais de "Vega" mas, todos estes potencialmente interessantes elementos de cada um deles são esquecidos e ignorados mesmo estando presentes. No fundo tudo isto para dizer que o realizador e argumentista Tiago P. de Carvalho fez de facto um interessante trabalho na criação das diversas personagens mas, ao mesmo tempo, esqueceu-se de lhes conferir reais motivações - ainda que algumas possam ser sórdidas - e, no final, esqueceu-se de lhes atribuir uma alma... Ainda que possam parecer motivações dúbias como o singrar no mundo do crime, não deixam de ser esses objectivos que caracterizam cada um deles na sua essência... e isto falta em Nirvana.
Com uma banda-sonora moderna e arrisco dizer invulgar para um filme português - não, não é um comentário depreciativo, bem pelo contrário - Nirvana assume-se, no entanto, como um filme pensado para entreter - premissa que está presente e perceptível - mas, ao falhar na construção e respectivo desenvolvimento das suas personagens denota um potencial que não (conseguiu?) desenvolver na sua plenitude e afirmar-se como o "tal" filme dito "comercial" que se espera e que poderia ter marcado a sua presença. Afinal, enquanto cinema independente e com poucos ou nenhuns apoios, valor seja dado ao realizador e à equipa - técnica e actores - que conseguiu reunir e construir um filme que apesar das suas imperfeições faz sentir que a motivação existiu e este bem presente.
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3 / 10
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Sarajevo Film Festival 2014: os vencedores

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Prémios Oficiais
Longas-Metragens

Heart of Sarajevo - Filme: Klama Dayika Min, de Erol Mintaş (Turquia)
Prémio Especial do Júri: Patardzlebi, de Tinatin Kajrishvili (Geórgia/França)
Heart of Sarajevo - Actor: Feyyaz Duman, Song of My Mother (Turquia/França/Alemanha)
Heart of Sarajevo - Actriz: Mari Kitia, Patardzlebi (Geórgia/França)
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Curtas-Metragens
Heart of Sarajevo - Filme: Kokoska, de Una Gunjak (Alemanha/Croácia)
Menção Especial do Júri: Zakloni, de Ivan Salatić (Montenegro) e A Kivégzés, de Petra Szőcs (Hungria/Roménia)
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Documentários
Heart of Sarajevo - Filme Documentário: Goli, de Tiha K. Gudac (Croácia)
Menção Especial do Júri: Ljubavna Odiseja, de Tatjana Božić (Holanda/Croácia)
Prémio Especial do Júri: Presuda U Madarskoj, de Eszter Hajdu (Hungria/Alemanha/Portugal)
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Prémio de Direitos Humanos: Presuda U Madarskoj, de Eszter Hajdu (Hungria/Alemanha/Portugal)
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Heart of Sarajevo - Honorário: Agnès B.
Heart of Sarajevo - Honorário:
Gael García Bernal
Heart of Sarajevo - Honorário: Danis Tanović
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Cinelink Awards
Eave Scolarship: 16 Producer, de Ipek Kent
Living Pictures Service Cinelink Award: The Black Pin, de Ivan Marinović
Arte International Relations Cinelink Award: Hilal, Feza and Other Planets, de Kutluğ Ataman e Fabian Gasmia
CNC Cinelink Award: Pari, de Siamak Etemadi e Konstantinos Kontovrakis
Eurimages Coproduction Development Award: My Happy Family, de Nana Ektimishvilli e Simon Gross
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Work in Progress Awards
Postrepublic Award: The Wounded Angel, de Emir Baigazin e Anna Vigelmi
Restart Award: Life, de Ines Tanović e Alem Babić
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20TH SARAJEVO FILM FESTIVAL PARTNERS' AWARDS
ASSOCIATION OF FILMMAKERS IN B&H - “IVICA MATIĆ” AWARD
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Mustafa Mustafić
pela sua contribuíção ao cinema da Bósnia-Herzegovina
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Danis Tanović
pelo seu filme Epizoda u Zivotu Beraca Zeljeza
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CINEUROPA PRIZE: Three Windoes and a Hanging, de Isa Qosja (Kosovo)
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CICAE Award: Macondo, de Sudabeh Mortezai (Áustria)
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EDN Talent Grant: The Forest, de Siniša Dragin (Roménia/Sérvia)
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Sarajevo Short Film - EFA Awards: Emergency Calls, de Hannes Vartiainen e Pekka Veikkolainen (Finlândia)
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BH Film Student Programme Award
Filme: Redemption, de Mirna Dizdarević (SFA)
Prémio Especial do Júri: The Wall, de Zulfikar Filandra (ASU)
Menção Especial do Júri: Some of Us, de Anja Kavić (AUBL)
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DOCU Rough Cut Boutique Project Awards
Work in Progress: The Other Side of Everything, de Mila Turajlić
FIFDH Geneva Award: The Other Side of Everything, de Mila Turajlić
HBO Adria Award: Some Day, de Monica Lazurean Gorgan
IDFA Award: The Other Side of Everything, de Mila Turajlić
Cat&Docs Award: Some Day, de Monica Lazurean Gorgan
HRT Croatian Radio Television: A Two Way Mirror, de Katarina Zrinka Matijević Veličan

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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Bicho (2014)

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Bicho de Carlos Jesus e Miguel Munhá é uma curta-metragem portuguesa de ficção que nos conta a história de Francisco (Hugo Costa Ramos), um jovem actor que depois de uma noite de excessos onde conhece Joana (Júlia Belard) uma interessante mulher, descobre que alguém colocou na sua página pessoal numa rede social a data da sua morte.
A partir deste momento e de uma sucessão de eventos, a sua vida passará a estar estranhamente condicionada levando-o a questionar-se sobre a veracidade daquele estranha mensagem que parece anunciar o seu fim.
O argumento de Bicho, escrito Jesus e Munhá, coloca-nos alguns interessantes aspectos sobre a vida daqueles a quem vulgarmente apelidamos de "famosos". Em primeiro lugar no facto de quão diferentes são realmente as suas vidas das demais pessoas e ao mesmo tempo que factor impele alguns a considerarem que estão de certa forma "imunes" às brutais realidades do dia-a-dia quando estão, na prática, constantemente expostos a toda essa comunidade que observa cada passo seu. Como sua directa consequência Bicho leva então o espectador a questionar-se sobre qual será a real segurança - física e integridade psicológica - daqueles que decidem partilhar muito das suas vidas e dos seus contactos num espaço que está amplamente público, onde tudo e todos podem ser vistos e seguidos estando pouca informação realmente "segura" e finalmente sobre o pouco cuidado dado a comentários que, mesmo que pareçam inofensivos na realidade não o são.
É então que entramos numa espiral durante uma semana onde todos os acontecimentos se sucedem de forma a que encare aquela ameaça como algo real, mas talvez não na direcção que pensa, e com o qual se deve preocupar que "Francisco" se encontra realmente com quem quer fazer justiça... ainda que pelas suas próprias mãos.
Bicho e o seu argumento levantam as questões essenciais para a sociedade do momento... a falta de privacidade, os excessos e o viver rápido sem pensar em consequências que são reflectidos por um conjunto de interpretações que são consistentes com os elementos que exalam. No entanto, permanece para o espectador a ideia de que estas mesmas interpretações, e de certa forma a curta-metragem em si, merecia um prolongamento para melhor serem exploradas. Percebemos o contexto em que estão, especialmente o de "Francisco", mas não deixa de ser verdade que gostaríamos de saber mais sobre o seu passado e a ideia que permanece no ar sobre o viver na fama de um filme que lhe granjeou a tal concepção de fama que detém.
Exploração esta que se sente ser também muito necessário na personagem interpretada por Salvador Nery, o ex-namorado ciumento que surge naquele que é possivelmente o momento mais tenso desta curta-metragem e que acaba por "roubar" momentâneamente o protagonismo de Costa Ramos e que, como tal, merecia o seu próprio caminho pois certamente estaria referenciado como uma das melhores interpretações secundárias do ano.
Finalmente um facto que me deixou curioso nesta história foi a forma como a vida de "Francisco", a personagem principal, é encarada. O espectador é levado a visitar um mundo privado no qual ele revela ser alguém sem uma linha de objectivos a seguir. Sente-se que esta personagem, à qual Hugo Costa Ramos dá vida, é o espelho de alguém que não conseguiu avançar no tempo tendo ficado preso a uma ideia de fama e ilusão que o estancou. Alguém que procura um trabalho que o relance na sua carreira e que por não o conseguir termina a implorar não pela continuidade da sua vida mas sim pela extinção da mesma pois esta, e só esta, lhe poderiam garantir a tranquilidade que parece não possuir em vida.
Bicho que conta ainda com a participação de Welket Bungué como "Mário", o agente de "Francisco" e João Craveiro como "Jorge", o realizador que pretende tê-lo como protagonista do seu próximo filme é assim uma curta-metragem sobre a fama, aqueles que a alcançam e principalmente sobre os outros... os que vivem na sua ilusão sejam eles intervenientes directos ou aqueles que sonham com a sua existência, que se guiam pelos seus caminhos e que se inibem pelas suas ditas condicionantes. Curta-metragem esta que tinha (tem) potencial para ir um pouco mais longe principalmente na exploração de algumas das suas personagens que se torna essencial para o enquadramento das suas histórias individuais e melhor demonstrando as interpretações de alguns dos seus actores.
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7 / 10
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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Shortcutz Xpress Viseu - Sessão #32

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Depois de uma breve pausa que se seguiu à cerimónia de primeiro aniversário, o Shortcutz Xpress Viseu está de volta para a sua Sessão #32 onde na sua habitual secção Curtas em Competição serão exibidas as curtas-metragens Calou-se. Saiu. Saltei., de Bruno Carnide e ainda Bicho, de Carlos Jesus e Miguel Munhá, contando com a presença dos três realizadores para a apresentação dos seus filmes e para uma conversa com o público presente.
Finalmente na secção Shortcutz Around the World será exibida a curta-metragem norte-americana Penny Dreadful, de Shane Atkinson.
Assim, para todos aqueles que pretendem um bom programa cinematográfico têm de se dirigir amanhã pelas 22 horas à Só Sabão, no Largo de São Teotónio, nº 30 por detrás da Sé de Viseu, onde poderão assistir a estes três filmes.
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Sei Lá (2014)

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Sei Lá de Joaquim Leitão é a mais recente longa-metragem do realizador de Adão e Eva, Tentação, Inferno, Até Amanhã, Camaradas, 20,13 e Quarta Divisão, motivo pelo qual qualquer cinéfilo mais interessado em cinema português decida prestar atenção aos seus novos trabalhos. Pessoalmente é o que sinto até perceber que o seu mais recente filme era a adaptação da obra homónima da autoria de Margarida Rebelo Pinto o que me fez adiar o visionamento do mesmo até ser "obrigado" a fazê-lo visto ser este um dos seleccionados para consideração dos membros da Academia de Cinema ao Oscar de Filme Estrangeiro.
Feito o ponto de honra sobre os dois motivos que me levaram ao visionamento de Sei Lá, passo então à minha breve apreciação sobre o mesmo entrando assim nos meandros de uma Lisboa da última década do século passado onde acompanhamos as vidas de quatro amigas; Madalena (Leonor Seixas) vive o amor da sua vida, já ela de si perfeita, com Ricardo (David Mora), um misterioso espanhol que a encanta. Um dia Ricardo desaparece sem dar qualquer sinal de vida, e a dela parece perder todo o sentido que até então fazia.
Apenas as amigas de Madalena parecem alegrar um pouco o seu dia... Catarina (Gabriela Barros) no casamento pouco perfeito com Bernardo (Renato Godinho), Luísa (Ana Rita Clara), aquela que apenas parece viver para o próximo engate onde lhe interessa única e exclusivamente uma satisfação sexual de momento, e finalmente Mariana (Patrícia Bull), a artista e desencantada com a vida.
Quando a vida de Madalena parece não fazer qualquer sentido e o seu coração fechado para o futuro, eis que aparece Francisco (António Pedro Cerdeira), um igualmente misterioso homem que lhe confere algum encanto... até que, do nada, aparece Ricardo.
Ainda que todo este argumento pareça digno de uma daquelas novelas mexicanas de terceira categoria e feito com o único intuito de atrair um mais ou menos vasto público às salas de cinema sem que com isso se entregue uma história consistente e com algum nexo como já havia feito com os filmes anteriormente mencionados, aquilo que me preocupa profundamente é ver o nome de um cineasta como Joaquim Leitão associado a um filme que consegue ter menos qualidade que um qualquer telefilme que passa num daqueles canais manhosos da Europa de Leste à uma sexta-feira às quatro da manhã.
Esqueçamos por momentos que "Madalena", a personagem principal interpretada por Leonor Seixas, vive uma aparente depressão fruto de um desgosto de amor, e que por si só é um "pastel" suficiente de digerir pois parece que se inicialmente vemos algo perfeito demais para ser verdade, em breves momentos parece que descemos a um inferno de onde parece não existir fuga possível de tão penoso que começa a ser, e concentremo-nos sim no retrato de um Portugal, e mais concretamente de uma Lisboa, da era Expo 98 onde, tal como é referido, "se olhava para a Europa de igual para igual". Aqui sim começam os meus reais problemas com este filme e ideia que se pretende transmitir através de uma obra literária com uma mensagem muito "própria". Esqueçamos por momentos o facto redutor que esta mensagem pode trazer e uma ideia que parece querer ser instalada na mente de cada português de que somos pequenos, muito pequenos, e mais pequenos que os demais Europeus (que também somos), e concentremo-nos na imagem polida de uma Lisboa que parece feita apenas para alguns: restaurantes áureos, festas fúteis de pessoas insípidas e sem cor que se julgam um pouco mais do que os demais e as compras em lojas excessivamente caras para um país que nem na altura tinha dinheiro para tal (e esqueçamos o facto da Gucci nem existir no sítio em que é filmado), e tudo isto se já na época pouco reflectia do país e do seu povo hoje então parece um sonho de alguém que consome algum tipo de alucinogeneos que o fez "flipar" por alguns instantes. Se a isto juntarmos um conjunto de pessoas que se tratam constantemente por "você" como se isso lhes conferisse algum grau de uma superioridade inexistente, então por momentos pensamos que sim... estamos realmente perante algo que de transcendente pouco tem e que mais não é do que uma pobreza mais ou menos bem vestida dando lúcidos contornos à expressão popular "por cima folhos e rendas... por baixo..." (sabem ao que me refiro...).
O glamour (inexistente) e a sobriedade, apenas desejada e nunca concretizada, de Sei Lá morrem quase à nascença mostrando então que mais não temos do que alguém que sim, até pode ter uma vidinha mais desafogada mas que na prática não o aplicou de uma forma pensada mas sim numa total aparência para agradar não a si mas aos outros que pretende "caçar" para o seu meio. Já dizia o meu avô... a pobreza social no seu estado puro... é este sim o retrato de um Portugal que Sei Lá pretende captar.
Nada contra o cinema dito "comercial" para atrair massas e conseguir alguns "cobres" pois afinal todos nós temos de (sobre)viver neste Portugal sem brilho para além do natural, mas a imagem de um país que não existe (nunca existiu) de festas ofuscantes como se fosse o prato de cada dia é assumidamente absurdo. Isto não quer dizer que o país seja pobrezinho ou desgraçadinho, que os homens não se lavem nem que as mulheres tenham bigode ou andem na rua de lenço na cabeça (já nem as minhas avós andavam), mas querer criar à força uma imagem de uma modernidade alternativa (muito alternativa), só existe de facto nas ditas festas da "socialite" que convenhamos... é metida a um canto por qualquer outra dessa Europa para a qual se diz olhamos de igual para igual (nunca a olhei de outra forma), caindo assim num espaço ridículo onde se pensa que queremos deixar de ser como somos e ser algo diferente que não só não se percebe o que é como por tentar sê-lo... se auto-ridiculariza.
Para além de ser uma cópia barata de Sex and the City - sim barata pois nem se pretendeu ser um pouco original... afinal a protagonista até é escritora e as suas amigas mais não são do que réplicas das demais actrizes da referida série; a matadora sexual, a casamenteira desiludida e a infértil de amor - Sei Lá é ainda um chorrilho de momentos que assustam qualquer pessoa mais atenta. Desde as suas personagens desgraçadamente ocas que funcionam como robots de terceira categoria sem qualquer vida ou massa cinzenta... O "Gonçalo" de Pedro Granger e a "Luísa" de Ana Rita Clara mais não são do que dois animais com o cio desprovidos de qualquer outro conteúdo. Estão lá porque sim... afinal este filme precisava (?) de um momento sexual... e se pouco o há de facto temos de vê-lo pelas "línguas podres" que são conferidas às respectivas personagens. Ficamos também a saber pelos comentários dos mesmos que existem nomes "possidónios" tipo Vanda... afinal, num Portugal "limpo" existem nomes "decentes" do estilo Madalena... Mariana... e talvez Beatriz (falhou esta...).
Personagens bizarras que não ficam por aqui... afinal, elas são tantas... bizarras ao ponto de uma "Odete" (nome de pobre) interpretada por Rita Pereira que dá corpo à alpinista social disposta a tudo para ter um pouco do tal brilho ilusório mas que muito prontamente é remetida para um qualquer bairro do Barreiro (deduzo que isto signifique que por lá são todos "coitadinhos" também), ou o "Paulo" de Rui Unas como o, digamos, seboso chefe de redacção que todas quer comer mas que na prática...
Por aqui ninguém se safa nem mesmo com uma lobotomia...  ficamos a saber que fins-de-semana prolongados mais não são do que "mini semanas da depressão" - no "meu tempo" eram uma festa por ser menos um dia de preocupações - ou que os casamentos devem ser "aguentados" em nome dos filhos... mesmo que para isso se viva uma vida de auto-anulação, de sacrifício e de traições que se observam num quase silêncio de morte e de auto-flagelação (deve ser assim que as pessoas dessa tal classe alta vivem). Dos homens pouco abonatório existe... afinal como se diz "são todos uns cabrões", mas os comportamentos aqui retratados de algumas mulhers fazem delas umas... (não, não vou dizer... afinal a generalização é perigosa e há de tudo na prática). De tudo, até mesmo a tal "cabra" com sentimentos que vai encontrar o princípe encantado da sua amiga desencantada... afinal, até as cabras têm coração... quase poético... quase...
Finalmente, não poderia deixar de referir que Sei Lá é a nova bíblia das frases cinéfilas... aquelas que ficam para a eternidade... que criam História... que se tornam referências... temos aqui pelo menos duas que são exemplos daquilo que teremos para o futuro... maiores ainda do que o mítico "Vai à merda... Vai tu", também ela de uma obra de Joaquim Leitão, mais concretamente Adão e Eva. Sem grandes explicações para além das conclusões de porno-elegância que as mesmas conferem " (...) entra palhaço, sai palhaço" e "não mordes mas engoles"... Sá Leão volta... estás perdoado... porque isto ultrapassa os limites daquilo que é rasca.
Poderia arriscar dizer que Sei Lá é um filme para um conjunto de quarentonas que ficaram presas à sua pós-adolescência e que pelos vistos ainda por lá vivem, mas isso tornar-me-ia tão redutor quanto a obra em si. Como tal vou criar aqui uma comparação imediata com outro comentário que fiz recentemente: Sei Lá funciona na exacta medida contrária a 7 Pecados Rurais... se este último foi um circo dos horrores rurais... o primeiro é um circo de horrores urbanos... um pequeno nicho de alarvidades de um meio pequeno, felizmente muito pequeno, que tenta impôr um certo estilo e padrão de vida que desprovido de reais assuntos e metas se prolonga numa existência vã, fútil e desinteressante que a poucos interessa. Na prática é tipo um Jardim Zoológico... todos nós queremos ver o que por lá se passa mas nenhum quer viver dentro daquelas jaulas.
Decididamente a pior obra alguma vez apresentada por Joaquim Leitão que, embora competente na sua execução é, na prática, uma nódoa no seu curriculum e o mesmo serve para qualquer um dos seus actores, alguns dos quais que cresceram ao mesmo tempo que muitos de nós e que não precisavam disto nos seus percursos profissionais.
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"Francisco: Eu não mordo... engulo."
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Curt'Arruda 2014: os vencedores

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Decorreu nos passados dia 8 e 9 de Agosto a primeira edição do Curt'Arruda - Festival de Cinema de Arruda dos Vinhos tendo saído vencedores do mesmo os seguintes filmes:
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Melhor Curta-Metragem Rural: Mupepy Munatim, de Pedro Peralta
Menção Honrosa: Alda, de Ana Cardoso, Filipe Fonseca, Liliana Sobreiro e Luís Catalo
Melhor Curta-Metragem Arrudense: Machinergy Rhythm Between Sounds, de Hélder Rodrigues e Rui Vieira
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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O Fantasma (2000)

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O Fantasma de João Pedro Rodrigues é uma longa-metragem portuguesa de ficção e sem margem para dúvida a mais emblemática do realizador de Odete (2005), Morrer como um Homem (2009) e A Última Vez que Vi Macau (2012) e que fora seleccionada para o Leão de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Veneza.
Sérgio (Ricardo Meneses) trabalha na recolha de lixo. Distante e sem qualquer tipo de amizade ou relação, resiste a Fátima (Beatriz Torcato) que parece nutrir por ele uma atracção. O seu único vício são os ocasionais encontros sexuais com outros homens em locais públicos e o voyeurismo inerente a qualquer relação tida como proibida.
É apenas quando conhece João (André Barbosa), um nadador que olha para ele de forma indiferente, que Sérgio desenvolve uma estranha obsessão em vê-lo, estar perto dele e de alguma forma dominá-lo tornando-se assim no seu objecto de desejo.
João Pedro Rodrigues em colaboração com José Neves, Paulo Rebelo e Alexandre Melo escrevem este argumento que nos transporta para o lado "oculto" de uma cidade que dorme enquanto para alguns toda a acção se desenrola. Longe de imagens bonitas e iluminadas de uma Lisboa viva, O Fantasma leva-nos antes para aqueles locais que ninguém frequenta e para os espaços que ninguém vê, remetendo assim o protagonista para uma existência oculta onde ele de forma anónima ganha uma vida e uma consequente transformação que possam saciar os seus desejos carnais e assumidamente animalescos.
A solidão - auto-imposta- de "Sérgio" funciona não como o retrato de um jovem inadaptado num mundo que lhe é estranho mas sim como a forma pela qual opta para pôr em prática os seus desejos e ímpetos sexuais. Em nenhum momento presenciamos qualquer tipo de afectividade da sua parte para além daquela que tem com "Lorde" - o cão mascote do local de trabalho - e todas as demais interacções que desenvolve com os demais são, sem excepção, complementadas com algum tipo de índole selvagem; desde a pacata "Fátima" que morde para não beijar e principalmente nos encontros sexuais que desenvolve num wc público, com um polícia algemado dentro de um automóvel ou mesmo na sua obsessão com "João". Para ele tudo é animalesco, violento e suficientemente rápido para satisfazer o seu ímpeto sexual de momento. Aliás, é este lado selvagem que vemos ser o mais desenvolvido por "Sérgio" que aos poucos denota não só um comportamento maníaco como inclusive parece transformar-se ele próprio num animal que satisfaz desejos e necessidades básicas como comer ou defecar nos lugares mais impróprios ou até mesmo demarcar o seu território no quarto de "João".
A mesma solidão que transforma "Sérgio" neste aparente animal que se vai mentalmente deteriorando e que lentamente se começa a confundir com as sombras da cidade, fugitivo de qualquer contacto tal como um animal abandonado que apenas se aproxima quando precisa satisfazer uma necessidade - sendo o desejo o único motivo pelo qual interage com outro ser humano - e que de tudo o demais se afasta com desconfiança desprovendo-se de identidade, de nome e até do dom da palavra num processo anti-evolutivo notório, encarnado a sua nova pele através de um fato de látex preto que veste e que o descaracteriza.
Desta forma aquilo que predomina em O Fantasma é todo um imaginário homo-erótico onde o desejo e alguma violência são impostos a/por "Sérgio" que se relaciona com os demais apenas como objectos para a sua própria satisfação. Não há aqui qualquer tipo de identificação entre as personagens, nem tão pouco alguma vontade para que esta se concretize de alguma forma. Aqui o que existe é a satisfação sexual momentânea - e de alguma forma proibida por não querer ser assumida por ninguém - tida nas sombras de uma cidade que esconde os prazeres fetichistas de dominação e submissão bondage de um grupo de indivíduos mesclando sexo com poder - o seu uso e a sua mais ou menos voluntária abdicação.
Ricardo Meneses na sua única participação cinematográfica até à data e que fora nomeado ao Globo de Ouro SIC/Caras de Melhor Actor do ano, tem uma interpretação que não só é explícita na personificação do seu desejo como é enigmática ao reflectir um pouco daquilo que seriam as seguintes personagens das obras de Rodrigues. Personagens essas que assumem dois importantes aspectos sendo o primeiro deles uma evidente repulsa pelo corpo que têm desejando num crescendo algo que vêem e cobiçam como, em segundo lugar, denotam também uma clara transformação de personalidade como podemos verificar com a "Odete" de Ana Cristina Oliveira no já referido Odete (2005) ou até mesmo com a "Tonia" de Fernando Santos em Morrer como um Homem (2009) como consequência da não identificação e relação entre corpo e mente, assumindo lentamente a sua verdadeira personalidade em processos mais ou menos sofridos e igualmente solitários.
E ainda que as obras de João Pedro Rodrigues possam ser voyeuristas ou explícitas quanto baste atraindo assim um conjunto de curiosos, não é menos verdade que a verdadeira mensagem das suas obras se centra neste exacto aspecto, ou seja, como viver num mundo que já tem papéis e "espaços" definidos prontos a ser desempenhados por cada um de nós e que é por vezes desafiado por aqueles que sentem não se inserir nos mesmos entrando assim num processo de repulsa e auto-degradação que apenas poderá culminar com a insatisfação e consequente loucura dos não conformados.
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