A Família Bélier de Eric Lartigau é uma longa-metragem de ficção francesa nomeada a vários César da Academia Francesa de Cinema tendo saído vencedora do de Actriz Revelação atribuído a Louane Emera.
Paula (Emera) é uma jovem adolescente e a única na família que consegue ouvir. O pai Rodolphe (François Damiens), a mãe Gigi (Karin Viard) e o irmão Quentin (Luca Gelberg) são surdos-mudos desde nascença e Paula ajuda-os em todas as tarefas burocráticas e laborais tendo-se tornado adulta antes do seu tempo.
Na escola Paula tem uma paixoneta por Gabriel (Ilian Bergala) pelo que se inscreve nas aulas de coro para poder passar mais algum tempo com ele. No entanto, e contra tudo aquilo que ela própria pensava, Paula revela uma magnífica voz sendo convidada para um concurso de canto e bolsa de estudo pelo seu professor Fabien (Eric Elmosnino). Conseguirá Paula deixar a sua família e rumar para outra cidade?
O argumento original de Eric Lartigau, Thomas Bidegain, Victoria Bedos e Stanislas Carré de Malberg é uma pequena pérola e este filme poderá - infelizmente - passar ao lado do grande público que prefere ignorar cinema falado que não em língua inglesa. Para lá de mais uma comédia francesa, La Famille Bélier é sim uma comédia mas uma que prefere abordar as excentricidades de uma família invulgar sem esquecer todos os dramas que estão associados não só à condição que afecta três dos seus membros mas também aqueles de uma família com dois adolescentes e uma activa vida profissional que não esquece um pequeno toque de política.
Longe de uma qualquer comiseração ou indulgência pelo casal protagonista, La Famille Bélier aborda questões de dois pais que vivem uma vida livre de preconceitos e com uma acentuada dose de carisma onde residem os seus espíritos livres, encarando a fase de crescimento dos seus filhos de forma livre e libertária celebrando não só a vida como todos aqueles pequenos momentos que partilham de forma empolgante como se o último momento que vivem fosse o seu último. Os Bélier são, essencialmente, uma família longe de todas as formalidades e códigos... Aliás, o único código que têm é simplesmente não existirem regras per si.
Mas o que acontece quando um destes elementos, aqui pela personagem "Paula" interpretada por uma inspirada Louane Emera, revelam que a sua vida está para lá daquela pequena vila onde sempre viveu? O que acontece quando se percebe que existe tanto para lá daquilo que sempre se conheceu mas que, ao mesmo tempo, separar-se daqueles com quem se têm os mais fortes elos provoca uma dor nostálgica profunda? É esta mesma dor que leva a que se inicie o primeiro momento de tensão entre pais e filha - principalmente mãe e filha - que revela a dor que sentiu ao ter uma filha "diferente" - para eles... tal como já havia sido mencionado ao longo do filme que também o tal bezerro era diferente dos demais - e que sempre havia odiado pessoas que ouviam... "Gigi", num desempenho magnífico de Karin Viard nomeado ao César, é uma mulher que sofre pela segunda vez... Primeiro por ter uma filha que revela ter pensado com quem não saberia comunicar, e agora de quem tem uma dependência extrema e que vê finalmente "partir".
Neste que é um dos mais tensos e "amargos" momentos de La Famille Bélier, o que se celebra não é essa indiferença entre mãe e filha mas sim a forma encontrada pela primeira de se separar - arriscaria dizer rejeitar se não fosse tão cruel - da sua prole em nome de uma auto-preservação sentimental e emocional que percebe não conseguir controlar. "Paula" é como o elo de ligação da família ao resto do mundo e ainda que sabendo interagir com os demais, "Gigi" entende que não poderá voltar tão depressa a contar com o apoio da sua filha sendo mais fácil afastá-la do que viver com a dor de lhe ter dado a sua benção.
Mas não há momento como aquele em que a família se "reencontra", e Eric Lartigau filma com uma sensibilidade extrema os momentos em que os pais Bélier assistem não só ao dueto da sua filha com "Gabriel" como também à audição que a jovem "Paula" faz na escola. Se no primeiro momento Lartigau priva o espectador de escutar o dueto colocando-o na mesma situação que os seus pais podendo apenas assistir às reacções e emoções que o restante público emite, no segundo faz da audição da jovem um momento de verdadeira comunicação com os seus pais através da linguagem gestual que esta havia ensaiado. Dois momentos verdadeiramente emotivos que apenas encontram igual na despedida final da jovem e da restante família que não revelarei na esperança de que este comentário chegue a alguém e desperte a sua curiosidade em assistirem a um filme diferente mas que preenche pela sua franqueza e transmissão de momentos de uma disposição verdadeiramente contagiante.
Se de Karin Viard ou de François Damiens muito se poderia dizer sobre o seu mais que confirmado talento, é de Louane Emera - justa vencedora do César Revelação - que se tem de fazer notar um comentário bem positivo não só pelo seu sentido de comédia recatada como principalmente pela sua entrega e dedicação à expressão de um conjunto de sentimentos que podendo ou não fazer uma lágrima fazem, com toda a certeza, despoletar todo um conjunto de emoções.
Um filme simples, bem disposto mas também emotivo... La Famille Bélier é a confirmação de que o cinema francês (sobre)vive com boa saúde, com disposição e muita dedicação sem medo de contar bem histórias diferentes mas simples. E o espectador que atente aos momentos musicais... os mais poderosos de todo o filme...
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8 / 10
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