Luz da Manhã de Cláudia Varejão foi a última curta-metragem que passou no primeiro dia da competição nacional do Córtex - Festival de Curtas-Metragens de Sintra no Centro Cultural Olga de Cadaval, e que conta com duas actrizes bem conhecidas do público nacional como são Beatriz Batarda e Elisa Lisboa.
Nesta curta temos uma filha (Batarda) que vive com uma mãe (Lisboa) com alguns problemas de memória. A filha trata dela, das pequenas tarefas domésticas e pessoais diárias que a mãe vai aos poucos esquecendo, ou das quais perde vontade de concretizar, ao mesmo que trata da sua ainda muito jovem filha em crescimento.
Existe uma enorme incomunicabilidade entre avó, mãe e neta. As três mulheres, de três distintas gerações, representam o passado, o presente e o futuro de uma família que lida entre si mesma e que, em muitas circunstâncias, (já) não se compreende mas que pela cada vez maior dificuldade com que o passado e o futuro se relacionam, o presente tem de lá estar para consolidar ambos os "tempos".
O único local onde as três gerações se encontram, e onde de certa forma comunicam os seus silêncios, é no rio. O rio onde todas partilham um pequeno prazer que lhes garante o ânimo para continuarem um dia mais e assim perceberem que podem enfrentar as crescentes dificuldades que se lhes apresentam. Uma por já ter esquecido (o passado), outra por ter de cuidar (o presente) e a última por não ter ainda o conhecimento suficiente (o futuro).
Batarda e Lisboa dominam o ecrã. Através dos seus silêncios e expressividade transmitem um turbilhão de sentimentos que não sendo verbalizados conseguem ser sentidos. Desde o desespero à angústia, ambas provocadas por uma incapacidade de expressar (e sentir) uma liberdade, aquelas duas mulheres sabem que dependem de uma outra forma, de si próprias. A mais velha por esquecer os pequenos afazeres que seriam quotidianos e habituais, e a mais nova por os realizar e se tornar esse o seu desígnio de vida. Ambas sabem que na falta de uma a outra estará perdida. E é por esta convivência constante e de perto que os seus pequenos atritos e problemas surgem como uma prática diária recorrente.
Interessante trabalho e uma pena que não seja um filme de maior duração para poder existir um ainda maior aprofundamento das respectivas personagens e principalmente daquilo que as levou a encontrarem-se, tão de perto, neste período das suas "vidas".
Land of My Dreams de Yann Gonzalez foi outra das curtas-metragens presentes na terceira edição do Córtex - Festival de Curtas-Metragens de Sintra, e a par de Sombras, um dos pesos pesados da noite, e arrisco dizer do próprio festival.
Após vários anos de separação, Bianca (Julie Brémond) regressa à cidade do Porto onde reencontra a sua mãe (Paula Guedes). Sem forma de subsistir sem o apoio da sua mãe, Bianca junta-se-lhe e partem estrada fora na sua caravana onde esta faz pequenos espectáculos de dança erótica para os ocasionais mirones que pagam à medida que ela se despe.
Enquanto de dia os seus momentos são de pura provocação e leve excitação, de noite tudo ganha uma nova alma, tão ou mais decadente quanto os locais em que se encontram e de onde por entre as sombras surgem as mais sinistras e anónimas figuras que a única coisa que pretendem é mais um momento de excitação sexual que aquelas duas mulheres lhes provocam.
Tão estranha como quase macabra, o ambiente recriada por esta curta-metragem tem um universo muito particular que em muito se aproxima do de David Lynch. Não queria utilizar a palavra "entidade" mas esta acaba por ser a que de mais perto se aproxima daqueles espectadores que assistem ao espectáculo que "Bianca" lhes proporciona, e se as analisarmos com alguma precisão facilmente nos relembramos de um ou outro título de Lynch de onde elas poderiam ter facilmente surgido. Pertencem a um universo próprio onde o desejo e a luxúria assumem uma "personalidade" própria que se apodera de todos sem quase os deixar escapar e lançando as duas protagonistas numa qualquer transe onde se assumem elas próprias como dois seres e não como uma mãe e filha. Elas estão lá, seduzem, excitam e excitam-se.
Não se sabe muito bem o que procuram... Apenas sabemos que a sua relação de familiar pouco tem... O amor que em tempos poderiam ter pretendido também já não é mais do que uma miragem difícil de obter, se bem que a "Bianca" ainda se manifesta essa vontade de ser amada, mesmo que para o obter tenha de oferecer o seu corpo, numa vã tentativa de recuperar o tempo que perdeu no passado sem resultados concretos.
Tanto Julie Brémond como Paula Guedes têm aqui fortes e perturbadoras interpretações que se assumem pelo lado negativo como duas almas fortes mas perdidas que já não ambicionam encontrar um rumo. Pelo contrário, elas percebem que já se perderam sem qualquer regresso possível e, como tal, abraçam aquilo que pensam ser a única escapatória a uma vida desiludida, perdida e sem ambições e onde apenas o desejo que sentem provocar aos outros lhes dá a força necessária para encararem o dia seguinte.
Esta curta-metragem feita pela ocasião do aniversário do Festival de Curtas-Metragens de Vila do Conde assume-se, sem qualquer reserva ou entrave, como um trabalho forte, dinâmico e um dos melhores filmes "curtos" feitos neste passado ano e que, não só o arrisco como um dos mais fortes deste festival, como também um dos mais fortes do ano.
O Cágado de Luís da Matta Almeida e Pedro Lino foi uma das curtas-metragens presentes no primeiro dia da competição nacional da terceira edição do Córtex - Festival de Curtas-Metragens de Sintra, a decorrer no Centro Cultural Olga de Cadaval.
Enquanto caminha um homem encontra um cágado. Curioso com aquele animal pensa em contar a todos a sua descoberta esquecendo assim, por momentos, o animal. Quando regressa ao mesmo local já não o encontra passando assim a escavar o chão como forma de o reencontrar. Esta missão de proporções que ainda lhe seriam desconhecidas só revelam a sua teimosia em encontrar algo que percebe tardiamente ter estado sempre ao seu alcance.
Com um final que pretende alcançar uma reflexão sobre o que é realmente importante na vida... Reclamar algo que poderá nunca vir a ser uma nossa "posse" mas que perseguimos com todas as nossas forças ou, por sua vez, admirar aqueles pequenos detalhes com que tantas vezes nos cruzamos e aos quais damos invariavelmente tão pouca importância, esta curta-metragem de animação é um interessante (mas infelizmente muito curto) trabalho desta dupla de realizadores que julgo ter potencial suficiente para poder ter sido um filme bem mais longo onde se poderia ter desenvolvido mais a árdua tarefa de um homem em alcançar o inalcansável.
John Carter de Andrew Stanton foi um dos filmes muito falados do primeiro semestre do ano, e que nos conta a história da personagem que dá título ao filme (interpretado por Taylor Kitsch), que nos finais do século XIX tentava levar uma vida normal após a sua participação na Guerra Civil Americana.
Após recusar voltar ao Exército e de ser detido, Carter foge da prisão sendo subsequentemente perseguido e encontra refúgio numa gruta onde encontra um misterioso medalhão que, quando tocado, o transporta para um local desconhecido onde não só desenvolve estranhas e habilidosas capacidades como também percebe partilhar o espaço com um variado conjunto de diferentes habitantes.
É também neste planeta que Carter vai encontrar Dejah Thoris (Lynn Collins), uma princesa por quem irá eventualmente apaixonar-se, impedindo-a assim de celebrar um casamento indesejado mas que irá, supostamente, salvar a sua cidade-estado da destruição.
A expectativa que eu tinha relativamente a este filme era muita, em parte por ter visto um interessante trailer e um conjunto de críticas e comentários que o transformavam num aliciante filme de aventuras passado noutro planeta e com aquilo que eu pensava ser um grupo de personagens com algum conteúdo para ser explorado. No entanto, se os instantes iniciais deste filme conseguem despertar a atenção de qualquer fã do género, não deixa de ser menos verdade que a meio gás este filme se transforma numa experiência mais "dolorosa" do que propriamente refrescante.
Se por um lado os cenários e a fotografia de Daniel Mindel dão a todo o filme uma atmosfera desafiante, austera e que nos coloca realmente num mundo alternativo e diferente de tudo o que conhecemos mais não seja pela sua aparente desolação, é também verdade que em muitos momentos parece que estamos a ser enrolados para uma história que aparentemente não tem fim mas que está a ser terminada a "correr". O fim não é necessariamente desapropriado mas parece ter sido elaborado à pressão para dar um qualquer desfecho à respectiva acção. Ajudaria pensar que existem mais uns quantos filmes que lhe dão continuidade desenvolvendo assim um pouco mais o "carácter" destas personagens, mas a verdade é que dessas histórias não há qualquer notícia tornando este filme num série de momentos que se sucedem a uma velocidade alucinante sem que, no entanto, exista uma relação saudável entre elas para que tudo decorra a um ritmo que consiga fazer total sentido.
Ponto positivo, de realçar, é o facto de ser explorado (e bem) não só este universo alternativo que durante o filme descobrimos ser em Marte (já sabíamos mas...) bem como todo o enorme potencial a nível de personagens que aqui parecem florescer.
Dotado de um conjunto de efeitos especiais bem elaborados mas que, também eles, poderiam ter ido ainda mais longe e dinamizado muito mais o ambiente em que nos encontramos, e com movimentados momentos de acção, este filme acaba por ser apenas isto... um interessante filme de acção e ficção científica que àparte de um interessante grupo de excêntricas personagens marcianas, mas que não constribui muito mais para o desenvolvimento das mesmas além de muitas delas serem, num ou noutro momento da história, importantes para o seu desenvolvimento.
Taylor Kitsch e Lynn Collins, que aqui interpretam o duo protagonista, acabam por mostrar alguma empatia um pelo outro mas não o suficiente para enquanto par romântico denotarem alguma química. Funcionam mais como um par dinâmico típico de um filme de acção mas não como uma dupla sentimental credível o suficiente.
No campo das interpretações há que destacar Mark Strong, igual a si mesmo enquanto "Matai Shang", o vilão de serviço do filme, é mais uma das personagens que merecia um pouco mais de desenvolvimento mas que, ainda assim consegue ser uma das mais ricas. Ao contrário do "Carter" de Taylor Kitsch que tem um potencial enorme por explorar e que assim fica até ao final, principalmente o que diz respeito ao seu "passado" na Terra.
John Carter é um filme interessante não sendo, no entanto, fundamental. Entretém enquanto o vemos mas facilmente esquecemos aquilo que por ali se passou não sendo assim uma das melhores apostas que a Disney (companhia produtora) fez.
Hitman - Agente 47 de Xavier Gens é um simpático filme de acção com as devidas intrigas políticas à mistura que nos relata a crescente relação entre o impiedoso Agente 47 (Timothy Olyphant) e Nika (Olga Kurylenko), uma misteriosa mulher russa que ele havia ficado de assassinar, originando assim que a sua moral e consciência encontrassem novas referências que, até à data, haviam de certa forma sido apagadas da sua memória.
Perseguido por aqueles que o haviam contratado, pela polícia militar russa e por Whittier (Dougray Scott), um competente polícia da Interpol, a única solução que resta ao Agente 47 é fugir por uma Europa de Leste que só por si já apresenta perigos suficientes.
Pessoalmente, e se analisar do ponto de vista dramático ou de um conteúdo com uma interessante mensagem a transmitir, não posso dizer que o argumento deste filme seja o mais coerente ou intenso, no entanto o argumento da autoria de Skip Woods é eficaz se pensarmos que abre uma porta muito grande para a continuidade que se pode dar em particular à personagem do Agente 47 e, em potência, à existência de uma quantidade de agentes antes e depois do referido que façam prolongar esta saga ao longo dos anos com títulos mais ou menos competentes no cinema e na televisão. Deste ponto de vista o seu potencial não tem limites.
E directamente relacionado com este anterior parágrafo está o pouco desenvolvimento atribuído a cada uma das personagens que têm todo o potencial de "regressar" à acção numa dessas potenciais sequelas que certamente irão aparecer ao longo dos anos. Muito fica por dizer de todas as personagens (sem excepção), e percebemos que por muito que elas possam referir sobre o seu passado, outro tanto estará certamente por dizer. Dito isto, é fácil perceber que o forte deste filme não reside nem de perto nem de longe no potencial mais ou menos dramático que as suas personagens podem reter.
No entanto, há também que fazer justiça ao facto de no que diz respeito às intensas cenas de acção e suas respectivas coreografias, Hitman é um filme que tem bastante para dar. As lutas entre os vários agentes e os locais mais ou menos bizarros nos quais as executam conseguem ser desafiantes e estimulantes para qualquer espectador. Por muito que tentemos, não conseguimos dar devida justiça a todo o seu aspecto visual apenas como uma visualização deste filme e, depois de as vermos pela primeira vez damos por nós a retroceder nas imagens para repetir e descobrir mais elementos que compõem uma estranha beleza que estas nos dão.
Assim, e se partirmos para este filme com uma mente aberta e receptiva a que ele não seja mais do que um filme com alguma acção e de puro entretenimento, certamente não nos iremos desiludir por o ver e, no final, teremos possivelmente adquirido alguma interessante distracção e uma mente relaxada que descansou depois desta história. Se no entanto esperamos ter aqui o próximo filme que vai arrebatar inúmeros prémios pelo seu potencial e mensagem... bom... mais vale a pena esperarmos bem sentados.
Divulgados que estão os filmes e os profissionais pré-seleccionados pela Academia Espanhola de Cinema à próxima cerimónia dos prémios Goya que serão entregues pela 27ª edição em 2013, é com grande satisfação que se constata a pré-selecção do actor português Paulo Pires para Melhor Actor Protagonista pela sua participação no filme espanhol Un Suave Olor a Canela da realizadora Giovanna Ribes.
.
.
De referir mais uma vez que Portugal tem também pré-seleccionado o filme Florbela, de Vicente Alves do Ó e com as participações de Dalila Carmo, Ivo Canelas, Albano Jerónimo e Rita Loureiro para a categoria de Melhor Filme Ibero-Americano. .
.
Os nomeados deverão ser anunciados no início do mês de Janeiro e a cerimónia de entrega dos Goya deverá decorrer em Fevereiro.
O filme Singularidades de uma Rapariga Loura de Manoel de Oliveira que estreou durante o último ano nas salas de cinema italianas, está pré-seleccionado para o David, prémio da Academia Italiana de Cinema, na categoria de Melhor Filme Europeu.
Os nomeados deverão ser anunciados no início do próximo ano, sendo que a cerimónia de entrega dos prémios deverá ocorrer no espaço de um mês, normalmente entre os meses de Março e Abril.
Playing in Darkness de Alexander Roman é uma estranhíssima curta-metragem norte-americana que nos transporta para um sinistro apartamento onde Benjamin (interpretado por Alexander Roman) e Bree (Ursula Vari), uma ainda mais estranha mulher com tiques pouco convincentes de sedução, tentam aliciar uns quantos universitários para se deixarem corromper através de sexo, alcoól e muita droga, conquistado assim as suas almas.
Digo que é uma estranha curta-metragem porque além das interpretações serem tão más que quase tocam no absurdo e no ridículo (concentremo-nos no riso absurdo de um dos universitários para pensar na "veracidade" que a sua interpretação está a alcançar), o próprio ambiente em si é altamente duvidoso dando em diversas ocasiões a leve impressão que vamos começar a assistir a um filme pornográfico muito manhoso.
Música quase do princípio até ao final e muitos momentos de sedução que... não o são, e stá tud dito sobre esta curta-metragem que a meio gás quer ainda dar a ideia de que estamos a atravessar uma qualquer trip psicadélica.
Se o Diabo realmente existisse, estou convencido que olhava para esta curta-metragem e muito provavelmente fugiria de medo.
São hoje entregues pela primeira vez os Sophia, prémios da Academia Portuguesa de Cinema, na categoria de Carreira, numa cerimónia a realizar pelas 21h30 na Cinemateca Portuguesa em Lisboa.
Os três homenageados serão a actriz Isabel Ruth, o realizador António Macedo e o produtor António da Cunha Telles que colaboraram no filme Domingo à Tarde de 1966 que será exibido no final da cerimónia.
Hotel Paradijs de Jan Krüger é uma curta-metragem germano-holandesa que nos conta a história de Paul (Martin Kiefer), um jovem funcionário de um cinema que todos os dias se desloca a casa de Christiaan (Barry Atsma), com quem mantém uma relação sexual puramente baseada na luxúria e no prazer mútuo que ambos dela tiram.
Quando Paul conhece Claire (Terence Schreurs) desenvolve por ela uma relação de cumplicidade e com quem se sente capaz de partilhar afectos e sentimentos, algo que até ao momento lhe era impossível com Christiaan, levando-o a ponderar uma vida a dois com ela.
Esta curta-metragem que pouco explora a componente em que poderia ser potencialmente mais forte, se considerarmos a dinâmica da dualidade das relações e dos potenciais afectos partilhados, falha na pouca exploração e desenvolvimento que lhes atribui, limitando-se a mostrar ocasionais encontros sexuais/sentimentais que na prática não passam de comportamentos quase instintivos e básicos que não reflectem qualquer tipo de consequência ou continuidade.
Por outro lado, algo que também tem uma breve referência unicamente perceptível pela sua também óbvia dualidade, são os momentos em que "Paul" se encontra só e nos quais a fotografia é reflectida a preto & branco, e os momentos em que as suas necessidades afectivas/sexuais básicas são satisfeitas a que é atribuída uma cor não forte ou intensa mas suficiente para se perceber que naquele momento ele sente "algo".
Curioso também o momento em que tanto "Claire" como "Christiaan" perguntam a "Paul" se não tem "momentos em que se farta da sua imagem"... aquela que transmite em oposição àquela que realmente o representa, numa demonstração da sua própria personalidade dual que não se complementa ou o satisfaz.
Dito isto, e se considerarmos o potencial que estes breves argumentos têm para construir este filme (mesmo que em curta-metragem) forte e com conteúdo para reflectir nas vidas destas personagens, deparamos no final com um resultado fraco e pouco constante que não cumpre aquilo que poderia ter sido.
A Chama da Vida de Álex de la Iglesia passou finalmente numa sala de cinema nacional graças à excelente programação do Cine Fiesta deste ano que, apesar de não contar (infelizmente) com presença de nenhum convidado que representasse este filme, conseguiu ser um dos que mais reacções retirou do seu público.
Roberto Gómez (José Mota) é um publicitário no desemprego que tenta desesperadamente encontrar novamente o seu lugar no mundo laboral e assim conseguir renovar a sua dignidade junto dos seus pares e amigos mas particularmente junto da sua família.
Após mais uma tentativa frustrada de o obter, Roberto dirige-se para o hotel onde passou a lua-de-mel com a sua mulher Luísa (Salma Hayek), apenas para descobrir que desapareceu e são agora umas antigas ruínas romanas pertença do museu da cidade. Com uma desastrada entrada no museu prestes a ser inaugurado, Roberto vê-se metido numa caricata situação que o leva a um iminente desastre e uma espantosa acção mediática, da qual não só ele pretende tirar proveito, mas que a todos acaba por surpreender pelo seu desfecho.
Para quem já conhece um pouco da filmografia de Álex de la Iglesia não estranha que exista uma quantidade bem doseada de comédia negra, ironia e sarcasmo nos seus filmes. Assim o vimos com O Dia da Besta, com A Comunidade ou com o seu anterior Balada Triste de Trompeta onde é retratada toda uma sociedade através de pontuais momentos de comédia que são quase de imediato apagados com a realidade dura e crua da vida passada ou presente. A Chama da Vida não foge a esta sua "regra", e novamente temos um retrato dos nossos dias. Se por um lado o argumento de Randy Feldman nos aproxima de uma família aparentemente feliz independentemente dos seus inúmeros problemas económicos que afectam a estabilidade emocional do casal, não enquanto tal mas na sua auto-estima de "Roberto" que o impede de ser feliz de facto, também é certo que a certa altura este liberta-se do estigma do desemprego e aceita-o como uma inevitabilidade da vida que é, a partir desse momento, algo que deve ser vivido deixando o amanhã... para quando ele chegar.
É também nesta altura que somos confrontados com a realidade. Com o "problema" tal e qual como ele é e, no meio da desgraça, com a forma como se pode ultrapassá-la e dela tirar proveito. Se a tragédia pessoal de um existe e dá lucro a terceiros, porque não o próprio a utilizar e também se livrar de alguns dos seus próprios problemas e demónios, alcançando assim a sua tão desejada concretização pessoal.
Por outro lado somos também confrontados com o outro lado da barricada, quando nos é dada a conhecer a reacção daqueles que procuram um lucro fácil e imediato graças à desgraça alheia, representando eles próprios vários segmentos de uma sociedade que aos poucos se perdeu e parece não conseguir encontrar um caminho próprio. Johnny (Fernando Tejero),o publicitário e manager que tenta tirar proveito pessoal da situação debilitada de Roberto. Mercedes (Blanca Portillo), uma curadora de museu mais preocupada com o património museológico, esquecendo por isso a sua própria Humanidade. Um Alcayde (Juan Luis Galiardo), unica e exclusivamente preocupado com a continuidade da sua própria carreira política, uma classe jornalística apenas preocupada com o "furo" que esta notícia pode dar e, finalmente, toda uma população sedenta de saber o último detalhe sobre a vida e morte de um homem, como se de um qualquer reality-show se tratasse.
No final... quem sobrevive? Os únicos capazes de comprovar que afinal existe mesmo uma "chama da vida", que não se encontra ou alcança através de uma concretização profissional mas sim através dos pequenos grandes laços de afectividade familiar ou de Humanidade (essa palavra tão esquecida) que conseguimos celebrar enquanto estamos nesta nossa mais ou menos grande passagem pela vida. É isso que Roberto e Luísa conseguem entre si, com os seus filhos Lorenzo (Eduardo Casanova) e Bárbara (Nerea Camacho), e na relação que Luísa consegue criar com Pilar Álvarez (Carolina Bang), a única jornalista realmente preocupada com a pessoa e não com a notícia.
José Mota, justamente nomeado ao Goya de Actor Revelação, tem uma interpretação surpreendente como este homem literalmente à beira de um precipício. Cómico e cmovente em doses iguais, consegue tanto emocionar-nos com o seu retrato da sociedade em que vive(mos), como com a sua astúcia como clarividência para com o futuro daqueles que sabe, ir deixar. Quanto a Salma Hayek (também nomeada ao Goya na categoria de Melhor Actriz e que, arrisco dizer, continua a ser uma das mulheres mais bonitas do mundo), prova aqui mais uma vez que com o realizador certo e a personagem ideal, continua a dar sólidas interpretações que conseguem realmente demonstrar todo o seu talento na composição de uma personagem marcada pelos anos, pelas dificuldades e com todo o seu dramatismo, mas sempre fiel, e sem vacilar, aos seus valores e afectos.
Álex de la Iglesia confirma... A chama da vida existe mesmo, e pode estar ao alcance de qualquer um. Ele conseguiu.
Fim de Jorge Torregrossa presente na edição deste ano do Cine Fiesta a decorrer em Lisboa, foi um filme que seduz todos logo no exacto momento em que vemos o seu trailer.
Vinte anos depois de terem deixado de estudar juntos e das suas vidas seguirem o seu rumo natural, um grupo de amigos decide reencontrar-se a pedido de um deles. O Profeta (Eugenio Mira) é aquele amigo que todos esperavam não ver... Nesse último encontro que haviam tido, o Profeta balbuciou um conjunto de teorias sobre o final do mundo que a todos assustou, levando-o inclusivé a tratamento psiquiátrico.
Com este reencontro Félix (Daniel Grao), Sergio (Miquel Fernández), Rafa (Antonio Garrido), Sara (Carmen Ruiz), Hugo (Andrés Velencoso) e Maribel (Maribel Verdú), pretendem retomar os laços após um largo intervalo de tempo e matar as saudades da sua época de estudantes onde eram um grupo coeso e unido.
No entanto, e longe das suas expectativas, o reencontro mostra que por detrás de todos os sorrisos ocasionais e esperanças que tinham do seu futuro agora bem real, que os problemas e os ressentimentos com o passado existem e estão bem vivos. Mas com o cair da noite os estranhos acontecimentos sucedem-se mostrando que para além das banalidades que a vida lhes reservou, a provação em que seriam agora colocados seria bem mais importante e assustadora.
O argumento da autoria de Jorge Guerricaechevarría e Sergio G. Sánchez baseado na obra homónima de David Monteagudo, não poderia ser mais aliciantes. Um filme sobre o final dos tempos em plenos ano de 2012 com tantas profecias em seu torno, só podia ser um filme apetecível e sobre o qual todos falam e querem ver. No entanto, este filme, e principalmente esta história, vai muito para além de um simples filme do final do mundo tal como o conhecemos. Bem pelo contrário, esta história não se prende com uma qualquer destruição do planeta face a um conjunto de cataclismos naturais que dizia a população. Aqui falamos da estranha e misteriosa extinção da Humanidade. Apenas e só dela e não dos espaços e das obras que todos conhecemos e vemos.
Sem que nunca assistamos a uma morte concreta, aquilo de que vamos tendo relato é que alguns dos intervenientes na história vão, aos poucos, desaparecendo da mesma. Primeiro um... depois outro... sempre afastados dos olhares dos demais, todos eles começam a desaparecer do mundo. Falamos de uma literal extinção sem que seja prejudicada a obra que, fica agora, para trás. Se inicialmente assistimos apenas a uma casa deserta enquanto o nosso conjunto de personagens percorre uma montanha, não deixa de ser verdade que aos poucos e à medida que se aproximam das povoações que deveriam estar repletas de pessoas no seu normal dia-a-dia, o que é certo é que é neste preciso momento que nos apercebemos do quão desolador é o cenário. Não temos qualquer tipo de destruíção ou de um panorama alterado por uma qualquer catástrofe. Aqui a desolação chega por vermos locais, ruas, estradas desertas e abandonadas. Carros parados no meio da estrada... lojas e casas vazias. Mas tudo, sem excepção, perfeitamente intacto, arrumado e preparado como se esperasse que alguém voltasse a ocupá-los.
Não fosse o sentido quase Bíblico do desaparecimento de todas as pessoas do mundo, e digo-o desta forma pois sem vermos literalmente o que acontece percebemos por um reflexo o quão assustador poderia ser um momento destes (mais que não fosse por sabermos então o que havia acontecido a todos aqueles que amamos), poderíamos até pensar que tudo estava silenciosamente "à espera" de recomeçar, e é exactamente nesta perspectiva que esta história acaba por assustar. Não por uma qualquer destruíção e cenário dantesco mas sim por vermos que todos os locais ditos normais da nossa existência se mantêm mas... sem "nós".
No entanto, e por estranho que pareça num filme deste género que está normalmente apenas associado a um qualquer extermínio do planeta, este tem uma história de fundo com potencial suficiente para enriquecer as personagens mas que pela infelizmente curta duração do filme, não se explora o suficiente. A começar de imediato com a personagem principal Félix que se apresenta como uma namorada vinte anos mais nova Eva (Clara Lago) que percebemos, quando os momentos apertam, não ser mais do que um encontro combinado. Sabemos ainda que Maribel sempre viveu um amor não correspondido por Félix e que se casou com o seu melhor amigo apenas por poder sentir que estava um pouco mais perto dele... e finalmente a revelação surge quando percebemos que Félix sempre manteve uma relação conflituosa com Hugo porque por ele sentia uma evidente paixão não correspondida, e que vê neste encontro uma forma de se reaproximar dele.
Temos ainda os tão actuais problemas económicos representados pelo casal Maribel e Rafa, e como estes afectam a sua relação matrimonial, apenas exponenciados com a presença de Félix, antigo amor de Maribel, provocando assim velhos ressentimentos que há muito estavam extintos. O casamento que falha por traição representado por Hugo e Cova (numa interpretação contida mas com um extremo potencial de Blanca Romero), e finalmente a representação daquela pessoa que sendo amiga de todos mas nunca conseguindo estabelecer a sua própria vida afectiva e sentimental através da personagem Sara (Carmen Ruiz), sendo aquela que se encontra mais só estando tão perto de todos. Temos, no fundo, um filme que pretende não mostrar o fim do mundo mas sim o fim da Humanidade. Principalmente o fim (ou o início) daquela que todos nós escondemos, preferindo assim não olhar para aquilo que somos e representamos. Dito isto, é fácil perceber que o Fim é nosso e não da Civilização que construímos. Essa representa, e representou, o melhor de cada um de nós, aquilo que deixámos da nossa presença e da nossa marca enquanto Humanidade mas que alude igualmente ao nosso próprio final... ao esgotamento daquilo que representámos.
Se pensarmos nestas premissas e de como ele "falha" enquanto o dito tradicional filme apocalíptico, consigo perceber o "porquê" de estar tão mal cotado e suscitar tão pouco interesse por parte do público. "Falha" na habitual espectacularidade do fim e da destruíção, no entanto a meu ver a única falha que pode ter, e como já referi, é a sua curta duração que não permite um merecedor desenvolvimento de todas aquelas personagens que se percebe terem muito mais para dar da sua história pessoal.
É um filme interessante e que se reflectirmos bem sobre a sua essência percebemos que tem potencial e principalmente como gostamos (alguns de nós pelo menos) de ver um filme onde tudo literalmente acaba, do que assistirmos a um filme que pede que pensemos sobre o como nós próprios estamos a desaparecer (ou um dia desaparecemos) e que poderemos (ou não) deixar a marca da nossa breve "estadia" pelo planeta.
Unidade 7 de Alberto Rodríguez foi um dos mais antecipados filmes do Cine Fiesta a decorrer no Cinema São Jorge em Lisboa, e que marcou presença do segundo dia do certame.
Anos antes da abertura da Expo '92 em Sevilha, a cidade assemelhava-se muito de perto com uma cidade à beira de uma explosão social onde o tráfico, a droga e a prostituíção estavam presentes na vida de muitos dos seus cidadãos. As ordens para as autoridades são claras... limpar a cidade de toda a vida paralela para o bom nome internacional da mesma. É então constituída a Unidade 7 composta por quatro distintos agentes da lei: Ángel (Mario Casas), um jovem e ponderado inspector, Rafael (Antonio de la Torre), um solitário e impulsivo polícia preparado para explodir a qualquer momento. Aos dois, que acabam por ser as figuras centrais do grupo não só pela sua posição no mesmo como também pelos seus dramas pessoais igualmente explorados ao longo do filme, juntam-se-lhes Miguel (José Manuel Poga) e Mateo (Joaquín Núñez), dois polícias mais "apagados" no grupo mas que acabam por ser os que mais brutos e insensíveis se tornam.
No entanto, a lidarem diariamente com o crime bem organizado da cidade, irão estes polícias conseguir manter-se de "mãos limpas" enquanto tentam eles próprios limpar a cidade ou, como será expectável, irão cair nas malhas do crime para proveito próprio?
O entusiasmante argumento deste filme, a cargo do próprio Alberto Rodríguez e Rafael Cobos, consegue por diversas ocasiões criar algumas semelhanças com outro intenso título do género como é o caso de Gomorra. Ambos divergem, no entanto, na sua essência pois enquanto o título italiano reflecte essencialmente sobre o submundo do crime organizado, Grupo 7 reflecte sobre a descida ao inferno do crime feito por aqueles de quem menos se espera... a autoridade que está ironicamente encarregada de o combater.
Repleto de intensos segmentos onde são colocados a nu muitos dos estilos de vida de uma população socialmente despriviligiada que assume no tráfico de droga e na prostituíção a única forma de subsistir numa cidade que aparenta ser bem cruel (e já aqui tão perto), este Grupo 7 consegue ainda estabelecer uma interessante relação entre a vida profissional destes homens e as suas vidas pessoais. A forma como abordam o crime e a insensibilidade que daqui resulta em oposição à sua condição enquanto homens de família funciona quase como uma dualidade entre as duas situações que, apesar de distintas, começam com o tempo a denotar semelhanças bastante perigosas.
É também de ressalvar a inversão de papéis dos dois actores protagonistas. Enquanto "Ángel" é um jovem idealista que se quer afirmar na sua profissional não sem que o coração desapareça das suas ponderadas reacções, "Rafael" é um homem duro e quase insensível que se afirma pela força do punho. Com o tempo e as suas vivências pelo submundo de uma Sevilha em transformação, ambos irão ver o outro lado das suas vidas. O primeiro com uma sedenta vontade de alcançar um status e uma vida melhor, deixa-se levar pelos meandros daquilo que combate. O crime escondido, a droga, as redes de prostituíção e os favores começam a dominar a sua vida e, por sua vez, a relação que tem com a família que se degrada com o tempo. Já o segundo estabelece aquilo que lhe falta, se bem que durante pouco tempo... uma relação com outra pessoa. Os afectos, ou a sua vontade e necessidade, despertam emoções e sensações que até à altura desconhecia ou, pior, já esquecera. Despertam-no e dão-lhe uma nova "vida" que já pensara estar perdida. E são estas transformações interiores que acabam por aproximar estes dois homens que inicialmente eram mutuamente indiferentes mas que, também com o tempo, faz nascer entre ambos uma relação de amizade mas também , e principalmente, de respeito mútuo.
E é este mesmo factor que torna um já de si interessante filme, numa história poderosa. A transformação destes dois homens naquilo que qualquer um de nós pode ser a uma dada altura: humanos ou monstros que, pelas mãos de dois actores intensos como aqui demonstram, só poderia dar bom resultado. De Antonio de la Torre já não restavam quaisquer dúvidas pelo conjunto da sua carreira e das intensas interpretações que já tem dado. Forte e determinado ao ponto de quase parecer insensível, de la Torre é verdadeiramente intenso. Mas a verdadeira surpresa chega através da interpretação brilhante de Mario Casas. Habituados que estamos a vê-lo em interpretações mais direccionadas para um público juvenil feminino, aqui Casas demonstra ser capaz de um intenso desempenho que o transporta para domínios bem distantes daquela a que a sua imagem já se havia "colado". É dele que parte a mais significativa transformação enquanto personagem deste filme, e aquela que acaba por ser a que mais ganha (e perde) em todo o processo. Alcança fama, sucesso, uma vida mais desafogada e respeito. Mas também envereda por esquemas ilícitos, tráfico, mediatismo e principalmente muitas invejas que, em última análise, acabam por contribuir para uma ainda mais vertiginosa queda que o faz perder tudo... principalmente aquilo que inicialmente o definia enquanto indivíduo... a sua moral, o seu bom senso mas, acima disso, a sua própria família. Se existiam dúvidas a respeito deste actor... elas estão completamente desfeitas.
Intenso (e logo imperdível), com um ritmo por vezes alucinante e uma dos segmentos mais impressionantes com um cão (sim, verdadeiramente assustador) tem também interpretações bem exploradas e que não me espantaria se fossem nomeadas aos Goya, Grupo 7 é um dos filmes a destacar deste Cine Fiesta e um que as salas de cinema nacionais deveriam ver estrear muito brevemente.
Tenho Ganas de Ti de Fernando González Molina foi mais um dos títulos presentes nesta edição do Cine Fiesta de Lisboa, numa sessão que se pode dizer ter sido bem concorrida.
Com alguns dos jovens nomes do cinema espanhol, este filme conta-nos a história de Hache (Mario Casas), um jovem que após se ter afastado da família, dos amigos e principalmente do seu passado e amores, regressa de Londres com o intuito de reconstruir a sua vida. No entanto, mesmo não esquecendo Babi (María Valverde) o seu primeiro amor, conhece Gin (Clara Lago) que restabelece a ideia de que é possível voltar a amar.
Por entre encontros e desencontros com um passado que ressuscita para ser resolvido, a questão que se coloca a Hache é se o seu novo amor será suficientemente forte para esquecer aquilo que não havia terminado ou se, no entanto, esse passado é forte demais para poder ser definitivamente esquecido.
O argumento de Ramón Salazar transforma este filme, por diversas ocasiões, num típico filme de adolescentes esquecendo que aquilo que está por detrás da história de cada umas das diferentes personagens são dramas internos com os quais se poderiam identificar tantos espectadores. A morte, os amores por concretizar, a doença, a inveja, o desejo e até mesmo a representação de um insensível mundo profissional onde apenas e só o lucro é valorizado e bem recebido são alguns dos temas por detrás de cada uma das personagens. Não se perde o impacto que cada um destes momentos é suposto representar mas, no entanto, percebe-se que o impacto dramático que é suposto ser transmitido para o público se torna mais "brando".
Exemplo disto está a pouco explorada, ou coerente, relação entre algumas das personagens centrais deste filme nomeadamente entre "Hache" e "Pollo" (Álvaro Cervantes) o seu falecido amigo, bem como com a sua mãe (Carme Elias). Sabemos que a morte do amigo veio afectar as relações dentro de todo o grupo de amigos, mas nunca nos chega a ser explicado o porquê de ter destruído toda a união entre eles ao ponto de causar sérias rupturas nos casais perfeitos ou mesmo o afastamento de "Hache" para Londres durante vários anos. Percebemos que a morte pode arrasar com a vida de qualquer pessoa por ser uma mudança radical que normalmente apanha todos os envolvidos sem qualquer tipo de aviso mas, no entanto, custa a perceber o porquê de um afastamento e consequente silêncio que quase parece ser irremediável.
Felizmente o ritmo a que o filme nos habitua desde cedo faz com que estes momentos sejam breves e que se recupere rapidamente a garra que ele parece ter e querer despertar. O ressurgimento do amor através de "Gin" (Clara Lago), uma surpreendentemente enérgica rapariga que está disposta a partilhar a sua vida com "Hache", bem como o retomar das suas velhas amizades e de uma vida mais próxima daqueles com quem pode partilhar os seus dias, conseguem de uma forma interessante e bem-disposta dar uma energia positiva ao filme.
E há que fazer justiça e dizer que também muita desta energia se deve ao par Mario Casas e Clara Lago que conseguem ter uma quase ininterrupta química entre si que suporta praticamente todo o filme. Desde o seu acidental encontro que os une, passando pelos momentos mais complicados ou separação, percebemos facilmente que o filme só irá aguentar se ambos terminarem juntos no final (ver para saber se é o que realmente acontece), e damos por nós a apostar e desejar que seja isso que aconteça. A química existe, está lá bem vincada e peceptível para qualquer um de nós por mais distraído que aparente ser. Esta dupla, que acabou por estar presente em vários filmes do Cine Fiesta, resultou e afirma-se como um dos pares românticos do cinema espanhol e também dois dos actores mais presentes do mesmo com uma crescente participação em vários filmes de nuestros hermanos.
No meio de algumas falhas mas com uma vontade de o tornar um filme desejado pelo público e com um ritmo definitivamente comercial e moderno sentido não só pela sua história como também pela presença de um conjunto de actores que funciona bem entre si e com os quais o público mais jovem se identifica como também através de uma banda-sonora intensa e bem ritmada da autoria de Manel Santisteban, Tengo Ganas de Ti resulta e agrada ao público de uma forma geral. Não é um "feel-good movie", mas todos nós ficamos agradados por perceber que no final, apesar dos vários problemas, há sempre a hipótese de tudo terminar bem pois apesar de muitos já não acreditarem... o amor ainda costuma vencer.
Branca de Neve de Pablo Berger foi um dos filmes da sessão de abertura do Cine Fiesta no Cinema São Jorge em Lisboa e um dos mais antecipados não só pela originalidade com que era apresentada a sua, já conhecida, história mas também por ser a selecção espahola para o Oscar de Filme Estrangeiro.
A história, como já referi, é conhecida de todos. No entanto existem pequenos grandes detalhes que a distanciam do já tradicionalmente conhecido dando-lhe um saudável e fresco ar de originalidade ao qual ninguém consegue ficar indiferente. Esta história decorre nos anos 20 do século pasado, numa Espanha ultra-conservadora. Como se isto não bastasse há ainda a referir que o conto situa-se numa Andaluzia em que o desporto favorito decorre numa praça de touros. É exactamente num evento destes que tudo se inicia e acontece.
E é aqui que vamos encontrar a nossa Branca de Neve ou, mais concretamente Carmen (Macarena García), uma jovem que após a morte de Carmen (Inma Cuesta) a sua belíssima e jovem mãe, bem como de Concha (Angéla Molina) a sua protectora avó, vê o seu pai Antonio Villalta (Daniel Giménez Cacho), um notável toureiro ídolo de todos os andaluzes, casar com Encarna (Maribel Verdú) uma demasiadamente disponível e sinistra enfermeira que rapidamente afasta a jovem que possui um brilho natural muito particular e admirado por todos.
Se deste original e magnífico argumento, também ele de Pablo Berger, não bastasse conhecermos "só" isto, acrescento ainda que também não estão esquecidos os nossos anões e também eles com as suas "inovações"... Eles adoram a Branca de Neve, que é como quem diz... Carmen e... são toureiros por puro entretenimento e comédia da sua extensa legião de fãs. Mas isto não chega... para uma Espanha ultra-conservadora tem de existir a dita "ovelha-negra" no seio dos célebres anões, e temos assim um deles... transsexual.
E no momento da tão badalada maçã envenenada... bom, quanto a esse só mesmo vendo para descobrir quem irá despertar (ou não) o coração da nossa heroína adormecida naquela que é uma anunciada, mas não declarada, verdadeira paixão.
Se algum de nós (possivelmente todos) pensa que conhece a história da Branca de Neve e dos seus anões... pois que se engane porque depois de ver esta nova incursão pelas mãos de Pablo Berger percebemos que tudo aquilo que até então conhecíamos deste conto pode, afinal, ser originalmente alterado e mesmo assim manter-se fiel à essência de um conto "pouco" infantil, e originar as mais diversas situações de vingança e de maldade sem nunca esquecer o tom mágico das suas inúmeras personagens. Basta para isso olharmos para elas e percebemos que todos os elementos que conhecemos de cada um se mantêm ainda presentes... Começando logo pelo princípio, temos uma Branca de Neve, ou Carmen, (Macarena García), doce, afável e afectuosa para todos aqueles que a rodeiam mesmo já tendo sido tão maltratada na sua tão jovem existência. E Encarna, ou a Bruxa Má (Maribel Verdú), consegue também ela manter toda a essência pelo mal e genuinamente destestar aquela que é possivelmente a pessoa mais pura e bondosa com que alguma vez se cruzara, acrescentando-lhe o facto de que aqui assume também uma vertente Dominatrix que enriquece ainda mais a sua, já de si, macabra personagem. E obviamente que não podemos esquecer os anões, elementos fundamentais desta história, que apesar de aqui serem indivíduos do espectáculo e do entretenimento, continuam a manter todo o seu afecto e amabilidade para com a Branca de Neve, e exacerbar alguns sentimentos e comportamentos que até este momento eram desconhecidos por nós espectadores, nomeadamente no que diz respeito à transsexualidade de um e àquilo que irá mover Rafita (Sergio Dorado) e que para se saber... há que ver o filme quando estrear comercialmente em Abril.
Mas as novidades que este argumento tem não se ficam por aqui. Apesar de ser essencial que esta história se mantenha fiel às suas origens, não deixa igualmente de ser verdade que para se distanciar das demais, em particular das várias adaptações cinematográficas que este conto viu só neste ano, tinha de se adaptar à actualidade. Em primeiro lugar ao retirar o tradicional conto de princesa e castelo para uma tradicional família andaluza, não só enquadra a história num meio muito particular como também lhe dá uma identificação com o país de origem do filme tornando-o assim num conto que poderia realmente ser andaluz e não necessariamente germânico. Um outro aspecto que adapta a história aos nossos dias, e que possivelmente até poderia ter passado sem ser notado, é quando na praça de touros a nossa Carmen decide não terminar a vida do touro numa clara posição que o próprio realizador e argumentista assume perante este conto "moderno". E mesmo o facto de ser rodado a preto e branco e mudo não nos afasta do filme. Pelo contrário acaba por captar ainda mais a nossa atenção para os pequenos grandes detalhes que o povoam e que simplesmente mais o enriquecem.
Temos o exuberante guarda-roupa de Paco Delgado que, por entre factos de sevilhanas e de toureiros capta muito da essência e dos costumes do povo andaluz num desfile exuberante de vestimentos que conseguem regalar o olhar de qualquer um muito graças também ao trabalho de fotografia de Kiko de la Roca que numa imagem a preto e branco fá-los ganhar vida e destacarem-se num cenário que poderia ser, à partida, adverso a que reparássemos na sua extensa qualidade. Finalmente, algo que acaba por ganhar vida através da sua sinistra dimensão é a banda-sonora de Alfonso Vilallonga que tem vários acordes dignos de qualquer mente retorcida, psicótica e verdadeiramente assustadora. De uma ponta à outra, todo este filme é um vencedor, e não me espantaria que na próxima cerimónia dos Goya da Academia Espanhola de Cinema, fosse um dos mais nomeados e também um dos mais galardoados.
Resumidamente esqueçam aquilo que pensam conhecer deste conto ou das inúmeras adaptações mais ou menos bem sucedidas que ao longo dos anos têm sido realizadas. Aqui, àparte desse conhecimento graças ao filme de Walt Disney, temos uma história original que tanto tem de divertido como de sinistro e que no final consegue deixar todos nós apaixonados pelo que vimos. O filme espanhol do ano... sim, mas também um dos filmes do ano.
The Burning Boy de Kieran Galvin é uma curta-metragem australiana sobre a auto-aceitação de um jovem que esconde a sua sexualidade do seu melhor amigo e que, um dia, lhe provoca uma grande surpresa.
Com um argumento, também ele da autoria de Galvin, que não suporta nenhum elemento novo remetendo-nos mais uma vez para o habitual cliché de "amigo apaixonado por amigo", a única surpresa surge pelo trágico desfecho que estas duas personagens enfrentam sendo que, ainda assim, não é suficiente para lhe dar a devida qualidade argumentativa para a tornar interessante.
Outro elemento que torna esta curta ainda mais difícil de "digerir" acaba por residir na quase incomodativa banda-sonora que acompanha a acção do início até ao final tornando em diversos momentos quase difícil de acompanhar qualquer tipo de intensidade dramática pela qual as personagens estão a atravessar.
Um filme que se pode ver mas que não causa qualquer boa impressão nem memória a seu respeito.
Auto do Cordeiro de Pedro Rocha Nogueira é a primeira curta-metragem produzida pela Filmes Liberdade e reflecte sobre o fim da Humanidade através dos pensamentos de ume mulher (Marta Inocentes).
Entre memórias, promessas e divagações sobre a Humanidade à qual poderá dar (ou não) continuidade graças ao esperma que tem guardado, esta mulher levanta interessantes questões sobre o papel dela enquanto indivíduo, enquanto mãe ou sobre como o seu próprio mundo poderia ter sido diferente se tem nascido homem tal como a sua mãe pretendia.
Num mundo onde tudo parece ter chegado ao fim, e onde aparentemente ela é o último ser vivo à face da Terra, qual seria para ela e para a suposta "Humanidade" agora desaparecida, a continuidade da mesma? Como se iria ela reproduzir? (Sobre)viver? Ou mesmo como se iria ela novamente erguer enquanto Humanidade com algum conjunto de valores que, também eles, estão agora desaparecidos?
Interessante no que a argumento diz respeito, também o é na sua vertente de filmar um video-diário onde os pensamentos da personagem principal acabam depositados para uma memória futura, pelo seu extraordináriot rabalho de fotografia que nos dá a sensação de vivermos claustrofobicamente enclausurados num pequeno espaço que é uma clara representação do próprio espaço e mundo em que a acção decorre e que anula qualquer sensação de cor/luz como significados de uma esperança que já não existe.
Como aspecto negativo (se assim lhe poderei chamar) destaco apenas a curta duração deste filme que tinha pernas para andar um pouco mais longe prolongando e desenvolvendo alguns dos dilemas nos quais aquela "mulher" se encontra.
.
. "Mulher: Sem Humanidade não há Deus que resista." .
Operação Outono de Bruno de Almeida este em antestreia nacional no último dia do Lisbon & Estoril Film Festival no Cinema São Jorge em Lisboa e no Centro de Congressos do Estoril.
Este filme remete-nos para a orquestração da Operação Outono pela PIDE e que tinha como único intuito a eliminação do General Humberto Delgado (John Ventimiglia) e qualquer pretensão sua para um potencial golpe de Estado que derrubasse o regime fascista em Portugal.
Até ao seu assassinato em Espanha vamos acompanhando todo o processo de planificação da PIDE a cargo de Rosa Casaco (Carlos Santos), Ernesto Lopes (Nuno Lopes), Agostinho Tienza (Marcello Urgeghe) e Casimiro Monteiro (Pedro Efe), mandatados por Barbieri Cardoso (José Nascimento) e Silva Pais (Júlio Cardoso) os cabecilhas da polícia política, bem como a rede montada para que o General pudesse acreditar que em Portugal existiam (há altura) muitos que o queriam acompanhar na sua luta contra o regime.
Este filme, mais um sobre um acontecimento recente da História de Portugal que ainda não está devidamente "resolvido" e menos ainda debatido, já vem tarde. Humberto Delgado representa uma figura política e de resistência portuguesa que está, a meu ver, quase esquecido da mente nacional. Sim, todos nós sabemos quem foi o "General Sem Medo" mas, por outro lado, pouco é discutida a forma como ele foi morto e menos ainda sobre o processo judicial que tinha ocorrido anos depois deste assassinato. Pouco habituados que estamos a filmes históricos (este é um deles e disso não haja dúvida), é agradável perceber que aos poucos alguns dos heróis da nossa História mais recente começam a ser "recuperados" e mediatizados para o maior conhecimento do público em geral.
O argumento escrito também por Bruno de Almeida em parceria com John Frey e Frederico Delgado Rosa apresenta dois importantes aspectos que caracterizam uma certa linha condutora do filme. Por um lado temos uma abordagem aos momentos precedentes e que conduziram ao brutal assassinato do General e da sua secretária bem como o que sucede anos após a Revolução de Abril e ao julgamento destes intervenientes mais de dez anos depois da sua ocorrência. No entanto, por outro lado com o julgamento de alguns dos intervenientes (alguns porque outros nunca compareceram), resta-nos a ideia através de um flashback finald e Casimiro Monteiro, que afinal foi este o único interveniente no assassinato das vítimas deixando uma certa abertura para aquele traiçoeiro pensamento que "afinal os PIDES per si não cometeram acto nenhum além de serem os mandantes".
O estilo documental utilizado por Bruno de Almeida numa boa parte do filme, através da recuperação de imagens da época e das várias cidades em que a história tomou lugar bem como do próprio 25 de Abril, é muito feliz e bem conseguida. Não só nos situamos nos lugares e na importância que há altura tiveram para o desenrolar de todos os acontecimentos como, o mais importante de tudo, é colocarmo-nos na própria época e sentirmos a pressão e o isolamento que os intervenientes de certa forma sentiriam por se encontram a centenas ou milhares de quilómetros do seu país natal. Por momentos recordei outro magnífico filme que recorreu ao mesmo estilo documental e de enquadramento do espectador na história, como é o caso de Vincere de Marco Bellocchio, um dos mais conseguidos do género. No entanto, ao contrário deste, Operação Outono falha num importante aspecto que é a dramatização dos acontecimentos. Se por um lado o enquadramento é bom por outro não podemos esquecer que na reconstituição dos factos é importante que a dramatização efectuada pelos actores seja suficientemente forte para criar uma empatia dos esepctadores para com os acontecimentos. Um dos poucos em que isso é conseguido, arrancando mesmo reacção do público, deve-se ao momento em que Maria Humberta Delgado (Cleia Almeida) parodia com o velório a Salazar, e este não deveria ser o momento com maior impacto desta mesma dramatização.
Absolutamente positivo é o elenco reunido neste filme que é do melhor que poderia ter sido conseguido. Aos já referidos actores há que acrescentar Ana Padrão, Diogo Dória, Adriano Carvalho, Carlos Paulo, Camané (numa surpreendente interpretação), Carla Chambel, João d'Ávila, João Cabral, Rui Luís Brás e Filipe Vargas. Com interpretações mais ou menos secundárias mas todos a estrategicamente encarnar as suas personagens. Impossível é não referir o actor escolhido para dar vida a Humberto Delgado... John Ventimiglia tem não só uma boa interpretação como a nível de caracterização é assombrosamente fiel, fazendo do trabalho de Miguel Dias Esteves e Alda Matos um dos melhores recentemente vistos no cinema nacional.
E tecnicamente falando este filme consegue também ser de excelência. Desde a reconstutição do guarda-roupa através de Lucha d'Orey, da fotografia de Edmundo Díaz que enquadra a própria acção num ambiente muito documental como referi anteriormente ou mesmo a excelente banda-sonora (uma das melhores dos últimos tempos) a cargo dos Dead Combo.
Interessante do ponto de vista histórico bem como pela sua execução técnica e interpretativa, este Operação Outono é assim uma das estreias mais importantes do cinema português que as salas irão ter e que espero não seja esquecido pelo seu próprio público, numa altura em que ele próprio precisa de referências positivas existentes na sua História.
. Filme:L'Intervallo, de Leonardo di Constanzo Interpretação: Melvil Poupaud, Laurence Anyways Pintura:ao quadro de Miqel Barceló, Sueño y Silencio Prémio Especial do Júri "João Bénard da Costa":The Student, de Darezhan Omirbayev e Djeca, de Aida Begic Primeira Obra:Winter, Go Away! Prémio Cineuropa:Rengaine, de Rachid Djaïdani .
. Grande Prémio "Cidade de Coimbra":A Nossa Forma de Vida, de Pedro Filipe Marques Filme:Florbela, de Vicente Alves do Ó Curta-Metragem:Cerro Negro, de João Salaviza Animação:Fado do Homem Crescido, de Pedro Brito Documentário:Complexo - Universo Paralelo, de Mário Patrocínio Revelação:Outro Homem Qualquer, de Luís Soares Actor: Cristóvão Campos, em Nylon da Minha Aldeia Actriz: Dalila Carmo, em Florbela Actor Secundário: Dinarte Branco, em A Moral Conjugal Actriz Secundária: Margarida Carpinteiro, em Assim Assim Realizador: Pedro Filipe Marques, em A Nossa Forma de Vida Direcção Artística: Pedro Sá, em A Vingança de Uma Mulher Fotografia: Acácio Almeida, em A Vingança de Uma Mulher Guarda-Roupa: Produções TCC, em A Vingança de Uma Mulher Caracterização: Abigail Machado, em Florbela Montagem: Raphaël Lefèvre, em A Última Vez que Vi Macau Som: Jaime Barros e Elsa Ferreira, em Florbela Banda-Sonora: André Joaquim, em Assim Assim . Prémio Júri Ensaios Visuais:Do Mundo, de Manuel Guerra (ESTC) . Prémio Dom Quijote:A Nossa Forma de Vida, de Pedro Filipe Marques Menção Honrosa:Complexo - Universo Paralelo, de Mário Patrocínio . Prémio Revista C:Sem Querer, de João Fazenda . Prémio do Público:O Cônsul de Bordéus, de Francisco Manso e João Correa .