quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

The Birth of a Nation (2016)

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O Nascimento de uma Nação de Nate Parker é uma longa-metragem norte-americana baseada nos acontecimentos verídicos que envolveram Nat Turner - aqui interpretado por Nate Parker - um escravo nas plantações de algodão do sul dos Estados Unidos.
Após os mais variados testemunhos e relatos em primeira mão sobre os martírios e violência física e psicológica a que a população afro-americana sofria nas referidas plantações, Nat viria a orquestrar uma revolta com o intuito da libertação dos escravos das mesmas podendo, dessa forma, caminhar rumo à tão ansiada liberdade.
Seguindo uma já longa tradição de filmes do género e que têm o seu expoente máximo no filme 12 Years a Slave (2013) , de Steve McQueen, The Birth of a Nation, o tão esperado filme revelação de Nate Parker, assumia-se como o "seguimento" do mesmo e o filme sensação de Sundance que cativou público e júri. No entanto, e apesar de um início interessante e cativante sobre os destinos de um homem que estava destinado a uma grande obra em nome do seu povo escravizado cai, infelizmente, num caminho complicado e que não dignifica nem a História nem os crimes contra a Humanidade que se esperavam ver aqui retratados - não direi de forma isenta - mas francamente mais objectiva ao ponto do espectador os sentir como se a si fossem dirigidas.
"Nat Turner", filho de escravos no sul de uns Estados Unidos assumidamente esclavagistas, nasce e tem uma infância onde é tido como alguém marcado por Deus para um propósito maior. A sua curiosidade e amizade com o filho dos donos da plantação "ofereceu-lhe" a possibilidade de saber ler e, como tal, ter uma educação mais privilegiada em relação àqueles que com ele nasceram nas mesmas condições. Educado no seio de uma fé cristã, "Nat" transforma-se em idade adulta no esperado "orador" religioso para os escravos das plantações e "seduzido" a tolher os desejos de uma liberdade por parte dos mesmos que poderia colocar um final aos seus martírios físicos e psicológicos bem como à sua prisão a céu aberto. É principalmente nesta sua viagem pelas demais plantações que "Nat" se familiariza cada vez mais com estes martírios, com a violência a que os escravos estavam sujeitos bem como para com a deterioração de que os seus corpos e almas são vítimas. "Nat" conhece para lá da violência, a desumanização do Homem, do seu espírito e das suas liberdades que mais não são do que meras miragens.
No entanto, e para aqueles que têm ainda bastante presente o filme de Steve McQueen, as expectativas com The Birth of a Nation caem em saco roto ao confirmarmos que aqui estamos perante não um retrato sobre esse período negro da História, mas sim sobre um relato proto-religioso sobre a intervenção da mão divina nos destinos do Homem que joga, de certa forma, com a projecção de Nate Parker enquanto actor, realizador, produtor e argumentista de uma história que deveria brilhar para lá da sua própria intervenção. Por outras palavras, o espectador assiste a Parker como o homem todo poderoso de uma história que deveria ser isenta da sua imagem - enquanto criador da mesma - e centrar-se na pesada e trágica história real de um homem que sentiu ter uma missão... a da liberdade... sua e do seu semelhante.
Há excepção de um breve segmento numa plantação onde "Nat" e "Samuel" (Armie Hammer) encontram a tortura e o seu carrasco em primeira mão testemunhando o sofrimento de vítimas indefesas pelo simples poder de "poder fazer" bem como os retratos de uma população branca esclavagista que tortura física e psicologicamente - tão bruto o momento em que "Elizabeth Turner" (Penelope Ann Miller) nega a um jovem "Nat" a possibilidade de ler um qualquer livro remetendo para as suas mãos o único capaz de lhe instruir algo... a Bíblia, como todos os demais em que a violência é física  - The Birth of a Nation perde-se (infelizmente) numa quase assumida auto-promoção do seu realizador/argumentista/produtor/intérprete a "caminho dos Oscars", em detrimento do essencial... a História e a sua memória. Isto é, se o espectador sabe que este é um dos muitos períodos negros de toda a História e se muito certamente tem diversos conhecimentos sobre o mesmo, a grande questão que se levanta muito friamente é se conseguimos criar alguma empatia com este história que tenta ser um relato ora documental ora ficcionado mas que insiste em não factualizar nada mas sim torná-lo forçadamente num épico... Num filme que se espera ficar - também ele - na História e que seja assim que esta fique cumprida. Não longe do impacto mediático obtido por 12 Years a Slave mas sim da forma como este conseguiu criar uma - mais uma - abordagem à consciencialização hsitórica, The Birth of a Nation resume-se a ser aquele filme que fez muito alarido sem que, no entanto, a sua criação fizesse justiça ao passado, à história dentro da História e aos seus principais intervenientes e vítimas.
Um filme histórico não tem de ser necessariamente épico. Por vezes este género afirma-se simplesmente pelo poder e força da sua mensagem. Pela forma como as histórias de pequenos grandes homens que transformaram a História se assumiram - no seu tempo - como determinantes para a consciencialização ou formação de uma "classe"... de uma "ordem"... e é exactamente esse elemento que parece ficar em falta em relação a "Nat". Nate Parker consegue - por diversos momentos - lançar a sugestão que ele é mais importante que o heróico homem que interpretou e até mesmo da história que tem de transmitir. Parece evidenciar mais o lado metafísico de um pensamento tido - não esqueçamos nunca a religiosidade de "Nat" - deixando de lado o Homem (ele) e da sua (não tão) simples condição enquanto indivíduo de outra etnia num mundo que o desprezava e que via nele menos do que aquilo que é... um Homem, transformando-o num soldado divino e redentor esquecendo que ele era simplesmente um homem como tantos outros que na época "errada" ousou cometer o crime maior... pensar em liberdade esquecendo até retratar como devida honestidade e precisão o principal e maior resultado deste desejo centrado na revolta dos escravos contra os seus "donos" (cruel palavra se pensarmos que falamos de seres humanos), aqui retratada como breves minutos e assemelhando-se a uma obrigatoriedade que Parker sentiu ter para a conclusão do seu filme.
Tecnicamente entusiasmante graças, por exemplo, a uma inspiradíssima direcção de fotografia de Elliot Davis que parece recriar no ambiente atmosférico a carga pesada e destrutiva que aqueles tempos impunham, com um guarda-roupa de Francine Jamison-Tanchuck e dotado de uma digna caracterização todos eles capazes de chegarem às nomeações aos já referidos Oscars, The Birth of a Nation deixa o espectador num misto de incerteza e compreensão não sobre os factos, afinal todos eles estão lá ainda que levianamente retratados, mas sim sobre se esta era de facto a obra que Parker queria apresentar como o "trabalho final".
Se Parker não se destaca enquanto intérprete protagonista desta longa-metragem, o mesmo já não se poderá dizer de uma espantosa Gabrielle Union que agarra todos os seus breves momentos no ecrã para dominar a atenção do espectador que esquece - durante todos eles - tudo o que demais se passa à sua volta, ou até mesmo das ainda mais breves interpretações de Aunjanue Ellis como a mãe de "Nat", firme, silenciosa e dotada de uma energia amordaçada que nos esmaga, de Aja Naomi King como a doce e encantadora mulher de "Nat", ou até Esther Scott como a avó maternal e preocupada dona de sonhos que não ousa proferir mas que os seus ternos olhos fazem chegar até ao espectador apanhando-o surpreendentemente desprevenido. Como todos os filmes do género merecem o seu vilão, Jackie Earle Haley é morbidamente assustador e cativante o suficiente para percebermos que temos ali uma óptima interpretação mas que, pela quase irrelevância que a sua personagem tem para a dinamização da história, o espectador esquece-o muito rapidamente.
Artisticamente competente, The Birth of a Nation não é, no entanto, aquele grande filme redentor de um 12 Years a Slave como se fez esperar durante meses constituindo-se, ainda assim, um obra para a qual se deve louvar o esforço e - de certa forma - empenho de Nate Parker.
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"Bridget: To watch a strong man broken down is a terrible thing."
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6 / 10
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