sexta-feira, 29 de julho de 2016

MOTELx 2016 - Seleccão Oficial Melhor Curta-Metragem Portuguesa de Terror

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Foram anunciadas as dez curtas-metragens candidatar ao Prémio MOTELx de Melhor Curta-Metragem Portuguesa de Terror para a décima edição do festival que decorre anualmente no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Os nomeados são:
  1. A Caverna, de Edgar Pêra
  2. Dentes e Garras 2, de Francisco Lacerda
  3. JIGGING, de Ramón de los Santos
  4. Na Floresta... Corre!!!, de Nuno Soler e Ruben de Sousa
  5. Oneiros, de Gustavo Silva
  6. Palhaços, de Pedro Crispim
  7. Por Diabos, de Carlos Amaral
  8. Post-Mortem, de Belmiro Ribeiro
  9. Que é Feito dos Dias na Cave, de Rafael Almeida
  10. Retorno, de Manuel Brito
A décima edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa decorrerá entre os dias 6 e 11 de Setembro próximos no Cinema São Jorge, Teatro Tivoli BBVA e na Cinemateca Júnior no Palácio Foz, em Lisboa.
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Halloween Love (2013)

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Halloween Love de Roberto Pérez Toledo é uma curta-metragem de ficção espanhola com a participação de Alejandra Saba e David Mora, um dos actores habituais dos filmes do realizador espanhol.
Ele (Mora) e Ela (Saba) falam sobre o amor, sobre o compromisso e sobre o futuro. Mas... o que há de tão bom no amor quando tudo se rege pela incerteza, pela impossibilidade e pelas incoerências.
O argumento da autoria do próprio Pérez Toledo tece uma diferente abordagem à temática do amor. Se o seu trabalho é tradicionalmente caracterizado pelos encontros amorosos provenientes de um desejo ou empatia comum, em Halloween Love o amor é o mote final receado por "Ela" que pensa em todos os problemas que dele podem surgir e, como tal, evita-o pelo receio do que por ele pode sofrer. Igualá-lo a um filme de terror seria ser generosa... "Ela" teme mais o amor do que os grandes monstros cinematográficos com os quais se poderia cruzar. O amor é medo... receio dos desconhecido e do que o "amanhã" poderá trazer de inesperado.
Assim, e na impossibilidade de amar, "Ela" receia os ciúmes que podem surgir, a vulnerabilidade e a exposição que o amor lhe podem conferir, o pânico que poder deixar de ser amada, a dor no peito com o coração apertado. O amor é, ele sim, o verdadeiro filme de terror. No final, já dispostos a tudo, ambos percebem que viver no terror - talvez nunca concretizado - e ignorando o amor que sentem pode ser, esse sim, o verdadeiro terror. A dor de nunca experimentar e a incerteza do que se pode perder despertam-nos para a realidade do que sentem...
Dos medos nunca conhecidos à confirmação de um desejo sentido, Pérez Toledo volta, uma vez mais, a filmar uma história de amor. Uma que começa por se afirmar pelo medo e pela suspeita - não esqueçamos que estamos aqui na época de Halloween - e que aos poucos se revela comprovando que para lá de um medo incerto, o amor, o desejo e a vontade de o viver afirmam-se com uma convicção que não fala... mas que se sente.
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7 / 10
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Man Under (2015)

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Man Under de Paul Stone é um documentário em formato de curta-metragem norte-americano narrado por Jermaine, um condutor de metro na cidade de Nova York que viveu acontecimentos traumáticos que o marcaram para o futuro.
Desde o seu sonho de criança em tornar-se maquinista até à actualidade, Jermaine fala-nos sobre como a sua vida ficou afectada depois do primeiro acidente mortal em que se viu envolvido. Como o sonho desvanece e os receios deram lugar a alegrias antes vividas, Jermaine e este documentário apresentam toda uma traumática vivência não só deste homem como de toda uma realidade escondida dos olhares daqueles que vivem "lá em cima"... longe dos carris mais ou menos escondidos do metro da cidade que nunca dorme.
Logo os instantes iniciais de Man Under revelam-se como uma estranha bizarria para a qual o espectador parece não estar preparado. O recurso às imagens das câmaras das estações de metro que revelam algumas tentativas de suicídio - algumas, acrescente-se, com um grafismo pouco comum - mostram que para lá do trauma de Jermaine - aqui o rosto de uma depressão colectiva não documentada - existe toda uma comunidade que cedeu a uma desconhecida pressão.
"Suicide doesn't take away the pain. It gives it to someone else" é a frase de abertura de Man Under - 12-9 no código para identificar uma tentativa de suicídio - e todo o documentário não só é uma reflexão sobre a dor psicológica de Jermaine como também abre a porta a conclusões - por parte do espectador - sobre o estado de espírito de uma cidade que desde 2001 vive toda uma nova e diferente realidade (traumática com toda a certeza) como consequência dos atentados terrorista do 11 de Setembro. Ainda que com uma breve mas insuspeita referência ao ano, é de verificar que os estudos efectuados desde então revelam que o suicídio é a maior causa de morte na cidade tendo ultrapassado os homicídios numa escala de 3 para 1.
De uma última necessidade de contacto humano cruzando os olhares de vítima como o inesperado condutor do veículo mortal e a vontade quase escapatória de uma vida que não os deixa viver em tranquilidade, os fantasmas destas pessoas parecem co-habitar neste documentário que para lá dos factos - necessário num registo do género mas ainda assim frios pois esquecem as histórias por detrás dos números - apresenta uma invulgar tensão e um desassossego latente nos seus relatos. Da necessidade de avaliar o stress pós-traumático ao assombro e desconforto provocado por algo que antes o deixara feliz, Jermaine é um rosto marcado por uma dor que não consegue ultrapassar e um sentimento de uma culpa que não consegue controlar, dando a Man Under uma inesperada (des)humanidade que transgride violentamente já não existente tranquilidade de um espectador que se deixa, involuntariamente, absorver por uma mensagem e um conjunto de imagens francamente perturbadoras.
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7 / 10
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quinta-feira, 28 de julho de 2016

Fernando Costa

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1937 - 2016
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quarta-feira, 27 de julho de 2016

Jerry Doyle

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1956 - 2016
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El Colchón (2016)

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El Colchón de Roberto Pérez Toledo é uma curta-metragem espanhola de ficção e um dos últimos trabalhos do realizador espanhol que se prepara para estrear brevemente a sua mais recente longa-metragem Como la Espuma.
Luís (Elías González) e Ela (Verónica Moral) pretendem comprar um colchão. O casal parece distante quando, na realidade, procuram algo que os aproxime.
No seguimento de um conjunto de curtas-metragens realizadas no âmbito do dia de São Valentim, Roberto Pérez Toledo dirige este El Colchón, uma história sobre a passagem dos dias na vida de um casal que se ama mas que parece estar perdido no seio de uma rotina que os distancia.
O amor - uma constante na obra de Pérez Toledo - é aqui filmado em pouco menos de três minutos que, no entanto, captam toda a essência de um sentimento puro e presente entre um casal que percebe atravessar uma pequena turbulência que espera ultrapassar.
Um colchão... um dos símbolos de uma vida comum que aqui ganha contornos de uma potencial (in)felicidade transformando-se numa dor de cabeça para aqueles que o pretendem adquirir. Um colchão que representa um espaço comum mas com lugares "marcados" que em vez de aproximar distancia aqueles que nele se deitam. Um colchão que pode, no entanto, voltar a representar a proximidade de um casal que entende ainda ter aquela chama eterna que os impede a estar juntos e partilharem os seus momentos.
O amor filmado em breves instantes mas de uma forma pura e sentida onde os olhares assumem cumplicidades e os momentos representam toda uma vida passada - e futura - entre "Luís" e a sua mulher que precisavam de uma revitalização do seu romance... tal como nos tempos passados.
Duas inspiradas interpretações de Elías González e Verónica Moral, um argumento e uma direcção de actores inspirada que, repetindo aquilo que já referi inúmeras vezes, fazem de Pérez Toledo um realizador maior quando se trata de filmar o amor... as suas origens... os seus dissabores... e principalmente o seu sentido futuro.
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8 / 10
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Demonstración Pública de Afecto (2016)

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Demonstración Pública de Afecto de Roberto Pérez Toledo é uma curta-metragem espanhola de ficção que nos apresenta um casal idoso (Edna Fontana e Txema Blasco) numa grande superfície onde, de repente, Olga (Fontana) observa dois jovens enquanto tiram uma foto e se beijam de forma apaixonada, questionando-se - e ao marido - porque nunca fizeram o mesmo em público.
Não é surpresa para ninguém que por aqui já escrevi sobre muitos das obras cinematográficas de um realizador que considero ser dos grandes nomes de um novo cinema espanhol. Já afasto a questão de ser uma promessa pois a continuidade do seu trabalho revela que temos um realizador e argumentista que se concentra não só num aspecto romântico de uma relação mas também na forte necessidade de fazer chegar ao espectador uma mensagem sempre actual.
Pérez Toledo, prolífero em histórias centradas em pares românticos entre dois jovens adultos bem como em histórias cuja temática LGBT se marca de forma vincada, cria com Demonstración Pública de Afecto uma história romântica onde os protagonistas são tantas vezes esquecidos como o são quando a idade já é mais avançada. Forçando a sua entrada de forma segura pelo campo das relações entre idosos, Pérez Toledo levanta aqui uma quase eterna questão... Como vive a população mais sénior a sua afectividade, o romance e, porque não, a sua própria sexualidade?
Fruto de uma educação diferente daquela que grande parte de nós manifestou e teve, de regimes políticos e de um conservadorismo que - felizmente - muitos de nós não conheceu, como viveram "os nossos avós" a sua intimidade, a sua afectividade e mesmo o seu amor? Pérez Toledo responde a esta questão com mestria ao revelar que essa necessidade de afectividade e carinho existe, que nem sempre foi manifestada e que mais tarde ou mais cedo um dos dois intervenientes nestas relações "mais vividas" sentirá a vontade de os reclamar.
De forma tímida, a intensa Edna Fontana exibe através do seu olhar e de pequenos trejeitos nas suas expressões aquele vazio sentido de uma vida em comum, com respeito, cumplicidade e entrega mas que falhou na expressão do toque, dos afectos "extra o necessário" e de um não tão simples "amo-te" que pode preencher todo um coração. No entanto, é a ainda mais expressiva afectividade de Txema Blasco que de um homem relativamente frio se transforma num coração aberto que tece a mais linda declaração de amor àquela que, finalmente, assume ser o amor de toda a sua vida.
Para lá de um conto sobre o amor e ainda mais forte do que um qualquer cartão de São Valentim, Demonstración Pública de Afecto é um hino a um amor celebrado mas talvez não confirmado e uma segura aposta na abertura e desmistificação de um tabu sobre o afecto e a afectividade entre pessoas com uma idade mais avançada que Pérez Toledo não só escreveu mas ao qual também deu uma alma imensa com duas interpretações soberbas de Fontana e Blasco.
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9 / 10
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Eurofan (2015)

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Eurofan de Roberto Pérez Toledo é uma curta-metragem espanhola de ficção com as interpretações de Sara Sálamo como a Namorada de um fã da Eurovisão (José Sospedra), encontrando-se ela indecisa sobre a verdadeira sexualidade do seu namorado.
Num registo cómico muito específico, Eurofan celebra as expectativas e as diferenças dentro de uma relação cujos dois protagonistas parecem ainda estar a descobrir. De uma atracção física que o espectador nunca chega a presenciar, estes dois namorados acabam, na sua essência, por não se conhecer. Quando depois de uma convivência em comum se descobrem pequenos grandes detalhes que, afinal, marcam a existência de uma suspeita ou de um comportamento que - para ela - é desviante, resta então um inesperado confronto que poderá tudo resolver... ou talvez não!
Sempre com um fundo sério e introspectivo mas com uma comédia apurada por detrás de cada palavra dita e momento vivido, esta curta-metragem de Roberto Pérez Toledo prima por um humor subtil mas também muito vincado numa certa perspectiva de que nunca se conhecem na totalidade as pessoas com quem convivemos, Eurofan deixa o espectador - no final - tal como a sua protagonista... incerto sobre as suas dúvidas e certo de que algo mais existe por contar sobre o "eurofan" e seus amigos "twitterianos"...
Fresco pelo seu humor muito particular e com o potencial suficiente para deixar a curiosidade sobre estas personagens, seus passados e pequenos segredos escondidos, Eurofan é a prova - mais uma - sobre todo um potencial artístico e imaginativo de um realizador e argumentista como o é Pérez Toledo.
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7 / 10
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Como Dos Desconocidos (2016)

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Como Dos Desconocidos de Roberto Pérez Toledo é uma curta-metragem espanhola de ficção que numa breve caminhada por um corredor de um supermercado, Eva (Violeta Orgaz) reencontra o amor da sua vida (Fernando Guallar) de quem recentemente se separou.
Com os sentimentos ainda à flor da pele e uma ruptura que aparentemente não fez esquecer todo o amor, Eva tem uma inesperada surpresa que a faz repensar naquilo que sente por Ele.
Repetindo aquilo que já aqui referi inúmeras vezes, o realizado Roberto Pérez Toledo revela-se a cada uma das suas pequenas curtas-metragens como um mestre na exposição visual dos sentimentos humanos. Em breves momentos - não esquecer que pouco ultrapassa os três minutos de duração - Como Dos Desconocidos é brilhante na forma como expõe uma evidente - mas não observada - separação, o inesperado reencontro no qual o espectador compreende que os sentimentos ainda existem e estão bem vivos e ainda o prenúncio de uma reconciliação que, ainda que tímida, se sente e está bem presente.
Os desencontros amorosos, por motivos que o espectador nunca conhece mas que, na prática, também não interessam, dão lugar ao reencontro, à percepção de um sentimento mútuo e vivo capaz de reconciliar sem grandes palavras - é assim o amor... - e principalmente a um acto de ternura acentuada, mas também um pouco sofrida, que apenas o São Valentim (sempre tão presente) pode confirmar.
Terna e por momentos algo desesperante - o amor declarado e não correspondido de imediato a isso obriga - Como Dos Desconocidos rapidamente se apodera do coração do espectador mais incrédulo.
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8 / 10
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Doce o Trece Tequieros al Mes (2016)

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Doce o Trece Tequieros al Mes de Roberto Pérez Toledo é uma curta-metragem espanhola de ficção onde Ele (Yerai León) e Ela (Elena Martínez) falam sobre o "viver juntos" enquanto estão no supermercado. Enquanto para Ele este será um processo normal da vida a dois... para Ela... a conversa é outra. Poderá este casal resistir ao primeiro prenúncio de um desentendimento?
Pérez Toledo que como já aqui referi anteriormente é um mestre a filmar pequenas e não tão simples histórias de amor, volta a esta temática com Doce o Trece Tequieros al Mes onde sob a perspectiva de um casal, o espectador fica a conhecer as diferentes dinâmicas e pontos de vista sobre o amor, a liberdade e o primeiro e mais importante "passo seguinte": o viver juntos.
Ao contrário das tradicionais histórias sobre relacionamentos onde a mulher encarna o papel daquela que pretende uma relação estável, duradoura e cúmplice sob o mesmo tecto onde a vida se constrói - nada mais, nada menos - a dois, nesta curta-metragem Pérez Toledo reverte os papéis conferindo à personagem interpretada por Elena Martínez, a descrença e desconfiança para um romantismo que, na sua opinião, já não existem. Tudo prova o contrário - afirma algures - e as estatísticas revelam que as relações sob o mesmo tecto têm mais probabilidade de terminar do que aquelas que se têm e vivem a uma distância "saudável" onde persiste a vontade de estar com o outro. Mas será que "Ele" pensa de igual forma?
Num espaço público onde se assistem aos comportamentos dos demais que, de certa forma, comprovam a teoria que "Ela" tem, conseguirá o seu par não formal convencê-la de outra coisa quando nem a um jantar romântico de São Valentim a consegue levar? Poderão eles resistir juntos ao tempo? Às adversidades que, na prática, nunca serão comuns? Ao tempo - esse que tudo confirma ou separa e que segundo "Ela" também irá estabelecer os limites da sua relação?
Num mundo em que tudo parece controlado a um parâmetro de sociabilização aceitável e onde uma mensagem a mais pode significar uma quebra de liberdade para quem a recebe, Doce o Trece Tequieros al Mes tenta - positivamente - quebrar os tabus modernos e estabelecer que o romantismo (quando espontâneo) ainda existe, é recomendado e sobretudo... desejado.
Com todo o fulgor de uma carreira cinematográfica que já confirmou que as relações, a vida a dois - e não só - o sentimento, o amor, o desejo e o sexo são o seu elemento fundamental, Roberto Pérez Toledo assume-se naturalmente como um mestre num novo cinema sentimental... espanhol e não só.
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8 / 10
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segunda-feira, 25 de julho de 2016

El Incendio (2015)

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O Incêndio de Juan Schnitman é uma longa-metragem argentina recentemente estreada em Portugal centrada nas vinte e quatro horas anteriores à escritura de compra de casa de Lucía (Pilar Gamboa) e Marcelo (Juan Barberini). Mas ao dirigirem-se para finalizarem a compra, esta é adiada para o dia seguinte. A frustração dá lugar a momentos de tensão colocando à prova toda uma relação de cumplicidade e afectividade que até então parecia abalada.
Desde os primeiros instantes que o argumento de Agustina Liendo torna perceptível para o espectador que a relação deste casal se fundamenta numa tensão recalcada que ambos tendem a esconder. A falta de vontade em acordarem para um novo dia ou mesmo a incerteza face a sentimentos e vontades de estarem juntos cuja pressão é negociada para "momentos mais tarde", fazem o espectador compreender que existe algo para lá de simples momentos de uma vida e convivência em comum. Algo atormenta as suas existências e esta partilha de momentos, as suas vontades e principalmente uma relação que parece ter tudo para iniciar um caminho comum. Os silêncio que agora começam descontroladamente a assumir o lugar de uma violência contida e que, de certa forma, resume não só aquilo que ambos reservaram para si em nome de uma relação mas também as frustrações acumuladas de uma vida que sentem não estar completa.
É esta violência que, aliás, caracteriza as suas vidas de uma forma geral. Por um lado percebemos que "Marcelo" se sente diminuído não só num trabalho como professor de jovens desprivilegiados onde a defesa pessoal é confundida com agressividade, como também por parte do dinheiro que servirá para comprar a casa juntamente com "Lucía" ter vindo das mãos do seu sogro que (nunca confirmado) vê nele um incapaz de sustentar a mulher. Violência esta que se manifesta também numa vontade cada vez maior que "Lucía" sente de se distanciar dele primeiro recusando qualquer contacto sexual e de seguida privando-o de uma afectividade que, em tempos, tinha caracterizada a relação de ambos e notada pelos parcos comentários que os amigos lhes tecem. O mesmo ambiente de pressão e agressão que oscila entre o física e a verbal é também sentida por ela ao ponto de começar a sentir os seus efeitos num estado de saúde que parece deteriorar-se lentamente.
Se é certo que a convivência de ambos denota alguma agressividade, distanciamento e tensão, não é menos verdade que ao mesmo tempo se sente um estranho receio de algo... O espectador percebe-os comprometidos com algo que não assume uma forma física ou material mas que, no entanto, paira no ar assombrando aquilo que em tempos parece ter sido perfeito e a confiança outrora sentida parece agora estar, também ela, comprometida dando lugar a comportamentos semi-selvagens, quase animalescos, e tal como dois animais em estado livre amam-se e odeiam-se em igual intensidade não conseguindo demonstrar qualquer tipo de afectividade para lá daquela onde a força física esteja envolvida.
"Marcelo" e "Lucía" são assim o espelho de uma sociedade que não pára. Uma sociedade que não joga pelas mesmas regras naturais e de lealdade e que destrói com mais rapidez e assertividade do que aquela com que constrói e num mundo em que um elemento começa a sentir privação de concretização dos seus objectivos, as muralhas de auto-preservação em tempos construídas começam lentamente a abrir uma brecha e a sua ruína anuncia-se para breve.
O conflito - que precede o "incêndio" - vive-se pelos seus silêncios, pela impossibilidade ou pouca vontade de os quebrar e que, como tal, dão lugar a um constante e crescente desconforto, desconfiança, indiferença, asco e até ódios que, todos eles, não só contribuem e agravam aqueles demais problemas com os quais têm de lidar e que se agravam com a natural pressão social e dos pares, como apenas serão resolvidos com a instigação de uma violência inerente a qualquer animal que, sentindo-se encurralado, se quer libertar.
Com duas interpretações violentamente inspiradas de Pilar Gamboa e de Juan Barnerini que no fundo mais não são do que um retrato ferido de uma geração agora nos trinta com poucas perspectivas de sonhos outrora sonhados, El Incendio primeiro corrompe a alma para depois deixá-la com o único recurso possível... o de um silêncio posterior a uma violência interior onde o "eu" percebe que nada poderá ser igual ao que se teve... mesmo quando uma casa nova pode (poderia) representar todo um novo começo.
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7 / 10
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Hola, Mamá, Hola, Papá (2016)

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Hola, Mamá, Hola, Papá, de Roberto Pérez Toledo é uma curta-metragem espanhola de ficção e o mais recente trabalho do realizador espanhol que se prepara para lançar Como la Espuma, a sua terceira longa-metragem - quarta se contarmos com o seu segmento de Al Final Todos Mueren (2013).
Ele (Daniel de Llano) viajou até Madrid para a exibição de um musical e, no quarto de hotel, grava uma mensagem em vídeo com todos os seus planos para poder enviar aos pais... Na capital espanhola decorre o Orgullo Gay e Ele não se encontra sózinho.
Em breves minutos Roberto Pérez Toledo consegue, uma vez mais, entregar uma curta-metragem que não só denota as habituais característica do seu trabalho no qual exibe com extrema sensibilidade a emotividade e o sentimentalismo de uma relação afectiva como, ao mesmo tempo, também retira dos seus actores sentidas e honestas interpretações que os faz "viver" momentos dramáticos e reveladores com a convicção de que o "amanhã" será sempre melhor.
A personagem interpretada por Daniel de Llano - perfeito no seu desempenho - é um jovem homossexual que vive na sombra do segredo que tem, até então, moldado a sua liberdade à boa convivência com os demais. Naqueles instantes e naquele quarto de hotel, "Ele" é um jovem que tenta suavizar todo o ambiente em que se encontra de forma a que aquilo que precisa e tem de dizer saia de forma menos assustadora - para ele e para aqueles a quem envia o vídeo - e o seu coração está (eventualmente) tão grande como aquele pequeno quarto de hotel. Num misto de confiança e insegurança, "Ele", firme do seu momento revela-se para uma câmara e apresenta "Mário" (Miguel Ángel Bellido), o seu namorado que conhecera meses antes e com quem agora se prepara para viver um momento... o seu.
O estilo de vídeo confessionário termina quando a gravação chega a um fim e num segundo momento desta curta-metragem - agora entre "Ele" e "Mário" - debate-se se poderá ou não enviar a mensagem que irá mudar radicalmente a sua vida. Decidido que está o espectador a presenciar os resultados desta mensagem de vídeo, o desfecho pode não ser aquele que espera mas, no entanto, não querendo isto dizer que se prepara para um drama existencial - esse sim vivido com o segredo que guardou durante anos - que possivelmente termina ali, mas sim pelo facto de Pérez Toledo não "permitir" ao espectador presenciar esse mesmo final que se espera... Afinal, há momentos que apenas estão reservados àqueles que realmente interessam e, neste caso - apesar da ficção -, esses são entre a família que se depara agora com uma revelação/confissão transformadora e que permitirá conhecerem-se uma vez mais... e melhor.
Como já referi - aqui e noutros comentários já efectuados à obra de Pérez Toledo - este realizador espanhol é não só do mais prolífero na entrega de sucessivos e brilhantes registos sentimentais e das relações afectivas entre amantes ou namorados e amigos conseguindo, normalmente em breves instantes, retirar uma intensidade e carga dramática desarmantes das suas personagens e dos seus actores (também eles do melhor que o país vizinho tem para oferecer) e com isso conquistar toda uma legião de seguidores confirmando - com segurança - que a sua obra irá resistir não só no tempo como naqueles que o irão acompanhar (serei seguramente um deles...).
Com um pulso firme, uma emotividade exemplar, um argumento irrepreensível e duas sólidas interpretações que cativam o espectador, Hola, Mamá, Hola, Papá e Pérez Toledo estão, sem sombra de dúvidas, em estado de graça.
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8 / 10
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Festival Ibérico de Cine de Badajoz 2016: os vencedores

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Curta-Metragem: Classmate, de Javier Marco
Segundo Prémio: El Pescador, de Alejandro Suárez
Curta-Metragem Extremeña: Las Reglas del Subjuntivo, de Leticia Torres
Prémio Cexeci Jurado Jovem: Maria do Mar, de João Rosas
Prémio do Público: No Estamos Aquí para que nos Toquen los Huevos, de Kike Barberá
Prémio do Público de Olivença: Los Ángeles 1991, de Zacarías & MacGregor
Prémio do Público de Villanueva del Fresno: Adila, de Rubén Llama e Alejandro Manzano
Realizador: Alejandro Suárez, El Pescador
Actor: Alex Brendemühl, No Estamos Aquí para que nos Toquen los Huevos
Actriz: Patricia Arbués, La Invitación
Argumento: Belén Sánchez-Arévalo, Classmate
Fotografia: Paulo Menezes, Maria do Mar
Música Original: Pablo Vega, El Pescador
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Premios Platino del Cine Iberoamericano 2016: os vencedores

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Prémios Oficiais
Filme Ibero-Americano de Ficção: El Abrazo de la Serpiente, de Ciro Guerra
Prémio Platino Camilo Vives - Obra Prima: Ixcanul, de Jayro Bustamante
Documentário: El Botón de Nácar, de Patrício Guzmán
Filme de Animação: Atrapa la Bandera, de Enrique Gato
Realizador: Ciro Guerra, El Abrazo de la Serpiente
Interpretação Masculina: Guillermo Francella, El Clan
Interpretação Feminina: Dolores Fonzi, Paulina
Argumento: El Club, Pablo Larraín, Guillermo Calderón e Daniel Villalobos
Montagem: El Abrazo de la Serpiente, Etienne Boussac e Cristina Gallego
Fotografia: El Abrazo de la Serpiente, David Gallego
Música Original: El Abrazo de la Serpiente, Nascuy Linares
Direcção Artística: El Abrazo de la Serpiente, Angélica Perea
Som: El Abrazo de la Serpiente, Carlos García e Marco Salavarria
Prémio Cine y Educación en Valores: Que Horas Ela Volta?, de Anna Muylaert
Platino de Honor: Ricardo Darín
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Prémios do Público
Filme Ibero-Americano de Ficção: Ixcanul, de Jayro Bustamante
Interpretação Masculina: Ricardo Darín, Truman
Interpretação Feminina: Penélope Cruz, Ma Ma
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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Command Action (2015)

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Command Action de JP Miranda Maria é uma curta-metragem brasileira de ficção presente na secção competitiva da primeira sessão do Shortcutz Rio de Janeiro eque fez parte da selecção do Festival Internacional de Cinema de Cannes em 2015.
Encontramo-nos num mercado. Tudo se vende... Tudo se compra. Os comportamentos assumem-se como os de mais um dia de luta e árduo trabalho. Um jovem rapaz observa todas as interacções entre vendedores e clientes e conta o seu dinheiro. Mas de repente ele vê-se a braços com o sobrinho... ainda bebé.
O argumento da autoria de Fernanda Tosini tem a si subjacente um certo vislumbre a um meio desprivilegiado onde as carências económicas e principalmente as afectivas se misturam e confundem deixando para trás todos aqueles que esperam e desejam algo mais que, na prática, nunca chega. Perdido no meio desta confusão social está um jovem que, dentro das suas possibilidades (será dinheiro para um brinquedo... será para compras para a casa...) deseja com fervor algo que nunca teve e que possivelmente nunca poderá ter... ou poderá? No meio de tantos produtos alimentares e das inúmeras histórias pessoas que escuta das dificuldades alheias e dos sonhos não concretizados dos demais, ele apenas tem olhos para a pequena banca de brinquedos que o seduz e o deixam fantasiar com uma pequena e melhor esperança. O pequeno robot que compra (pensamos) poderá ser a última réstia de esperança de alguém que aos poucos parece dissipar-se num espaço grande demais para os seus - também grandes - sonhos e que o fazem desaparecer dentro do seu próprio silêncio.
Com um sentimento de revolta silenciosa e de desejo de algo maior - e melhor - que parece não chegar, Command Action é, afinal, a imagem de um mundo potencialmente marginal e sem grandes perspectivas onde, no entanto, os sonhos são maiores do que a própria vida.
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7 / 10
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Sangra Tango (2014)

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Sangra Tango de Luizo Vega é uma curta-metragem experimental francesa com as interpretações do próprio realizador juntamente com Staiv Gentis.
Com duas fontes inspiradoras, Sangra Tango oscila entre os primórdios do tango na qual a dança tradicional de Buenos Aires era interpretada por dois homens e a representação bíblica do conto dos irmãos Abel e Caim - onde este último mata o primeiro cometendo portanto o primeiro homicídio da História (sob uma perspectiva biblíca-religiosa).
A dança, tal como uma luta, é um jogo de dominação onde dominador e dominado exercem uma qualquer forma de poder. Quem comanda a dança? Quem ganha a luta? Num jogo que é assumidamente cúmplice e onde é necessário um elevado nível de confiança - afinal, ninguém as executa correctamente se não existir um grau de entrega no parceiro -, o espectador assiste a uma sucessão de momentos que, intercalados entre si, denotam uma clara coreografia de ritmo, sedução, afectividade e masculinidade inerentes a uma dominação intuitiva que precedem um clímax extremo e claramente mais violento.
Quase de forma inconsciente Sangra Tango é como que a já referida passagem bíblica. Dois homens, irmãos, cúmplices e criados num mesmo espaço cedem à tentação e à vontade de agradar. Um inveja o outro pela sua natural aptidão por uma liderança por exemplo e pela proximidade e, como tal, impõe-se através de uma violência desconhecida e ocultada que o fará vingar a sua vontade no final. Num jogo de movimentos e de uma sensualidade que os aproxima do ritmo perfeito, os dois tentam e testam os limites alheios e as barreiras imaginárias que se auto-impõem.
Alheados de um espaço que lhes é exterior, estes "Caim" e "Abel" de tempos relativamente modernos impõem a sua relação de dominador e dominado numa coreografia de tango onde um existe para ser o sacrifício do outro. Um existe para brilhar enquanto o outro existe para ser sacrificado para a sua glória. Força, expressividade, masculinidade e sedução mesclam-se e confundem-se como um jogo de poder e dominação que só termina com a rendição de um deles.
Sem um argumento ou narrativa que possibilitem o espectador ir mais além pelas suas próprias deduções, Sangra Tango consegue ter uma vida graças à sinopse facultada nos primeiros instantes onde o espectador inicia - de seguida - a sua viagem e a sua leitura das imagens a que assiste retirando das mesmas alguma tensão homo-erótica implícita não só na dança como na luta coreografada que, a certa altura, se diluem fazendo ambas parte de um mesmo momento.
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7 / 10
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Pele de Pássaro (2015)

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Pele de Pássaro de Clara Peltier é um documentário em formato de curta-metragem brasileiro que fez parte da secção competitiva da primeira sessão do Shortcutz Rio de Janeiro.
Tuane Rocha é uma bailarina. Presa a uma casa com grandes sonhos de e sobre o mundo, Tuane dá todo um novo sentido à sua vida - para lá das favelas - quando dá corpo e vida às interpretações artísticas que faz com factos brilhantes que a transformam noutra pessoa.
Se o espectador inicialmente pensa que está perante um "filme de Carnaval", as "certezas" cedo desaparecem quando Pele de Pássaro se afirma como um sentido e honesto retrato de uma vida que, como tantas outras, se perde em sonhos aparentemente grandes demais e viagens nunca executadas mas que, no entanto, persistem no imaginário daqueles que sentem e ousam pertencer a outro lugar que não aquele em que se encontram.
A realizadora e argumentista Clara Peltier filma então este olhar honesto e simples de uma mulher: Tuane. Do interior da sua humilde casa onde são filmados de forma mais ou menos ingénua aquelas inúmeras marcas de locais dos quais apenas ouvir falar - Paris, Londres, Moscovo... - e que o espectador percebe serem sonhos que um dia sonhou e com uma vivência familiar que a aproximam de tantas outras mulheres que têm a já referida casa e uma família da qual tratar, até ao "boneco" que veste nos inúmeros desfiles carnavalescos ou eventos que anima como casamentos, festas e eventos para os quais é convidada e que se assumem como o seu "ganha pão" e sustento que agradece de forma sentida, Tuane é uma mulher que se deixou eclipsar mantendo os sonhos mas perdendo (eventualmente) a convicção de que alguma vez se encontrará em todos aqueles lugares.
Da sua casa humilde numa qualquer favela a luxuosos hóteis em que se prepara para ser a próxima atracção de uma qualquer festa, Tuane revela também o seu outro lado... Aquele em que longe das luzes, do brilho, da cor e da agitação de uma vida encenada mostra o poder de uma caracterização inexistente que dá lugar a uma mulher igual a tantas outras com uma vida normal e uma existência que se dissipa na multidão.
De uma honestidade extrema que exemplifica os dois lados de uma vida - e de um mundo - onde por um lado se dá cor ao sonho e ao poder da imaginação e por outra se sente a realidade diária de uma vida com expectativas e onde os sonhos não passam disso mesmo, Pele de Pássaro é um sentido e por vezes também emotivo registo da diferença que os separa.
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7 / 10
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Limbo (2015)

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Limbo de Luizo Vega é uma curta-metragem experimental francesa onde quatro performers - Staiv Gentis, Arthur Gillet, Golan Yosef e Luizo Vega - interpretam de acordo com as suas bases "representativas" momentos não coreografados de uma expressão corporal livre com o fim último de um êxtase natural.
Da dança ao desporto sem esquecer o teatro como base fundamental da representação que todos tentam transmitir através da sua performance, Limbo capta a essência da exaltação ou êxtase animal existente dentro de cada um. Ao ritmo de um conjunto de movimentos expressivos, que aparentemente não coreografados exibem uma coordenada naturalidade, esta curta-metragem pretende mostrar o lado mais selvagem do Homem enquanto um animal socializado mas que no seu próprio universo é tão ou mais selvagem do que aquele que permaneceu inalterado durante os tempos. Sem qualquer privação da sua própria individualidade, estes homens transformam-se - ainda que por momentos - no tal ser marginal que vive num limbo entre o mundo que o "normalizou" perante os demais, e aquele espaço privado e interior onde todos os seus instintos mais primários continuam a existir.
Violento e por vezes descontrolado, Limbo é um interessante registo sobre aquele preciso momento em que, sem perceber, o Homem se deixa levar pelos seus impulsos mais primários e selvagens.
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6 / 10
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terça-feira, 19 de julho de 2016

Garry Marshall

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1934 - 2016
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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Festival Internacional de Curtas-Metragens de Vila do Conde 2016: os vencedores

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Competição Internacional
Grande Prémio do Festival: From the Diary of a Wedding Photographer, de Nadav Lapid
Curta-Metragem Europeia (EFA): Home, de Daniel Mulloy
Ficção: Limbo, de Konstantina Kotzamani
Documentário: Notes from Sometime, Later, Maybe, de Roger Gómez e Dani Resines
Animação: Decorado, de Alberto Vázquez
Prémio do Público: Decorado, de Alberto Vázquez
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Competição Nacional
Filme: António, Lindo António, de Ana Maria Gomes
Prémio Blit - Realizador: Gabriel Abrantes, A Brief History of Princess X
Prémio do Público: António, Lindo António, de Ana Maria Gomes
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Curta-Metragem Experimental: Bending To Earth, de Rosa Barba
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Curtinhas
Prémio MAR Shopping: Moom, de Robert Kondo e Daisuke 'Dice' Tsutsumi
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TAKE ONE!
Filme: Pronto, Era Assim, de Joana Nogueira e Patrícia Rodrigues
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Videoclip
Videoclip: Villa Soledade, dos Sensible Soccers, por Laetitia Morais
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domingo, 17 de julho de 2016

Human (2015)

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Human de Yann Arthus-Bertrand é um documentário em formato de longa-metragem francês e um dos filmes mais cativantes e emotivos sobre aquilo que poderemos apelidar de Humanidade.
Com o recurso de belíssimas imagens das mais variadas anónimas paragens pelo planeta, Human exibe longos segmentos de entrevista às mais variadas pessoas sobre temas como o Amor, o Trabalho, a Terra, a Pobreza, a Riqueza, a Guerra, a Família, a Morte, a Felicidade, a Educação, os Refugiados, as Migrações ou a Justiça deixando, no final, uma não tão simples questão... qual o significado da vida?
Ao longo de mais de três horas, o realizador Yann Arthus-Bertrand consegue, desta forma, captar alguns dos mais lúcidos e temerosos registos de vidas que, anónimas, conseguem revelar dos mais profundos pensamentos sobre o mundo e sobre a Humanidade. Sobre o propósito - ou falta dele - da vida. Sobre as transformações e sobre momentos fracturantes na vida dos mais diversos entrevistados que, de uma ou outra forma, os levaram a um rumo diferente daquele tido até então. Num conjunto de registos emocionante - alguns francamente emotivos pelo contexto e forma como são expostos pelos entrevistados das mais diferentes e diversas partes do globo -, Human fala sobretudo daquilo que nos transforma e do que nos faz Humanos. De momentos ou situações na vida que de forma mais ou menos aleatória (im)possibilita um conjunto de oportunidades e alterações que são encaradas como os "porquês" de toda uma existência seja ela completa, feliz e realizada ou, por sua vez, a confirmação de que certos acontecimentos deitam tudo - numa vida - a perder.
Human inicia com a exibição dos rostos de várias pessoas e um momento num qualquer canto do mundo que será, à partida, anónimo. Conheça o espectador ou não onde se encontra, aquilo que irá importar a partir deste momento é a compreensão de que estamos algures no mundo e as histórias que nos serão relatadas. Começamos com o Amor numa entrevista que é imediatamente esclarecedora de que este se pode imediatamente confundir com dor. Aliás, os dois sentimentos ou sensações estão, para o primeiro entrevistado, intimamente ligados na medida em que apenas conheceu o segundo como uma reacção de um amor nunca sentido. Amor esse que, dependendo da parte do mundo em que se encontre o entrevistado, pode ser representado pelo casamento, convivência em comum, uma manifestação do sexo (ou ao revés), de felicidade, de amizade, de unidade mas também de poligamia... De alegria mas de uma igual tristeza, ódio ou violência. Da vida, da doença e igualmente da morte. As experiências aqui partilhadas diferem das diferentes culturas, dos mais diversos ambientes e sobretudo da exposição a que cada um destes Humanos teve ao mesmo. Não conseguindo encontrar uma forma única de o caracterizar - aliás, nem ao Amor nem a nenhum dos demais temas - Human prima pela honestidade com que estes registos chegam ao espectador e pela forma cândida com que cada um abraça a câmara... frente a frente sem mais ninguém.
É dentro deste primeiro segmento que o espectador denota as primeiras diferenças culturais mas que, ao mesmo tempo, chegam sob a forma de uma surpresa na medida em que comparativamente a duas entrevistas - África e Estados Unidos -, o primeiro entrevistado revela que gosta de cozinhar porque lhe dá prazer servir as refeições à família enquanto que o segundo - nos EUA - confessa que a mulher tem de o perceber e servir sem questionar. É esta improvável relação do Homem e do seu ambiente - um tradicionalmente mais conservador e o outro mais liberal - que, invertidos, revelam não só as inesperadas surpresas de um mundo que nos rodeia como também o quão "pequeno" e desconhecer é o Homem sobre tudo aquilo que pode estar à distância de uma cidade.
Os papéis e dicotomias sociais também chegam em Human ao serem abordados temas como o aborto, a liberdade e o divórcio. A forma como a liberdade da mulher em determinados locais do mundo fá-la ser apenas considerada como um objecto impossibilitada de decidir sobre o seu rumo e poder viver as consequências das suas escolhas. No entanto, ao mesmo tempo, o espectador observa no mais remoto dos locais do mundo como a mulher, sob outras circunstâncias, assume um papel social de liderança tão importante e fundamental como aquele tido pela homem.
Directamente relacionado com este relevância social tanto de homem como de mulher está, obviamente, a importância do Trabalho que pode ser considerado desde aqueles que tratam da terra, como alguém que passeia animais... da prostituição a trabalhos de limpeza... uns tidos livremente e outros sob a forma de escravatura que os impedem de ter a sua própria propriedade e, como tal, a sua dignidade e liberdade. Das saudades da família e do país que se deixou para trás, ao esgotamento, à solidão, à exaustão, aos sacrifícios e às derrotas, dos objectivos comprometidos à humilhação, à perda, a devastação, a depressão, o desemprego tão próximo de tantas realidades nos dias que hoje correm terminando na raiva de ver em tardia idade que nada são... e nada têm. Da Pobreza à Riqueza sem esquecer no extremo a mendicidade, Human capta não só as pessoas como os seus momentos... Aqueles em que se encontram e também os que os levaram até ao preciso momento em que falam para uma câmara em estilo de confessionário sobre o seu passado... o seu presente e, em alguns casos, nas perspectivas que têm para um futuro que ainda não chegou.
De uma praia onde a multidão impede de ver a água a um casamento sumário sem esquecer um tão abrangente jogo de futebol para equiparar todo um conjunto de comportamentos e rituais que se tornam semelhantes indiferenciando a celebração a que se assiste. O Homem - no seu conjunto - é capaz dos mais belos rituais de harmonia como do mais sangrento conflito como nos é dado a conhecer pelos relatos daqueles que passaram por uma Guerra e que nela testemunharam o lado mais negro do Homem... enquanto suas vítimas. De África à Síria, do Cambodja à Europa, do Rwanda ao Iraque, as histórias de barbárie ultrapassam a imaginação humana verbalizando todo um sem número de histórias de horror e sobrevivência e dos traumas que lhes foram deixados hoje, anos depois de todos estes conflitos terem terminado... Mas também são deixadas breves mensagens de esperança na tentativa de compreender o "outro" para humanizá-lo e transformá-lo num "eu". Curioso o relato de um pai palestiniano que perdeu a sua filha às mãos de um soldado israelita e que afirma que não está no seu "direito" perdoar a sua morte como também não está no seu direito vingá-la em seu nome, assistindo o espectador a uma estranha e por vezes difícil de compreender reacção de uma paz que jamais conseguirá compreender.
Curiosos são ainda alguns registos que insistem em permanecer na memória do espectador mais atento como, por exemplo (destaco os meus), quando um aborígene fala sobre o facto de, na sua língua, não existirem as palavras "por favor" e "obrigado" pois é esperado do Homem a partilha como um seu sentimento e comportamento inerente e normal. No entanto, devido a uma extrema industrialização e sua consequente desumanização... o Homem é hoje capaz de negar comer, abrigo, educação e saúde. Ou ainda o testemunho de Mujica - Presidente do Uruguai - que diz defender a sobriedade em vez da pobreza na medida em que o Homem deveria compreender que passa uma vida a lutar por ter dinheiro para comprar o que quer tendo, de seguida, pouco tempo para viver e usufruir daquilo pelo qual lutou, gastando toda uma vida perdendo dessa forma a sua liberdade.
Tão curiosos como as mensagens de uma paz e tranquilidade que também inundam Human através dos relatos sobre a Família e a importância que todos os seus membros têm, a falta que fazem quando um já não se encontra presente. Como alguém que foi forçado a abandonar a sua família por uma crença religiosa diferente e equaciona agora, mais "perto" da sua morte sobre se alguém o irá chorar visto a sua família não manter qualquer tipo de laços afectivos. O tal medo da Morte... do eventual anonimato que se lhe precede e a eterna questão sobre se existirá algum testemunho da sua mais ou menos breve passagem por um mundo que não pára e que não espera por ninguém e as expectativas sobre a vida, a morte, o legado e a marca da presença acabam por ser, independentemente da cultura de onde se provêm, estranhamente (ou talvez não) semelhantes.
Ao som de uma constante música original de Armand Amar - compositor já nomeado aos César da Academia Francesa de Cinema - alguns destes entrevistados reflectem ainda sobre a Felicidade que chega sob diversas formas ou a Educação como um dos mais importantes veículos contra não só a ignorância mas também pela independência individual proporcionando todo um conjunto de oportunidades que, de outra forma, estariam vedadas ao Homem proporcionando assim uma maior Justiça social e humana.
No final resta apenas uma questão que é brilhantemente respondida por um entrevistado brasileiro... Qual o sentido da vida? Esta, diz, "é o carregar de uma mensagem da criança que fomos um dia ao velho que somos, sem deixar que essa mensagem se perca."... E ao espectador, passadas três horas que estão de um longo e emocionante conjunto de entrevistas, resta apenas tentar reter a brilhante mensagem de Yann Arthus-Bertrand que o coloca em diversos pontos do globo com um conjunto de questões cujas respostas chegam sob as mais diferentes origens sócio-económicas e culturais provando que por mais distante que se encontrem os indivíduos têm, todos eles, expectativas comuns para o seu futuro... Vivem um presente por vezes comum... e têm, em muitos casos, passados com pontos de encontro muito próximos.
Human é... numa breve - muito breve - palavra... um Triunfo.
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10 / 10
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sábado, 16 de julho de 2016

Alan Vega

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1938 - 2016
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Ice Age: Collision Course (2016)

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A Idade do Gelo: O Big Bang de Galen T. Chu e Mike Thurmeier é o quinto e mais recente título da saga animada pré-histórica iniciada em 2002.
Depois de uma vida aparentemente normal onde as aventuras de outros dias deram lugar ao marasmo de uma vida "adulta", Manny (voz de Ray Romano), Diego (voz de Denis Leary) e Sid (voz de John Leguizamo) juntam esforços a Buck (voz de Simon Pegg) para defender o planeta Terra de uma destruição provocada pelo embate de um asteróide. Mas nem tudo é tão fácil quanto aparenta... especialmente quando Scrat (voz de Chris Wedge) se encontra num improvável lugar...
Num registo muito semelhante àquele que os quatro anteriores títulos já haviam entregue ao espectador doseando o humor pelas suas personagens principais que, no entanto, já não dividem o tempo de antena que anteriormente registaram. Se é verdade que "Scrat" mantém o apontamento cómico que caracteriza, no fundo, todos os segmentos mais ligeiros dentro de uma saga que é já de si... ligeira preservando a sua importância para todos aqueles momentos "históricos" que o espectador pensava terem sido provocados pela evolução mas que mais não são do que consequências directas do seu acto - lembremo-nos por exemplo da deriva continental -, o mesmo já não se pode dizer da importância que o trio protagonista aqui mantém.
Se por um lado observamos os conflitos geracionais entre "Manny" e uma "Peaches" agora jovem mulher mamute que deseja a sua independência - momento que é, aliás, um dos principais para a continuidade desta saga que fará de "Manny" um avô-mamute numa das próximas entregas - e se "Sid" é basicamente a desgraça com pernas, pouco cérebro e muito coração que parece ter finalmente encontrado a sua metade, o mesmo já não se pode dizer de "Diego" que aqui tem aquilo que num filme de ficção o espectador apelidaria de "participação especial" mantendo a lembrança de que existe mas sem grande contributo real para a história. Que a amizade entre os três parece intacta é um facto, mas fica no ar a questão de... até que ponto se pode manter um trio protagonista quando parece haver tão pouco conteúdo para um (por agora) deles?!
Com um argumento aparentemente direccionado para "todo o público" com algum enfoque numa camada adolescente que - confirme ou não - também vê filmes de animação, os problemas dos três protagonistas passam pela perpetuação da sua existência, pela criação de família, por aquilo que deixarão para um mundo que não pára de evoluir (muito para sua própria desgraça) e para aqueles que ficarão depois deles... as mulheres, os filhos e a eternidade, Ice Age: Collision Course tem ainda uma certa característica ambiental revelada com a preservação de um planeta que pode - a qualquer momento - desaparecer com actos irreflectidos provocados pela manutenção de hábitos que parecem mais prejudiciais do que benéficos em nome de uma imagem de beleza e juventude eterna que mais não são do que ficção... numa animação.
Que esta saga está longe de terminar julgo ser do senso comum. O trio protagonista e um eterno "Scrat" - que não me espantaria poder vir a ter a sua própria longa-metragem - têm aventuras suficientes para entregar ao espectador apaixonado por estas histórias pré-históricas e ainda que Ice Age: Collision Course seja eventualmente o título mais frágil dos cinco já apresentados, não deixa de ser uma realidade que todos nós acabamos sempre por ficar rendidos pelas aventuras aqui retratadas - mesmo quando elas vão para lá da estratosfera - esperando que o próximo chegue o quanto antes.
Divertido, bem-disposto e revelador de que a já referida pré-história tem ainda muito por contar - sem esquecer a presença alienígena - Ice Age: Collision Course não esquece, enquanto uma boa longa-metragem de animação, os valores tradicionais inerentes à mesma como a família, a amizade e a capacidade altruísta de alguém se poder sacrificar em nome daqueles que mais ama.
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7 / 10
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quarta-feira, 13 de julho de 2016

Hector Babenco

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1946 - 2016
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terça-feira, 12 de julho de 2016

Shortcutz Viseu - Sessão #78

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O Shortcutz Viseu está de regresso depois de uma pequena pausa para a sua Sessão #78. No habitual segmento de Curtas em Competição serão exibidos os filmes All I Want, de Vera Casaca e Vazio, de Bruno Gascon, realizador que estará presente para a apresentação do seu filme.
No secção Curta-Metragem Convidada será exibido a curta de animação Pronto, Era Assim, de Joana Nogueira e Patrícia Rodrigues que, juntamente com o produtor, estarão presentes para falar sobre o seu filme.
Finalmente regressa o segmento de Projecto Convidado onde será apresentado o Ciclo de Cinema Ucraniano, por Olga Bogachevska.
Como já é tradição, o local ideal para se falar e ver bom cinema é o Carmo'81 - Rua do Carmo 81, em Viseu - a partir das 22 horas da próxima sexta-feira.
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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Emma Cohen

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1946 - 2016
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Balada de um Batráquio (2016)

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Balada de um Batráquio de Leonor Teles é um documentário em formato de curta-metragem português e a mais recente vencedora do Urso de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Berlim na respectiva categoria.
Tudo começa com uma lenda de um mundo distante em que Homens, Animais e Plantas conviviam numa perfeita harmonia... mas com a ausência do sapo... um animal feio e indesejado. Sapo esse que, no mundo real e em que hoje vivemos, é usado nas montras ou entrada de certos estabelecimentos como forma de neles impedir pessoas de etnia cigana.
Através de um registo pessoal no qual recorre a gravações em Super 8 que o espectador deduz - e confirma perto do final - pertencerem ao seu historial, Leonor Teles cria com Balada de um Batráquio uma interessante e mordaz alegoria sobre uma sociedade em que alguns seres humanos se aproveitam de uma superstição e de uma crença antiga (ou talvez não tão antiga quanto isso) como forma de excluir outros seres humanos do seu espaço.
Dividido em dois segmentos distintos, Balada de um Batráquio apresenta num primeiro momento - com o recurso sempre presente de imagens familiares e pessoais da realizadora - a reflexão sob a imagem de uma lenda. Uma lenda de um mundo pseudo idílico onde todos viviam numa aparente harmonia desde que no mesmo não estivesse presente aquele que todos consideravam um animal "medonho"... o sapo.
Como que um passado da presente actualidade e, no fundo, a queda da Torre de Babel onde flores, animais e homens deixaram de comunicar e viver numa intensa harmonia (que não o era pela ostracização do sapo), Balada de um Batráquio apresenta o seu segundo momento recorrendo a imagens desta actualidade onde a realizadora - activa personagem da sua própria história - surge como uma justiceira que elimina os objectos de uma ostracização que perdura (in)conscientemente na sociedade e que impede pela tal superstição a livre movimentação de todos.
Por (in)consciente refiro que para a maioria das pessoas é distante a ideia de que existe esta descriminação para com uma parte da população graças à exibição de um "sapo de loiça". Objecto este que veda a entrada de pessoas de etnia cigana nos mais diversos estabelecimentos mas que, todos nós, já vimos expostos na entrada dos mesmos sem questionar o seu porquê. Assim, num gesto de rebeldia que pretende não só quebrar barreiras como também afirmar a existência de um acto discriminatório - inconsciente ou não - por parte de quem expõe estes objectos, Leonor Teles cria um pequeno mas mordaz documentário que acerta no ponto certo expondo uma discriminação silenciosa, bem como a passividade com que todos observamos algo sem questionar os seus propósitos e principalmente afirma-se pela e com a extrema vontade não só de quebrar esta exclusão como também de alertar aqueles que a desconhecem.
Tal como o sapo que se faz explodir na lenda contada no primeiro segmento e que cria, dessa forma, toda a diversidade existente no mundo que "hoje" conhecemos, Leonor Teles quebra todos aqueles de loiça que "propagam" uma silenciosa discriminação numa sociedade que se quer plural, diversa e multicultural.
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8 / 10
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domingo, 10 de julho de 2016

Karlovy Vary International Film Festival 2016: os vencedores

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Competição Oficial
Globo de Cristal: Ernelláék Farkaséknál, de Szabolcs Hajdu
Menção Especial: Dincolo De Calea Ferata, de Catalin Mitulescu e Vlk z Královských Vinohrad, de Jan Nèmec
Prémio Especial do Júri: Zoologiya, de Ivan Tverdovskiy
Documentário: LoveTrue, de Alma Har'el
Menção Especial: Ama-San, de Cláudia Varejão
Realizador: Damjan Kozole, Nocno Zivljenje
Actor: Szabolcs Hajdu, Ernelláék Farkaséknál
Actriz: Zuzana Mauréry, Ucitelka
Prémio do Público: Captain Fantastic, de Matt Ross
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East of the West
Filme: House of Others, de Radusu Glurjidze
Prémio Especial do Júri: Päevad, Mis Ajasid Segadusse, de Triin Ruumet
Prémio Europa Cinema Label - Filme Europeu: Original Bliss, de Sven Taddicken
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Prémios Não-Oficiais
Prémio FIPRESCI: Original Bliss, de Sven Taddicken
Prémio Júri Ecuménico: Le Confessioni, de Roberto Andò
Prémio FEDEORA (Federação Críticos de Cinema Europa e Mediterrâneo): Collector, de Alexei Krasovskiy
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quinta-feira, 7 de julho de 2016

Guilherme Karam

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1957 - 2016
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terça-feira, 5 de julho de 2016

Por un Beso (2016)

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Por un Beso de David Velduque é uma curta-metragem espanhola de ficção que nos conta a breve história de amor entre Tomás (Pelayo Rocal) e Andrea (Fernando Hevia) desde o instante em que os seus olhares se cruzam até ao momento em que um deles é vítima de um crime de ódio.
Com argumento de Pelayo Rocal que aqui é também um dos dois actores presentes nesta curta-metragem, Por un Beso é não só a tal história de amor como principalmente uma história que quer mostrar este amor como qualquer outro, livre de preconceitos alertando, no entanto, para a crescente onda de crimes de ódio contra a comunidade LGBT a que a cidade de Madrid tem assistido nos últimos tempos.
Sem complexos, insinuações ou sugestão, Por un Beso capta o amor tal como ele é. O amor pela forma como inesperadamente surge na vida dos seus dois intervenientes que, desarmados, trocam um primeiro e intenso olhar. Um olhar que se repete marcando uma certa ironia do destino que comunica que aquele é o "tal" momento que deve ser agarrado e vivido. Desde esse primeiro olhar ao primeiro encontro onde a curiosidade inunda de perguntas banais o tal "encontro", passando pela primeira ida a uma discoteca, o primeiro beijo e o primeiro contacto sexual que os confirmam como o próximo casal, Por un Beso concentra-se quase exclusivamente na ideia de que o espectador está perante uma história de amor... como qualquer outra. No entanto, é esta mesma história de amor que acaba - pensamos - por um acto de incompreensão e violência extrema característicos do crime de ódio que a mesma denuncia nos seus instantes finais.
Com a colaboração na produção da revista Shangay, Por un Beso é para além de um relato de amor a necessidade da denuncia de um crime que ocorre muito num silêncio e na sombra da realidade dos dias que se vivem e por esse mesmo motivo, necessária para o conhecimento de todos, e com duas interpretações inspiradas e cúmplices que se completam deixando o espectador conhecer o "depois" dos instantes que não deveriam ser finais... porque o amor deveria ser sempre triunfante.
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8 / 10
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Father and Daughter (2000)

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Father and Daughter de Michael Dudok de Wit é uma curta-metragem de animação naquela que é uma co-produção britânica/belga/holandesa e a vencedora do Oscar na respectiva categoria em 2001.
Um pai despede-se da sua filha ainda criança e parte num barco. Tal como passam as estações, assim passam os anos que fazem aquela jovem criança tornar-se numa adolescente, numa mulher casada e mãe e finalmente numa mulher de idade avançada que nunca esqueceu o local no qual se despediu do seu pai.
Com uma sentida e intensa dramatização da passagem do tempo, dos anos e de certa forma da vida como um momento pleno das suas diversas etapas, momentos e estações, Michael Dudok de Wit - realizador e argumentista de Father and Daughter - cria uma história que assenta essencialmente em duas premissas fundamentais. A primeira, que está directamente relacionada com a passagem do tempo e deste sobre o desenvolvimento e crescimento de uma jovem criança, compara as estações do ano aos diversos momentos de uma vida. Da infância à paixão, da maternidade à velhice, Father and Daughter não esquece que o tempo passa marcando não só o meio como principalmente o indivíduo.
O segundo momento desta curta-metragem está directamente relacionado com o primeiro na medida em que diz respeito à memória. Como os locais marcam os momentos e como estes se transformam em representações de uma saudade sentida e experimentada que, independentemente do tempo cronológico passado, persiste na mente, nos sentimentos e nas vontades que (in)voluntariamente ganham a sua própria forma. Ao mesmo tempo, e por muito que se viva e experimente... todos acabam por regressar àquele local onde sentem - e eventualmente compreendem - terem sido (um dia) plenamente felizes.
Numa animação sem diálogo e que se assume ao espectador como um traço semelhante ao de uma pintura - como no fundo é o vestígio de uma memória ida no tempo - Father and Daughter termina com a confirmação (para o realizador) que existe algo para lá de um desconhecido apenas vivido numa determinada altura e que mais cedo ou mais tarde todos compreender que terá de ser ultrapassado e confirmado podendo apenas desta forma reencontrar aquilo que se perdeu.
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8 / 10
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Storkward (2016)

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Storkward de Karl Davis é uma (micro) curta-metragem neo-zelandesa de animação que dá a conhecer ao espectador uma figura do imaginário de qualquer criança que escutou aquela velha história de que todas as crianças vêm de Paris transportadas por uma cegonha.
Quando no meio de mais uma missão esta cegonha se vê no meio de uma violenta tempestade na qual perde a sua mais preciosa encomenda... apenas lhe resta chegar ao destino com pouco mais do que a sua presença para apresentar. Mas... será que os resultados da sua turbulenta viagem são assim tão maus?
Com um sentido de humor apurado e uma execução simples mas muito competente que faz desta curta-metragem um simpático achado, Storkward recupera um certo imaginário e uma inocência infantil desarmantes bem como um simpático e original (inocente) protagonista que tem os seus propósitos e objectivos bem definidos - chegar ao seu destino - mesmo que tenho de atravessar as mais variadas adversidades e perigos atmosféricos. Num mundo perfeito - adianto - a "Cegonha" teria a sua própria longa-metragem onde as suas origens, eventuais treinos e missões seriam alvo de muita aventura e consequente curiosidade.
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7 / 10
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Accidents, Blunders & Calamities (2015)

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Accidents, Blunders & Calamities de James Cunningham é uma curta-metragem neo-zelandesa de animação onde um pai opossum (desconhecia que em português era utilizada uma variação do inglês), avisa através de um pequeno conto infantil, as suas duas jovens crias para os perigos de um mundo que os espera "lá fora"...
Num estilo muito próprio de comédia negra que não esconde o terror ou a sensação de perigo inerente ao conto per si, Accidents, Blunders & Calamities é uma elaborada animação que através de um crescendo de intensidade, cria no espectador a sensação de um clímax (in)esperado que o irá não só surpreender como principalmente desarmar.
Assim, e de A a Z, Accidents, Blunders & Calamities apresenta-nos as vítimas, um conjunto de pequenos insectos, répteis e mamíferos que, junto de uma aparente normal e tranquila convivência nos meios mais ou menos urbanos, encontram o seu trágico final às mãos - e pés - de um terrível e ameaçador predador... o Homem.
O espectador, encantado com uma óbvia excelência técnica desta curta-metragem e da respectiva animação que transforma todo o seu espaço natural num campo minado e repleto de minas e armadilhas, é alertado para toda uma realidade que está, normalmente, longe do seu real entendimento... aquele pequeno e diversificado universo de pequenos seres que partilham o mesmo espaço - os já referidos animais - e que face às aparentes distintas dimensões para com o Homem, se transformam em vítimas inconscientes das suas actividades diárias onde pés - principalmente - podem significar a extinção da espécie.
Com uma mais ou menos intencional mensagem ambiental e ecológica, Accidents, Blunders & Calamities reflecte não só sobre a eventual extinção destes pequenos seres mas também sobre os perigos que a mesma representa para todo um ecossistema que deles depende e que é lentamente destruído pela mão do Homem. Assim, sob a forma de um conto infantil que parece tudo menos ingénuo, esta curta-metragem de animação transforma-se num objecto negro, por vezes tenebroso, mas sempre com algum humor (negro) que tenta ilustrar que o mundo real é muito mais do que aquilo que os olhares desinteressados do Homem conseguem alcançar.
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8 / 10
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segunda-feira, 4 de julho de 2016

Warcraft (2016)

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Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos de Duncan Jones é uma longa-metragem norte-americana - em co-produção com a China, Canadá e Japão - e a mais recente adaptação cinematográfica de um jogo online seguido por milhões de fãs.
Num mundo em guerra entre Orcs e Humanos, uma horde orc comandada por Gul'dan (Daniel Wu) pretende invadir o planeta Azeroth através de um portal mágico que se alimenta da energia dos prisioneiros que tem em cativeiro.
Numa improvável aliança entre os orcs Durotan (Toby Kebbell), Garona (Paula Patton) com Llane Wrynn (Dominic Cooper), o Rei de Azeroth e o seu cunhado Anduin Lothar (Travis Fimmel), que com o apoio do mago Khadgar (Ben Schnetzer) irá tentar travar a propagação do mal destruindo as pérfidas intenções de Gul'dan e, pelo caminho, pacificar os reinos e os seus diferentes mundos.
Com um argumento da autoria do próprio Duncan Jones em parceria com Charles Leavitt, Warcraft recupera interessantes e bem pensados elementos de obras cinematográficas passadas que aqui encontram uma estranha mas curiosa adaptação. Todo o universo em que o espectador está inserido é uma ambiência familiar de trilogias como The Lord of the Rings (2001, 2002 e 2003) e The Hobbit (2012, 2013 e 2014) onde estranhas criaturas dos mais diversos e profundos mundos se cruzam num mesmo espaço e numa luta pelo poder e controlo dos territórios naquele que, em espaço temporal terrestre, se poderia considerar a Idade Média. A magia e os encantamentos antigos cruzam-se com problemas modernos como a escravatura, o domínio dos mais poderosos em relação aos mais fracos e, de uma forma geral, a corrupção do ser por forças que num lento crescendo ocupam a mente e os corações daqueles que lhes pensam resistir mas que se deixam dominar pelo capricho mais antigo... o próprio poder.
Mas as semelhanças com outras obras cinematográficas não param por aqui. Warcraft recupera ainda uma já conhecida essência de Star Wars - a "fel" que corrompe a "força" do bem - bem como um improvável mas evidente piscar de olho a The Ten Commandments (1956) com a captura do descendente do "traidor" que é, depois deixado escapar elevado por um rio na esperança de que o salvador chegue um dia mais tarde para libertar todos os oprimidos que ousem segui-lo tendo, no fundo, um destino ou propósito comum... a luta do Bem contra o Mal que enquanto dura... perdura.
Tido como o primeiro título de uma saga que poderá ser extensa tal a riqueza das suas personagens, universos e espaços, Warcraft é silenciosamente assumido como o capítulo inicial, ou seja, aquele filme que todo o espectador mais atento percebe ser o primeiro de muitos que irão chegar e que aqui serve quase exclusivamente para a apresentação das suas principais personagens, quais as origens daquilo que ainda irá surgir e, essencialmente, o capítulo que revela as principais premissas base, alianças, rupturas não esquecendo, claro, as relações que irão surgir para lá daquelas traçadas em campo de batalha... Será possível um amor inter-espécies?
Com uma mensagem que acaba por ser eterna e transversal a todos os universos - reais e imaginados -, Warcraft questiona ainda o espectador sobre o que realmente separa diferentes indivíduos? No próprio início da trama uma simples frase esclarece o mais desatento... há anos que se trava uma guerra que ninguém já conhece os seus motivos... No fundo, existirão motivos para uma guerra? Motivos para uma guerra que ninguém entende e cujo único propósito parece ser a aniquilação alheia? No entanto, é também desta guerra sem sentido e sem um propósito explícito para além daquele da tomada do poder, que surge a eterna questão... poderá ser na diferença que reside a salvação de todos os mundos? Poderá ser esta diferença o resultado de uma mútua compreensão e eventual pacificação? Poderá a mesma ser a resposta a uma crescente corrupção e vontade de dominação?! A diferença, tantas vezes tida como objecto de discórdia, acaba por se transformar na resposta para a resolução de todos os problemas... afinal, é na aceitação do próxima e das diferenças/qualidades que o caracterizam que reside uma resposta universal que precede a compreensão de que para mundos diferentes... leis diferentes... com o propósito último do respeito para com todos.
O argumento que visa tocar em todas estas premissas em pouco mais de duas horas de duração acaba, para tristeza do espectador, por abrir vários rumos e caminhos sem que na realidade sejam todos devidamente articulados e encerrados. Em Warcraft aquilo que é evidente, é que ao servir de uma obra introdutória para os futuros e eventuais capítulos, deixa mais perguntas em aberto tentando criar a expectativa do que o que "aí vem" é mais... e melhor. No entanto, sem uma sequela já previamente preparada, o efeito espectacular de Warcraft é toda a sua rica componente técnica que se inicia com os seus efeitos visuais que criam, literalmente, novos mundos para o mundo sem esquecer claro, a magnífica direcção de fotografia de Simon Duggan que leva o espectador a navegar por ricos e verdejantes locais como, de repente, a verdadeiros campos de batalha onde se sentem as cores - ou ausência delas - da morte num misto de exuberantes detalhes que obrigam a mais do que um visionamento. Igualmente exímio o guarda-roupa de Mayes C. Rubeo que, tivesse o filme estreado numa época mais perto do final do ano, seria lembrado na respectiva atribuição de prémios... facto que duvido que se venha a confirmar e a óbvia caracterização fruto da existência de vários mundos e seres distintos.
Com um espírito que se distancia das tradicionais adaptações de videojogos com personagens estereotipadas e ocas - atente-se no potencial dramática que as personagens interpretadas por Paula Patton e Travis Fimmel tem ainda pro entregar não só individualmente mas também em relação à sentida química entre ambos -, Warcraft deixou uma boa sensação como o mais recente filme que mescla aventura, acção e magia mas que, no entanto, precisa desesperadamente que lhe dêem a sua devida continuidade e uma maior exploração e profundidade nas já referidas personagens para que não se transforme de filme sensação em filme desilusão (pela falta dessa mesma continuidade).
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"Anduin Lothar: Some see death as having some greater purpose, but when it is one of your own, it is hard to grasp anything good comes from it."
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8 / 10
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