domingo, 31 de maio de 2020
Prémios Fantastic 2020: os nomeados
Melhor Filme Nacional
Gabriel, de Nuno Bernardo
A Herdade, de Tiago Guedes
Hotel Império, de Ivo M. Ferreira
Snu, de Patrícia Sequeira
Terra Franca, de Leonor Teles
Variações, de João Maia
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Melhor Filme Internacional
Avengers: Endgame, de Anthony Russo e Joe Russo
Gisaengchung, de Bong Joon Ho
Jojo Rabbit, de Taika Waititi
Joker, de Todd Phillips
Klaus, de Sergio Pablos
Marriage Story, de Noah Baumbach
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Melhor Realização
Tiago Guedes, A Herdade
Ivo M. Ferreira, Hotel Império
Patrícia Sequeira, Snu
Leonor Teles, Terra Franca
João Maia, Variações
Pedro Costa, Vitalina Varela
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Melhor Actor Principal
Pedro Almendra, Snu
Carloto Cotta, Diamantino
Albano Jerónimo, A Herdade
Sérgio Praia, Variações
Igor Regalla, Gabriel
Pedro Teixeira, Quero-te Tanto!
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Melhor Actriz Principal
Inês Castel-Branco, Snu
Sandra Faleiro, A Herdade
Benedita Pereira, Quero-te Tanto!
Joana Ribeiro, Linhas Tortas
Leonor Seixas, Ladrões de Tuta e Meia
Margarida Vila-Nova, Hotel Império
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Melhor Actor Secundário
Miguel Borges, A Herdade
Carlos Carvalho, Solum
José Condessa, Gabriel
Filipe Duarte, Variações
Fernando Pires, Variações
Rodrigo Tomás, A Herdade
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Melhor Actriz Secundária
Ana Marta Ferreira, Gabriel
Victória Guerra, Variações
Teresa Madruga, Variações
Anabela Moreira e Margarida Moreira, Diamantino
Ana Nave, Snu
Ana Vilela da Costa, A Herdade
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Melhor Argumento
A Herdade, Tiago Guedes
Hotel Império, Edgar Medina e Ivo M. Ferreira
Linhas Tortas, Carmo Afonso e Rita Nunes
Solum, Diogo Morgado e Pedro Morgado
Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, Tiago Guedes e Tiago G. Rodrigues
Variações, João Maia
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Prémio Revelação
Carolina Carvalho (actriz)
Marco Leão e André Santos (realizadores)
João Pedro Mamede (actor)
Guilherme Moura (actor)
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sábado, 30 de maio de 2020
sexta-feira, 29 de maio de 2020
The Light Side (2020)
Ryan Ebner apresenta uma história cativante que se revela aos poucos. Aqui, desde o começo, deixamo-nos levar por um conto sobre a vida de um homem que, como tantos outros, se encontra num impasse sobre aquilo que teve e foi em comparação ao que tem ou poderá vir a ser. Uma história sobre redenção com um passado ou até, melhor dito, um relato sobre o que se deixou ou perdeu e a forma como esse legado nos atormenta num chamado presente que em tudo se alterou. Vários são os momentos em que acompanhamos "Sith" e compreendemos que existe uma certa amargura para esse passado vivido ao ponto do mesmo sentir saudades do que teve.
Toda a vida deste homem aparente ser um reflexo da marginalidade e da inadaptação a uma vida diferente. Não necessariamente melhor do que havia tido, pelo menos nenhum dos seus comportamentos o revela (antes pelo contrário), mas aqui observamos a sua vida como sendo um regresso a uma "normalidade" à qual se custa adaptar. Lentamente compreendemos que esse passado foi ilustre (dentro da sua área) e, aos poucos, o espectador começa a ter breves indícios - talvez só compreendidos no final desta curta-metragem - que nos indicam sobre aquilo que foi a sua vida passada. Encontra um trabalho e, no geral, a sua vida não difere muito daquilo que um homem da sua idade pode(rá) fazer até entendermos qual a sua verdadeira idade. Ele não é um homem qualquer. Nem tão pouco a sua vida o foi. Mas compreendemos que reconhece que o seu passado está repleto de actos maldosos que prejudicaram não só os que o rodeavam como sobretudo a sua capacidade (no hoje) de ser um homem dito "normal".
A inteligência desta curta-metragem e da abordagem que é dada à personagem interpretada por Joseph Ragno é apenas interrompida pela breve duração de um filme que poderia ter ido muito mais além entregando - ao espectador e a toda uma rede de fãs -, o conhecimento da vida do mesmo e a equação do "e o que seria se?..." aqui possível. Quão possível seria a alguém com um passado onde tudo foi feito e visto, adaptar-se a uma vida dita normal, com um trabalho mais ou menos comum e uma vida onde todas as suas experiências são idênticas às de outros homens que, como ele, agora cruzam as ruas de uma qualquer cidade perdida no planeta? O que o distingue de todos os outros? O que o faz diferente e especial numa sociedade onde todos se normalizam? Irá ele alguma vez adaptar-se a esta sua nova realidade? Talvez não. O passado e aquilo que fez, viu e experimentou são impactantes demais para se limitar (agora) ao banal. É quando o espectador realmente compreende quem é aquele homem misterioso que se abrem todas as possibilidades que a imaginação permite e que o mesmo deseja que tivessem dado origem a um filme bem mais extenso para compreender o outro lado da realidade desta história imaginada. E aqui... só os verdadeiros fãs irão compreender.
Motorcycle Drive By (2020)
Stephan Jenkins, vocalista da banda norte-americana Third Blind Eye, fala sobre o percurso da mesma e a dificuldade em terminar um novo álbum num momento em que se preparam para uma digressão e tentam não desiludir os fás que esperam pelo seu novo trabalho.
Numa reflexão que tem como ponto central a letra da canção que dá título a esta curta-metragem documental, a mesma explora o peso e a importância de memórias de tragédias passadas que influenciam não só o seu trabalho enquanto vocalista e autor da banda mas sobretudo o seu percurso e evolução pessoal ao longo dos tempos. Sempre com um pendor nostálgico e melancólico onde as memórias, os espaços e as pessoas ganham importância primordial em tudo o que se faz principalmente àquelas que o vocalista associa directamente ao pai e à mãe este tema (de 1997) tem uma dimensão intemporal na medida em que pode ser escutada anos depois sem que a sua mensagem se perca no tempo ou fique condicionada a uma época específica.
Ainda que um documentário mais próximo ou de relevância, também ela sentimental, para os fãs dos Third Blind Eye, Motorcycle Drive By consegue revelar uma dimensão transversal a todos os espectadores que se proponham ao visionamento da mesma na medida em que se foca não tanto nas vivências da banda enquanto tal - concertos, viagens e fãs -, mas sim no processo criativo de um tema que para lá de pessoal (principalmente para o vocalista que é, inclusive, levado ao local onde compôs o tema) pode revelar características afectivas e sentimentais presentes em qualquer um de nós pela identificação com a sua mensagem de memória familiar.
Breve, concisa e envolvente na dinâmica da memória (pessoal e afectiva), esta curta-metragem prende o espectador pela sua componente de relacionamento entre ambos - filme e espectador - mas, ainda assim e talvez pela sua brevidade, não o reter totalmente na medida em que se esperava (eu esperava) que fosse mais longe a exploração da interferência do "eu" no processo criativo e na influência da memória no mesmo.
Marooned (2019)
Marooned de Andrew Erekson (EUA) é uma das curtas-metragens de animação que compõem a programação oficial desta primeira (e online) edição do We Are One - A Global Film Festival que reúne algumas das obras mais emblemáticas dos mais diversos festivais de cinema que, este ano, encontram uma inesperada estagnação graças à situação de emergência sanitária provocada pelo COVID-19.
Esquecido numa base lunar, o pequeno C-0R13 tem como única missão poder construir uma nave que o leve de volta à Terra. Mas, é quando conhece A-L1C1A que a sua personalidade e verdadeira essência são testadas ao limite.
Há um sentimento de imediata saudade que brota no espectador nos primeiros instantes de Marooned quando observa, pelos olhos do pequeno robot "C-0R13", a Terra lá distante. Perdido, esquecido e abandonado num espaço que não é o seu mas no qual encontra um inesperado e pouco desejado lar, o pequeno robot tenta, com os detritos deixados pelos humanos que também se esqueceram dele, construir um qualquer veículo que o possa transportar de volta a casa e àquilo que sempre conheceu. A saudade estampada no seu "rosto" - interessante definição esta uma vez que o próprio não o tem mas são os pequenos movimentos animados que lhe são conferidos que transportam todas as expressões faciais possíveis - é fruto desse tal isolamento (e distanciamento social que agora tão familiar nos é) que caracterizam a mais básica da sensações do Homem... a solidão. É por esta, e como forma de a transformar e perder, que qualquer um deseja o contacto e interacção física que acabam por ser características do Homem aqui retratadas nos actos, e no desejo, desta "máquina" que consegue ser tão humana (talvez mais) do que o próprio criador. Aliás, é fácil durante mas especialmente depois de observarmos esta obra, identificar tantas expressões e comportamentos humanos através primeiro desse isolamento, depois da constante necessidade de atingir um objectivo, também revelar a extrema capacidade de pensar no "eu" como forma de chegar ao outro lado e, finalmente, expôr perante esse referido "eu" que existe um bem maior pelo qual lutar e pelo qual abdicar de todo um trabalho porque existe "alguém" que precisa de "lá" chegar primeiro do que o próprio. O Homem, tão distante que se quer manter da máquina, depositou nela uma qualquer consciência que o humaniza para lá do esperado... para lá da própria Humanidade que por vezes tão pouca revela.
A saudade e a emergência de estar no Planeta Azul estão de tal forma presentes que o pequeno "C-0R13" guarda consigo pequenos pertences dessa terra idolatrada como uma divindade... da foto da Torre Eiffel à vontade de, à distância, conseguir ter por entre os seus dedos o planeta revela para um espectador mais atento, um desejo extremo que parece estar apenas à distância de um pequeno toque. No entanto, é no contacto com a sua nova parceira, também ela mecanizada, que despoleta a existência de um novo e desconhecido sentimento... Poderemos teorizar sobre amizade ou amor ou sobre como ambos são os braços de um único sentimento, mas é na abnegação para com o "outro" tido por "C-0R13" que descobrimos e conhecemos a sua verdadeira dimensão afectiva e sentimental. A abnegação para com esse "outro", ainda relativamente desconhecido, mas que é a personificação - palavra bem escolhida quando encontramos a manifestação de um sentimento tão humano - da vontade de estar perto... de sentir... transforma este pequeno robot esquecido num destino distante naquilo que, talvez, qualquer um de nós gostaria de ser ou sentir para com outro num universo que nos aproxima... mas principalmente distancia pela incapacidade de expressar pelo "outro" o mais nobre dos sentimentos. Sacrificando a sua existência... que sobrará dele para um mundo que... não conhece?!
Num olhar romântico sobre o amor e a sobrevivência do "eu" num mundo onde a individualidade e a solidão ganham contornos tristemente presentes e reais face às adversidades do momento - ainda que esta curta-metragem já esteja datada de há um ano -, este Marooned cativa pela sua inocência, por uma mensagem de esperança trazida pela abnegação derivada de um inesperado amor mas sobretudo pela simplicidade emocionante com que primeiro se vive o sonho e depois dele se abdica pelo bem maior do "outro" tantas vezes difícil de encontrar no cinema... quanto mais na dita "vida real".
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8 / 10
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.Egg (2020)
A curta-metragem de Michael J. Goldberg - também argumentista - recupera um género de comédia/paródia de situação que aqui se subdivide em dois momentos específicos. O primeiro quando o espectador assiste a um encontro que não está a correr bem e, o segundo, quando um dos seus intervenientes se deixa levar pela imaginação equacionando toda a viagem de um ovo desde o seu primeiro momento de existência até àquele último instante antes de ser digerido. O porquê de um ovo? Tão simples quanto a este estar presente na refeição que ambos tomam naquele restaurante... poderia ter sido qualquer outra coisa e, como tal, porque não um ovo?!
Para lá da odisseia que nos é apresentada sobre as (des)venturas de um ovo perdido no meio de uma qualquer estrada deserta - muito ao estilo farwest -, onde tudo toma contornos de um filme de acção sem um desfecho à vista, Egg surge de um efeito surpresa sobre aquilo que observamos num misto de incredulidade e espanto. Como é que passamos de um "diner" à beira de uma estrada deserta para a aventura de sobrevivência de um ovo que tenta tudo por tudo para resistir às agruras de uma vida que nunca conhecera?! Com uma utilização pensada e cheia de recursos do absurdo e do sobrenatural - na medida em que nada disto poderia acontecer num filme que se quisesse levar a sério -, a realidade é que esta história transforma o seu protagonista num novo aventureiro que poderá facilmente voltar a ser visto caso nele alguém queira investir... afinal, até a própria história termina com a potencialidade do seu próprio regresso!
Cómico? Sim. Uma novidade ligeira? Sim. Não se leva muito a sério? Sem dúvida que sim! Temos um conto de comédia. Uma história que se deixa levar pelo simples recurso à imaginação de uma mente que parece jovem e cheia de rumos por percorrer e que funciona na exacta medida daquilo que desta curta-metragem esperamos... uma história simples, divertida e ligeira que nos leva numa aventura de pouco mais de dez minutos e que distrai o espectador pelo seu próprio propósito sem grandes fins ou objectivos. Memorável ou inovadora não será mas cumpre o que promete no campo do comédia de aventura ou de situação.
L'Heure de l'Ours (2019)
A união entre mãe e filho fica em risco quando numa noite um estranho surge nas suas vidas levando a ser questionados os laços de afectividade que os unem.
Esta curta-metragem leva o espectador para um cenário que se sente de reclusão. As personagens encontram-se, perdidas ou não, no interior de uma casa esquecida no meio do campo que tem apenas um único caminho de chegada ou partida. É aqui que analisamos a relação de dependência deste filho para com a mãe que, por motivos que nos são alheios, faz do cuidado para com ele toda a sua existência. No entanto, existe desde logo a impressão por parte do espectador que a realidade e a dinâmica entre estas duas personagens está prestes a ser alterada quando um misterioso carro chega e dele sai um homem que parece vir interferir na dinâmica entre mãe e filho.
Nada é revelado com clareza e a ausência de diálogos que indiquem o espectador para uma qualquer realidade permite, desde logo, a que cada um de nós interprete aquilo que observa revelando as imagens e a sua mística conforme toda a acção decorre. É a chegada desde homem que tudo altera. Pensamos, com naturalidade, que este homem é alguém que se adivinha como um novo relacionamento da mãe. Uma mulher solitária com um filho em constante transformação e que encontra e decide que este homem exerça uma função paternal para o seu filho como também - e talvez preferencialmente - a companhia sentimental, física e sexual que espera para a sua vida. No entanto, a dinâmica entre as duas figuras masculinas ganha contornos inesperados quando a presença de um se assume de posse para a mulher que, neste caso em concreto, é de um filho sobre a mãe ao considerar a presença de outro homem como uma ameaça à relação tida até então.
A transformação da relação de dois, até então perfeita e harmoniosa, é então ameaçada. Entra um desconhecido cujos propósitos são - para o jovem - um equilibrio de poderes onde a dominância e a posse oscilam e nas quais todos têm forçosamente de redefinir papéis sociais e onde as cedências e compromissos tardaram mas têm de se fazer notar. O jovem - rapidamente representado como um urso selvagem que pretende redefinir o seu espaço sócio-geográfico - ameaçado no seu poder e no foco de atenção para uma mulher e mãe que até então conhecera, manifesta-se lutando pelo exercício do seu domínio e tentando afastar a presença de um invasor que não está ainda assumido como uma presença e que, dessa forma, poderá ser totalmente afastado do território que até então a criança/urso havia dominado sem opositores.
Com uma imagem completamente simbólica e uma linguagem animada e composição musical que combinam um conjunto de estados de emoção e sentimentos, L'Heure de l'Ours é uma curta-metragem sobre a união entre uma mãe e o seu filho... da primeira e a sua tentativa de restabelecer uma vida afectiva, sentimental e sexual com um novo parceiro - o segmento da cópula entre gafanhotos que depois se transformam em corpos humanos isso denota - e finalmente sobre o relativismo que esta nova figura masculina pode exercer na relação familiar entre os dois primeiros onde o filho claramente vence pela sua dominância sobre os sentimentos de uma mulher que se assume primeiro como mãe.
Estética e visualmente apelativa, dotada de uma linguagem animada que nos aproxima da representação de um quadro em movimento, L'Heure de l'Ours é uma arrojada aposta na animação que este festival nos apresenta e que cativa pelo esperado inesperado que nos é apresentado na narrativa e na própria animação que funciona por si só como um dos seus mais intensos elementos.
Bilby (2018)
Bilby de Pierre Perifel, JP Sans e Liron Topaz (EUA) é mais uma das curtas-metragens de animação que são exibidas no decorrer desta primeira edição (online) do We Are One - A Global Film Festival que, centrada no grande deserto Australiano onde Perry, um tímido marsupial, se transforma no inesperado "pai" de uma indefesa jovem e não identificada ave salvando-o assim dos predadores que espreitam a todas as "esquinas".
Os perigos, ou imprevistos, de um espaço natural repleto não só de predadores como também de pequenos grandes desafios naturais, são inúmeros. Mas, como em todas as histórias de animação, existe uma pequena luz de esperança de que, afinal, o perigo não seja tão presente como aparenta. "Perry", o herói de serviço desta história, surge não só com uma ingenuidade típica dos protagonistas destas histórias como sobretudo com um coração frágil demais para enfrentar os desafios e provações que o esperam.
Sempre a fugir de tudo o que aparenta ser "diferente" do seu imaginário de segurança, "Perry" vive uma aparente vida alegre e despreocupada (na sua existência) limitando-se à sua sobrevivência e a passar ao lado dos predadores que poderá não conseguir enfrentar. Mas, é quando surge a pequena cria de ave (desconhecida) que tudo parece ganhar um novo contorno. Se até aqui o nosso protagonista é um cómico em formação, com esta nova vida a seu cargo (que passa a estar por nele ver um progenitor) transforma-se num inesperado herói ao protegê-lo de todos os desafios e provações que se colocam no seu caminho e que são, como seria de esperar, "habituais" desta vida no deserto... de escorpiões a tarântulas, de aves de rapina aos próprios desfiladeiros que surgem para lhe revelar que o perigo é real, todos os momentos são preciosos para proteger aquela vida que, agora, também lhe pertence de alguma forma.
É então compreendido pelo espectador, pela sua vertente divertida mas também humana destas duas criaturas ditas "irracionais" que o amor pode surgir a qualquer momento e das mais diversas formas. Independentemente das espécies em que cada um se insere pela chamada "lei da Natureza", o amor (a amizade) surge pela compreensão de que a vida não poderá ser vivida solitariamente ou distante dos demais dos quais, de certa forma, dependemos mesmo que inconscientemente. A sobrevivência, física e em alguns momentos até mesmo psicológica (não se pode esquecer o espectador que estas personagens são humanizadas para a construção de uma história com uma moral a transmitir), depende da união de esforços que inicialmente podem ser de mera resistência perante as adversidades mas que facilmente se constroem e transformam numa dependência emocional e sentimental que cria e estabelece laços que vão para lá de qualquer pré-requisito estabelecido.
O final que surge após toda uma intensa odisseia, e que confirma e revela o poder infindável da verdadeira amizade e da cumplicidade que lhe está inerente, revela igualmente a verdadeira identidade desta (anteriormente) pequena ave que agora se assume em todo o seu esplendor perante um pôr-do-sol que testemunha o tempo passado em comum e a relação paterna que entre eles se desenvolveu.
Sensivelmente transmitida e emocionalmente franca, esta curta-metragem surge como um verdadeiro e sentido filme curto que transmite, pelo poder das imagens animadas, a força de um sentimento tão poderoso como é a amizade capaz de chegar a todo um público que, independentemente da sua idade, se deixará cativar pela emoção de uma história que é contada com o coração.
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9 / 10
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.Toto (2020)
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Toto de Marco Baldonado (Canadá) é uma das curtas-metragens que passa neste primeiro dia do We Are One - A Global Film Festival que decorre na plataforma online do mesmo decorrente da actual situação de emergência sanitária provocada pela pandemia do COVID-19.
Uma avó solitária (Rosa Forlano) com noventa anos de idade encomenda um robot. No processo de o transformar como o seu novo, e talvez único, amigo, desenvolve-se uma relação que se aproxima da paixão. Mas tudo tem um fim... que se aproxima rapidamente.
Num mundo em constante transformação, Toto vem relembrar o espectador de que as realidades individuais de cada um de nós são variadas tendo, no entanto, um aspecto que parece cruzar todos numa determinada altura da vida... a solidão. Com uma verdadeira "nonna" italiana, a actriz Rosa Forlano - a própria avó do realizador Marco Baldonado -, interpreta uma mulher que o espectador imediatamente compreende como alguém que vive uma vida solitária e isolada... Isolada mesmo neste mundo em constante transformação onde as redes sociais e as tecnologias parecem invadir as nossas vidas a cada dia que passa aproximando-nos geograficamente mas distanciando-nos fisicamente. Num simpático e por vezes divertido registo, Forlano entrega-nos, e faz-nos por momentos esquecer, o verdadeiro drama por detrás dos seus comportamentos. Aquilo que aqui observamos é, na realidade, o retrato de tantas pessoas mais idosas que, no silêncio do esquecimento e do afastamento mais ou menos voluntário de uma família com as suas vidas - diferentes da sua pelo distanciamento físico e geracional - por viver, estão solitárias ao ponto de encontrarem na tecnologia, a única forma de se poderem voltar a consolidar e pactuar com um mundo que é para elas, já bem distante e diferente daquele que outrora conheceram. Recorrendo ao mais tradicional da cultura popular mediterrânica, Rosa "la nonna" refugia-se na cozinha e no prazer de comer, a forma de se reconciliar e ligar a e com esse mundo "lá fora" encontrando, portanto, o veículo para compreender que a vida vida tem, uma vez mais, o sentido que havia perdido há anos.
Inteligentemente construída para primeiro conferir-lhe um ritmo inovador que nos coloca num tempo incerto no futuro mas que, depois, nos faz compreender que as realidades que ali se fazem sentir - afastamento da família, isolamento social das populações mais idosas, avanço tecnológico e choque geracional entre outras - são tão próximas que muitas são infelizes realidades que já hoje qualquer um de nós vive, conhece ou reconhece. Com um desempenho cómico, dramático, emotivo e onde consegue dar corpo a uma profunda tristeza e compreensão de que o mundo parece já não ser o "seu", Rosa Forlano é brilhante nos seus pequenos passos, na sua concepção da realidade (interior e exterior) e principalmente na "forma" que dá a uma solidão que não será só sua mas de todos os que não conseguem acompanhar este novo mundo (mais ainda será no futuro que aqui se pretende retratar) sem que, no entanto, alguma vez perca a sua humanidade e humanismo encontrando até... a Humanidade numa tecnologia ultra-avançada. Forlano conquista-nos por essa humana simplicidade que por vezes dificilmente se reconhece mas que está "lá"... no coração daqueles que ainda anseiam viver. Numa única palavra, Rosa Forlano é simplesmente... magnífica.
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8 / 10
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.When I Write It (2020)
When I Write It de Nico Opper e Shannon St. Aubin (EUA) é um documentário em formato de curta-metragem presente nesta primeira edição do We Are One - A Global Film Festival que decorre na plataforma online do mesmo e que apresenta a história de dois jovens afro-americanos de Oakland - Leila e Ajai - e os seus pensamentos sobre o que é ser jovem na América do presente enquanto tentam, ao mesmo tempo, desenvolver e vincar a sua arte na cidade em constante transformação.
Este documentário breve que mistura as ansiedades de dois jovens americanos com as transformações tidos numa sociedade em constante mutação, revela as expectativas destes dois jovens não só numa fase em que claramente estão numa transição de adolescentes para jovens adultos como também fazem chegar ao espectador as suas opiniões sobre um mundo que aparenta nem sempre estar preparado para novas abordagens ao mesmo ou, por outro lado, as perspectivas do próprio sobre uma sociedade em que comentam "serem escassas as oportunidades".
Num momento em que se preparam para um concerto num dos espaços locais que lhes abre a porta, ambos falam sobre os livros que lêem ou as músicas que escutam e querem criar e as perspectivas que estes lhes conferem destes e de outros tempos levando-os a um pensamento não só pertinente como actual... o que é ser um jovem negro na América de hoje?! Ou, numa perspectiva ainda mais chocante, Ajai deixa-nos o intrigante pensamento sobre que sente não lhe ser permitido ser uma pessoa na América que, agora, conhece. O espectador, mais ou menos conhecedor da realidade norte-americana do momento, questiona-se (também ele) sobre estes anos '20 e nas intensas disparidades sentidas por uma camada etária, étnica e social da população que percepciona não ter o seu lugar não só nesta sociedade como principalmente no mundo enquanto indivíduo que é.
Ainda que pertinente pelas questões aqui levantadas, este When I Write It peca pela escassa duração oferecida a estas temáticas e pela exploração do "eu" - neste caso destes dois adolescentes ou jovens adultos - que poderiam ser não só mais intensas sob a sua potencial disseminação e compreensão como também seria útil compreender, de facto, as realidade e os mundos locais de onde eles provêm conferindo, dessa forma, uma abordagem mais alargada e não apenas a menção de que as dificuldades de ser jovem e negro nos Estados Unidos são imensas... facto que qualquer um de nós facilmente identifica ao escutar um qualquer noticiário. Pertinente ao ponto de compreendermos que está na mão de cada um "escrever" o seu próprio destino mas, ao mesmo tempo, compreender também que por muito que se o queira escrever existem todo um conjunto de "estradas" que estão imediatamente fechadas logo que alguém as tenta atravessar.
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6 / 10
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.Bird Karma (2018)
Bird Karma de William Salazar (EUA) é uma curta-metragem de animação presente nesta edição do We Are One - A Global Film Festival que este ano se inicia na plataforma oficial do mesmo e que apresenta a realidade de uma pequena ave que, no pântano, se deixa deslumbrar pela vida vegetal e animal esquecendo até que, também ele, é alvo de admiração.
A empatia é imediata quando observamos esta animada (literalmente) ave e o seu voar dançante por uma lagoa onde é seduzido pela vegetação envolvente e pela vida marinha que encontra como se fosse esta a primeira vez que "sai" do seu habitat e encontra todo um mundo por explorar. Como bom caçador que se quer afirmar num espaço novo onde os passos ousados determinam, em boa medida, a sua própria sobrevivência, a ousadia pela descoberta da novidade fá-lo saltitar de presa em presa como se tivesse encontrado o novo pote de ouro das redondezas. Aquele lago parece fazer brotar a cada recanto todos os recursos que ele necessita para compreender que ali... é rei. Mas, tal como ele espreita o que surge em seu redor, também ele é observado podendo esconder-se por detrás do invisível o seu próprio predador.
Ao som de uma música totalmente sensorial cujo misticismo invade a própria percepção do espectador que se deixa levar num ritmo dançante onde sobrevivência, vida e morte se cruzam a cada segundo que passa, este Bird Karma lança-se (e a nós) numa viagem que primeiro diverte pelos comportamentos semi-infantis das sua personagem principal para lentamente cativar a atenção pelos pequenos detalhes de riqueza cénica que transformam este filme curto num curioso caso de obra que consegue levar o seu espectador a imaginar todo aquele mundo mais "selvagem" distante da sala de cinema enquanto que, ao mesmo tempo, nos confere a sensação de que tudo está bem quando, na realidade, perigos inesperados podem esconder-se prestes a atacar. Música essa que coloca o espectador num transe que se conjuga harmoniosamente com as cores luxuriantes de um cenário misticamente real que nos faz esquecer que os perigos podem espreitar disfarçados pela opulência que nos distrai do que está para lá do imediatamente visível... Com uma inicialmente compreendida inocência, esta curta-metragem revela que por vezes, o que seduz pode realmente guiar-nos para a anunciada perdição e confirmar a insuspeita auto-destruição.
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8 / 10
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.White Echo (2019)
Carla vive num dilema e conflito para com o seu íntimo e os seu poder. Depois de uma sessão de Ouija com as suas amigas, Carla começa a sentir uma estranha presença que a acompanha e questiona-se se terá despertado algo durante a sessão.
Numa clara alusão ao poder feminino com território ainda por cumprir e um poder sobrenatural que impede a protagonista de assumir o seu verdadeiro lugar no mundo, a realizadora e actriz Chloë Sevigny acaba por criar uma história que falha ao assumir-se uma obra de referência de género - terror ou feminista - misturando duas vertentes e nunca conseguindo dar termo a nenhum dos dois. Se por um lado encontramos uma mulher confusa sobre o seu espaço no mundo e que encontra nesta invulgar reunião uma forma de poder contactar algo "do outro lado" - na prática todas o procuram -, White Echo não consegue afirmar-se como um conto de terror na medida em que todos os parcos elementos que apresenta do mesmo se limitam a momentos já conhecidos e explorados em tantas outras histórias do género... o contacto com o sobrenatural... os aparentes sinais de "algo" porvir... a suspeita de nunca se encontrar solitária e, até mesmo, uma forma que paira e a acompanha de perto preparando-a para uma simbiose mais ou menos desejada. Por outro, se analisarmos esta curta-metragem como uma história pós-feminista também nos deparamos com os lugares comuns já explorados de um grupo de mulheres que reclama "algo" sem que o mesmo se manifesta concretamente para lá da insatisfação deste grupo de mulheres para com uma realidade que vá mais além daquela que, na prática, todos nós sabemos existir.
Por momentos o espectador entusiasma-se quando White Echo parece querer explorar o género terror sobrenatural conferindo à história toda uma dinâmica da simbologia do género levando-o a questionar-se sobre os pequenos sinais que a personagem recebe de "algo" desconhecido para o dito bom senso comum. No entanto, existe toda uma dinâmica que, ao mesmo tempo, transforma esses elementos querendo dar-lhe uma aparente comparação para a dinâmica da mulher no mundo questionando-a (e a nós) sobre as aparentes realidades que nenhum de nós deseja ou pretende ver. Sabemos que existe desigualdade mas... queremos realmente saber dela?!
Assim, a tentativa de transformar esta história num conto dual transforma esta curta-metragem não lhe conferindo credibilidade mas sim uma dispersão narrativa que não a enquadra em nenhum género específico deixando-a, tal como à entidade que por momentos se observa, a pairar sobre dois universos que apenas a psique do espectador terá (ou não) coragem de enquadrar. Poderia ter sido destemida mas falha na capacidade de convencer o espectador apesar de uma coerente execução técnica, talvez aqui, o único elemento desta curta-metragem que na realidade possa revelar alguma consistência.
Canadian Screen Awards 2020: os vencedores
Filme: Antigone, de Sophie Deraspe
Primeira Obra: Murmur, de Heather Young
Documentário: Nîpawistamâsowin: We Will Stand Up, de Tasha Hubbard
Curta-Metragem de Ficção: Pick, de Alicia K. Harris
Documentário - Curta-Metragem: Take Me to Prom, de Andrew Moir
Curta-Metragem de Animação: Giant Bear, de Daniel Paige, Neil Christopher e Daniel Gies
Realização: Elle-Máijá Tailfeathers e Kathleen Hepburn, The Body Remembers When the World Broke Open
Actor Protagonista: Mark O'Brien, Goalie
Actriz Protagonista: Nahéma Ricci, Antigone
Actor Secundário: Rémy Girard, Il Pleuvait des Oiseaux
Actriz Secundária: Nour Belkhiria, Antigone
Argumento Original: Kathleen Hepburn e Elle-Máijá Tailfeathers, The Body Remembers When the World Broke Open
Argumento Adaptado: Sophie Deraspe, Antigone
Montagem - Ficção: Geoffrey Boulangé e Sophie Deraspe, Antigone
Montagem - Documentário: Sophie Leblond, Pedro Pires e Sylvia de Angelis, Alexandre le Fou
Fotografia - Ficção: Norm Li, The Body Remembers When the World Broke Open
Fotografia - Documentário: Pedro Ruiz, Havana, from on High
Música Original: Howard Shore, The Song of Names
Canção Original: "The Song of Names (Cantor Prayer)", de Howard Shore, The Song of Names
Som: Mark Appleby, Daniel Bisson, Claude La Haye e Bernard Gariépy Strobl, The Song of Names
Efeitos Sonoros: Claude Beaugrand, Michelle B. Bordeleau, Natalie Fleurant, Raymond Legault, Francine Poirier e Lise Wedlock, The Song of Names
Design de Produção: Dany Boivin, The Twentieth Century
Guarda-Roupa: Patricia McNeil, The Twentieth Century
Maquilhagem: Fanny Vachon, The Song of Names
Design de Cabelo: Nermin Grbic, The Twentieth Century
Efeitos Visuais: Saikrishna (Sai) Aleti, Alex Basso, Aneesh Bhatnagar, Arminus Billones, Michelle Brennen, Peter Giliberti, Adam Jewett, Marshall Lau, Steve Ramone e Tim Sibley, Brotherhood
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