segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Gelo (2016)

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Gelo de Gonçalo Galvão Teles e Luís Galvão Teles é uma longa-metragem portuguesa que irá estrear comercialmente no início de Março realizada por pai e filho, sendo para o primeiro a mais recente obra desde Dot.com (2007) e para o último a primeira incursão em longa-metragem.
Concebida a partir do ADN do corpo de um homem congelado há mais de vinte mil anos, a jovem Catarina (Ivana Baquero) cresce entre um palácio e os seus jardins isolados sem qualquer contacto com o mundo exterior. Samuel (Albano Jerónimo) é o seu tutor, viu-a nascer e crescer, mas é também investigador de uma empresa que a estuda como projecto sobre a imortalidade.
Joana (Ivana Baquero) é uma jovem estudante de cinema que chega a uma nova cidade onde conhece Miguel (José Afonso Pimentel) por quem rapidamente se apaixona. Mas como todas as fulminantes histórias de amor esta também irá terminar através de uma tragédia.
Pelo meio existe uma relação entre estas duas mulheres... serão mesmo duas? Existirá uma realidade e uma fantasia? Quem será realmente Joana?
O argumento de Gelo escrito pelos dois realizadores em colaboração com Luís Diogo deixa o espectador num constante suspenso entre duas realidades - ou pelo menos duas dinâmicas - que tão depressa se aproximam como rapidamente se afirmam como distantes. Por instantes o espectador conhece uma jovem "Joana" (Baquero) que chega a uma nova cidade - a eterna Lisboa - para se tornar numa das suas mais recentes estudantes (de cinema). Com poucos conhecimentos da cidade vem apenas com uma história em mente à qual quer dar vida escrevendo o argumento repleto de mistério e duplos sentidos que ficam ao livre critério do espectador para que retire as suas conclusões. Ao mesmo tempo o espectador também conhece "Catarina" (Baquero) uma jovem criada num ambiente controlado graças à identificação do ADN de um homem congelado há vinte mil anos e que tem como seu mentor "Samuel" (Albano Jerónimo) que, acompanhando-a desde a nascença, por ela desenvolve uma relação paterna que a seu tempo se transforma numa atracção praticamente incestuosa.
Se este argumento estabelece uma próxima relação entre a história de "Catarina" e a de "Joana", é igualmente curioso verificar como ambas parecem interligar-se não pela confirmação de factos mas sim pela incerteza do destino de uma e do passado da outra. Tal como uma história de encantar onde os factos de magia parecem ser a prática comum, Gelo apresenta-se com os seus inuendos e faz-de-conta lançando no ar a sugestão e a suspeita que nunca deixa o espectador totalmente convencido de um possível ou eventual futuro destas personagens - que o comprove a misteriosa história que parece ser do conhecimento de mais que não a sua própria autora. Uma como reflexo da outra mantendo pequenos detalhes ocultados que determinam - ou não - qual delas poderá ser real ou uma como extensão da outra... afinal, quando uma abandona o seu pequeno paraíso-prisão, é também verdade que a outra parece chegar a uma cidade que não conhece vinda de um espaço que é mantido incerto, desconhecido e, quiçá, inexistente convivendo com personagens que - percebemos - poderem ou não ter existido.
Numa obra escrita a três mãos e dirigida a duas - tal como boa parte desta história em que uma personagem se coloca como extensão da outra - Gelo consegue cativar o espectador graças a essas mesmas incertezas que, interligadas e sucessivamente encadeadas recriam uma história muito próxima da ficção científica - o que não deixa de ser original no panorama cinematográfico português - e cujos contornos futuristas realçam um ambiente intrigante próximo do conto de encantar.
Tendo a invulgar característica de estar dividido em dois distintos segmentos, Gelo tem ainda a particularidade de, à excepção de "Catarina" e de "Joana" interpretadas por Ivana Baquero, mais nenhuma personagem cruzar os referidos segmentos deixando em suspenso a ideia de que um poderá ser fantasia e o outro realidade mas, ao mesmo tempo, a incerteza sobre em qual deles se enquadram essas designações; será "Catarina" realmente o fruto de uma experiência onde se tenta e testa a imortalidade ou será que "Joana" mais não é do que uma personagem imaginada pela primeira como forma de expiar o seu passado turbulento... afinal, é neste segmento que algumas incertezas são levantadas como reflexos, histórias já conhecidas ou até mesmo destinos (pouco) credíveis que se sucedem como potencialmente reais.
É neste misto de incertezas e de duplos sentidos que reside Gelo... no mundo da ficção imaginada e de um encantamento que têm, no fundo, toda uma vertente futurista - ADN, imortalidade, criogenização e experiências humanas - que seduz, encanta e lança o espectador na incerteza.
Destaque ainda para as suas componentes técnicas como os efeitos especiais e direcção de fotografia que unidas a uma sábia utilização da já de si mística Serra de Sintra lançam toda uma dinâmica de fantasia e imaginação que transformam Gelo num filme invulgar e muito apelativo.
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7 / 10
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