terça-feira, 30 de maio de 2023

Compañeiros (2022)

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Compañeiros de Fernando Tato (Espanha) centra-nos no reencontro de dois colegas de escola depois de trinta de anos sem se verem. Fraga (Adrián Castiñeiras) é surpreendido pela presença de Fran (Pedro Brandariz) que rapidamente se apresenta como o antigo colega de liceu. Mas, um reencontro que se esperava breve, pelo menos assim o queria Fraga, cedo se transforma num momento estranho e desconfortável do qual se quer ver livre. Mas... será que Fran o deixa seguir o seu caminho ou espera dele algo que Fraga não lhe quer dar?
O realizador Fernando Tato assina o argumento desta curta-metragem em parceria com José Prieto conferindo-lhe contornos de uma história de ódio, vingança e desdém. Compañeiros, que facilmente poderíamos traduzir enquanto "amigos" ou até mesmo "companheiros" aqui assume-se como a tal história de "colegas" de escola que anos depois se reencontram tendo um já esquecido o outro... e este último nunca ultrapassando os traumas de liceu que lhe ficaram desde os primórdios da sua adolescência. Pretende-se um reconhecimento... um pedido de desculpas que ficou por dar... a constatação de que aqueles tempos não foram fáceis e que muitos lhe conseguiram sobreviver literalmente à custa de sangue, suor e muitas lágrimas que por vezes se deixaram escapar em silêncio escondidos dos olhares públicos. E é aqui que a mente e compreensão do espectador começam a trabalhar assumindo, logo de imediato, a empatia para com uma das personagens. "Fran", o tipo que ainda se revela como o "chato" de serviço, que não se cala e pretende toda a atenção do ex-colega que mantém os mesmos traços de "popular" do liceu que o primeiro nunca havia conseguido. Mas, o porquê desta insistência anos e anos depois?! "Fran" muito rapidamente o irá revelar...
A animosidade de "Fraga" para com "Fran" manifesta-se praticamente desde o primeiro instante. Primeiro porque não se recorda de quem é aquele homem inconveniente que o aborda e não larga anos depois tendo apenas como referência a possibilidade de terem frequentado a mesma escola e partilhar com ele um conjunto de conhecimentos que o próprio "Fraga" já não se recorda na perfeição mas que pela veracidade de alguns nomes envolvidos... devem ser verdade. Mas é quando as palavras se tornam cada mais mais insistentes e até mesmo agressivas que "Fraga" pretende que o momento termine rapidamente... há mais que fazer e toda uma realidade presente que se impõe e que "Fran" parece não reconhecer como aquela que agora vivem. É ao dirigirem-se para um edifício abandonado que recordam então como a escola por onde passaram que os papéis se assumem realmente como são e que os dois homens voltam a estar perante a realidade tal como ela havia ficado há três décadas.
A história, ainda que não seja propriamente original na medida em que tantos são já os filmes que abordam a temática do bullying e da violência entre pares nas escolas e na adolescência, ganha contornos interessantes na medida em que coloca o espectador numa inicial dinâmica entre duas personagens que se assumem (para o espectador não esquecer) como algo que facilmente a nossa consciência assume como sendo a verdade e nunca perante a possibilidade de uma qualquer outra variável estar aqui em evidência... porque na realidade... não está! E se, perguntamo-nos a determinado momento, não fôr "Fraga" o agressor mas sim "Fran", o aparentemente inofensivo homem que encontra, anos depois, forma de perpetuar a perseguição à sua vítima de eleição? E se os papéis sociais que o espectador assume mais não sejam do que reflexo dos seus próprios padrões e pré-conceitos estabelecidos e que, afinal, se assumem sob outra perspectiva ou realidade? E se "Fran" fôr afinal o não tão inocente agressor que tudo planeou para que no exacto momento da sua vida voltasse para pôr um fim a tudo... e todos?! É este o principal elemento positivo desta curta-metragem... a nova perspectiva que dá a uma história que se deixa levar não pelo habitual e pelo banal mas sim pela inversão de papéis das suas personagens que transforma os renegados e os excluídos (supomos) como aqueles que afinal martirizaram os seus pares no tempo em que pensavam que dominavam o mundo.
Se passarmos deste argumento para a execução da história e do ambiente em que tudo se desenrola, estamos perante uma curta-metragem que compreendemos ser de orçamento mais reduzido e que deixou a perfeição de grande parte dos seus elementos à boa vontade com que todos os intervenientes entraram em produção contribuindo, cada um deles, com aquilo que de melhor tinha para que esta história fosse contada. Resumindo... Do trabalho de personagens expressa no argumento - com o seu twist tão esperado - ao trabalho de "palco" ficou a falta muito para que a execução da história na prática correspondesse aos alicerces que para ela haviam sido criados conferindo-lhe dessa forma uma maior credibilidade aos instrumentos, ao espaço e à narrativa que, entretanto, se perde um pouco pelo caminho e não de forma permanente porque o espectador ainda se concentra na tal nova perspectiva dada às já mencionadas personagens.
Destaque para as interpretações quase exclusivas de Brandariz e Castiñeiras que assumem o controle e o comando não só dos próprios destinos das suas personagens como sobretudo da curta-metragem Compañeiros deixando-se levar por uma comunhão que oscila entre o interesse e o desprezo que assumem mútua e silenciosamente mas que, ao mesmo tempo, não consegue suportar toda a obra que, com um orçamento mais robusto, seria certamente um filme que poderia não revolucionar o género mas lhe iria conferir muito mais coerência no tempo e no espaço em que toda a acção se desenrola.
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5 / 10
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Back to Bed (2022)

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Back to Bed de Carlos Cobos Aroca (Espanha) é uma das mais recentes curtas-metragens de terror vindas do país vizinho e que nos revela Sarah (Sarah Hanif) que, numa noite de chuva depois de um apagão, começa a receber estranhas mensagens de voz através de uma aplicação avisando-a de acontecimentos porvir.
Nada melhor do que uma noite chuvosa para todos os medos e terrores irracionais verem a "luz do dia". De repente, e sem que nada o faça adivinhar, todos os monstros saem do nosso imaginário colectivo e todos os mitos urbanos se transformam em realidades que ninguém ousa questionar. E aqui o facto é "real"... o monstro ameaça com pequenos sinais que se manifestam no silêncio daquela casa provocado por uma noite onde são forçosamente escutados os pensamentos que se têm e que, sem ser pedido ou chegarem anunciados, agora saem do tal armário onde se escondem com uma paciência invulgar. Mas, será que o armário esconde mesmo esses monstros ou estarão eles à espreita em lugares inesperados (ou talvez não) desviando a nossa atenção para outro local capturando-nos, de seguida, pela surpresa?
Ainda que esta curta-metragem não traga ao espectador nada de absolutamente novo ou genial pela sua inovação, Back to Bed manifesta-se sobretudo pela qualidade dos pequenos detalhes, efeitos e jogos de luz versus sombras que nos fazem realmente distrair daquilo que deveria ser importante e que, na realidade, já são "surpresas" do nosso conhecimento no que a este género cinematográfico em específico se refere. A surpresa chega, é um facto, mas depois de esta se manifestar fica para o espectador a compreensão daquela ideia do "ah... já devia esperá-lo" não deixando margem para um momento cativante ou inovador mas sim recorrendo a um território já conhecido para revelar um twist que, afinal, não o é.
Mantêm-se portanto os elementos positivos no que há técnica diz respeito e por uns bons minutos de um terror já nosso conhecido mas, no final, fica um pouco amargo de boca por não se assumir como um filme de género diferente, inovador ou que dê vida aos medos do escuro de uma forma mais cativante.
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6 / 10
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Psicario (2022)

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Psicario de Daniel Padró (Espanha) é mais uma incursão do cinema espanhol em formato curto no universo do fantástico aqui com um interessante e diferente registo para o género.
Um criminoso (Alain Hernández) entra na casa de uma mulher (Ariadna Cabrol) com o intuito de manipular as suas recordações. Ele quer eliminar as memórias de um passado criminoso que ela testemunhou e que ele pretende ver desaparecer. Conseguirá ele eliminar o passado ou entregar-lhe um novo futuro?
O realizador e também argumentista Daniel Padró cria uma história inesperada na medida em que sem se desviar do universo dos criminosos e mafiosos que tentam eliminar as testemunhas dos crimes que cometeram, os transforma em algo que está para lá do crime banal de rua a que tantas vezes o espectador está habituado neste género de filme em questão. Não, aqui pelo contrário o "nosso" criminoso tem outros intuitos. Tem, digamos, a sua própria agenda criminosa - quase parece que se fala de uma empresa ou de um consórcio de crime -, transformando as memórias da vítima em algo que nunca existiu mas apoderando-se do seu pensamento para lhe atribuir uma nova memória partilhada. Ele já não é o (não tão) simples criminoso contra quem ela iria testemunhar passando a ser agora um amor do passado de quem ela não suspeita ou tem motivos para recear.
Os elementos tradicionais deste género encontram-se todos lá. Uma vítima/testemunha escondida para ir a tribunal depôr contra um perigoso criminoso. Este, incapaz de esperar calmamente por um desfecho que lhe seja favorável, opta não só por a perseguir mas sobretudo para lhe impôr medo. Medo esse que apenas resiste alguns segundos quando ela, ainda consciente do perigo que corre, percebe que nãos e encontra sózinha numa casa enorme e fora do apoio de qualquer autoridade e que, dessa forma, ele mais facilmente poderá controlar. Mas aqui, em vez de se eliminar pura e simplesmente a testemunha, porque não colocá-la no mesmo patamar que o "eu" deste criminoso e transformá-la em alguém que ele conhece, alguém que o ama e, dessa forma, incapaz de ver nas suas acções o perigoso criminoso de que todos os demais falam?!
Do universo de gato persegue rato dentro de uma casa enorme, o espectador passa assim a assistir a uma história entre dois potenciais amantes que, mesmo podendo estar separados, se encontram agora a partilhar alguns dos momentos já vividos no passado (para ela) mas que mais não são do que retratos de momentos breves de um passado próximo (para ele) que, na realidade, nunca chegaram a existir como a nossa vítima assim os percepciona. Estaremos afinal perante um novo tipo de crime que se apropria das nossas memórias ou, por sua vez, apenas diante de um pequeno alento que terá um final comum, banal e já conhecido? Fica a pergunta... o que seria do crime se quem o perpetua se pudesse apoderar das nossas memórias ou, ainda pior, transformá-las em algo que nunca existira?
Interessante na perspectiva da existência e elaboração de um novo tipo de crime tão ou mais perigoso do que a tradicional eliminação das testemunhas a que o habitual filme de gangsters nos habitual, Psicario será, tal como o título indica, um novo desfecho para a realidade de um crime porvir... não aquele que se cometeu e que agora se pretende que as suas provas sejam eliminadas. Esse já o conhecemos e já fora cometido. Agora o objectivo é transformar a testemunha num de "nós"... alguém incapaz de ver no criminoso aquilo que ele é mas sim um indivíduo que queremos "nos" reconheça como alguém que está do nosso lado, que nos quer bem e que jamais seria incapaz de nos prejudicar... o crime não estará tanto naquilo que fora cometido mas sim no que se pode ousar fazer naqueles que não estão do "nosso" lado.
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7 / 10
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segunda-feira, 29 de maio de 2023

The Tip (2021)

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The Tip, de Katerina Tana (EUA) é uma curta-metragem na qual é contada a história de Boss (Roberts Jekabsons), um simpático imigrante a trabalhar num restaurante que luta por resistir até ao próximo dia. Ao servir um jockey numa das mesas encontra, inadvertidamente, um guardanapo com aquilo que julga ser uma dica para a aposta num cavalo vencedor. Será esta a sua oportunidade de ouro para enriquecer e deixar a sua vida repleta de dificuldades ou, por sua vez, apenas mais um trágico engano que lhe bateu à porta?!
Num estilo muito próprio onde reina o ideal de uma comédia "popularucha" com uma história bem contada que não se desvie muito dos padrões e das dinâmicas socialmente aceites enquanto tal para o género que representa, este The Tip é essencialmente uma obra que não se compromete. E não se compromete com o quê? Bom... no que ao humor diz respeito ele é sempre muito polido para uma audiência norte-americana... o imigrante é respeitoso para os parâmetros do país... tem um trabalho manual e de grande esforço, tenta ser um sobrevivente no "país de todas as oportunidades"... pensa ter encontrado a sua redenção e forma de enriquecer rapidamente podendo dessa forma fornecer o ideal de uma vida melhor à sua família e claro... poder quem sabe... ele próprio virar patrão de outrém... Tudo isto num universo de humor ponderado, respeitoso, com um ou dois cómicos de situação igualmente aceites perante as normas e já está... depois de sair do "forno" o bolo apresenta-se sem qualquer dano moral para nenhum dos intervenientes. Mas... funciona enquanto um todo para ser considerado uma comédia que faça realmente rir ou confere ao público esse tal bom humor desejado numa comédia? Bom... isso já é mais discutível!
O espectador não sai ofendido com esta história... ela é polida demais para que alguém se sinta provocado ou levado ao limite com ela mas na realidade também não se pode afirmar que ela seja a portadora de um humor extremo que tenha deixado alguém com memória suficiente para a recordar ao fim de vinte e quatro horas. The Tip é um daqueles filmes que se remete a um "ok... vi" onde tudo é muito "competentezinho" mas na prática igualmente olvidável... tudo é muito consistente e tecnicamente bem executado mas fora isso nada nos fará recordar uma história que se limitou a permanecer no "ok". Existe potencial na história para, por exemplo, tê-la filmado num qualquer outro universo que não o norte-americano onde as oportunidades não sejam todas encaradas como salvaguardas para a felicidade... afinal de contas... existe sempre um certo cinismo na redenção dos oprimidos que neste universo nunca se verifica e, dessa forma, a componente humorística acaba por ser francamente limitada pois tudo o que é executado e tentado já é devidamente esperado por um espectador mais atento.
Competente e tecnicamente correcta e eventualmente uma obra mais interessante se não passasse única e exclusivamente a ideia de que observamos um ensaio para uma obra maior e onde as dinâmicas internas e entre personagens pudessem e conseguissem alcançar uma nova abordagem - principalmente o protagonista Roberts Jekabsons - mais abrangente porque aqui The Tip é... isso mesmo... uma bonificação que gastamos num café... sem que nos recordemos do café no dia seguinte. Estava bom... estava?
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5 / 10
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La Respuesta (2022)

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La Respuesta, de Júlio César Hoz (Espanha) conta-nos a história de Carlos que insiste que precisa de ir a uma vidente para receber uma tão esperada resposta... Mas o que acontece quando a resposta não é aquilo que se deseja?!
Ainda que esta curta-metragem surja com um argumento onde se pretende criar mistério, algum suspense e muita curiosidade sobre qual será a resposta que tanto o espera e pela qual ele aguarda como se a sua vida dependesse disso, La Respuesta perde-se nos inuendos que oscilam entre o cómico, o cómico de situação e o trágico esquecendo de dar resposta (quase parece uma repetição de palavras...) ao tema principal desta trama. Entre debates mais ou menos amigáveis entre o protagonista e a sua melhor amiga e o incentivo desta última para com a ideia dele visitar uma vidente para colocar um termo à sua demanda, "Carlos" decide finalmente consultar uma muito reputada e aguardar por tão esperado fim.
No entanto, é quando o argumento parece dirigir o espectador para um conto de suspense que o mesmo é surpreendido por uma vidente que aparenta ter saído do último blockbuster de comédia ao assemelhar-se mais a uma hippie dos anos '70 do que propriamente a uma mulher capaz de desvendar os mais tenebrosos mistérios. Tudo se adensa (ou talvez não) quando a tão esperada "resposta" surge num envelope adornado com estampas e brilhantes e cuja única mensagem - descobre ele e nós mais tarde - apenas consiste num não tão tenebroso número "42". Do inesperado encontro com a vidente "Rosa" ao quase esquecimento do propósito inicial desta história, o espectador delira com a incredulidade de certos elementos que surgem inesperadamente à frente do protagonista que, por uma qualquer razão que nos é desconhecida, resolve ignorá-los como se... "afinal nada fosse".
Em vez de se centrar num único género... drama... mistério... comédia... pois acaba por conter elementos um pouco de todos eles, La Respuesta perde-se na sua mescla sem que se encontre um fio condutor entre nenhum deles que lhe dê coerência e não faça com que o espectador se perca inicialmente a pensar que vai assistir a um mistério para depois espantar-se com o recurso à comédia e finalmente perder-se na ideia de que afinal afinal... está perante um thriller dramático que se revelou instantes antes do seu final. A premissa está lá e poderia ter sido explorada com maior ânimo e coerência mas a meio gás deixa-se levar pelo estudo académico de vários géneros que se cruzam perdendo inclusivé o clímax quando o espectador finalmente compreende o que está por detrás de tão esperada e inesperada resposta.
De um potencial interessante à perda de dinâmica (in)voluntária, La Respuesta caminha por muitos rumos sem que nunca se tenha realmente preocupado em seguir um que fosse fixo e certo e que lhe conferisse assim a consistência que necessitava para ser o thriller que não chegou a ser.
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5 / 10
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domingo, 28 de maio de 2023

Nonna (2022)

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Nonna de Paco Sepúlveda (Espanha) é uma das mais recentes obras de cinema em formato curto que nos transporta para o imaginário recente da pandemia da COVID-19.
Com duas semanas a viver em estado de emergência Mercedes (Teresa del Olmo), está confinada sozinha em casa. Uma noite tem um acidente ao escorregar no chuveiro. Apesar de todos os seus esforços para chamar alguém de família, o auxílio está dificultado pelas restrições sentidas à liberdade de circulação.
A curta-metragem de Paco Sepúlveda leva o espectador a uma estranha e dolorosa viagem cuja realidade ali apresentada está presente antes, durante e depois dos efeitos da pandemia que a todos nos afectou. Se por um lado encontramos aqui a realidade de uma mulher idosa que se vê prisioneira do seu próprio lar e das restrições que a pandemia impuseram, não é menos verdade que muitos dos receios sentidos enquanto mulher e mulher de idade avançada estão presentes para lá daquele período tenebroso que sentimos no início desta terceira década do século XXI. Senão vejamos... encontramo-nos perante a vida de uma mulher que, ainda que de idade avançada e mantendo algumas liberdades, se vê neste período presa a uma realidade que não é totalmente a sua... por um lado ainda se movimenta mas, ao mesmo tempo, tem condicionantes como, por exemplo, um botão de emergência para pedir auxílio... Mas será este auxílio prestado de acordo com os seus desejos? Poderá esta mulher sentir-se confortável com estranhos que a socorram e que a vejam - neste caso em concreto - exposta ao mundo e a quem quer que surja e que seja o "socorro" daquele momento?
Se a privacidade desta mulher é ameaçada pela força das circunstâncias, não é menos verdade que a sua liberdade também o é na medida em que se encontra dependente da possibilidade de auxílio da família que, pandemia à parte, também ela se vê condicionada pelas circunstâncias da vida, do trabalho e das obrigações que os forçam a encontrar-se cada um... no seu espaço. Finalmente, e aqui um factor que esteve invariavelmente ligado ao tempo vivido em 2020, a restrição forçada de movimento que a tantos condicionou impedindo-os de chegar perto daqueles que de si precisavam levando todos a uma inesperada independência dentro da dependência sentida pelos mais vulneráveis. Aqui, uma mulher de idade avançada que depende da sua família mais próxima vê-se forçada a encontrar o escape pelas suas próprias mãos e, ao mesmo tempo, decidir o que fazer (ou não) para sobreviver à ausência daqueles de quem precisa. No seio da vergonha, do medo, das incertezas e de um futuro que se afirma como incerto, conseguirá esta mulher sobreviver àquela que será possivelmente uma das maiores provações da sua vida?
Intenso desde o primeiro instante na medida em que o espectador se encontra frente a frente com uma história que está para lá de um terror psicológico, este Nonna capta sim o terror urbano actual - daquela actualidade - em que os mais idosos e, por consequência, mais vulneráveis se viram dependentes e retidos a uma realidade que já não era a sua. Como sobreviver quando ninguém se pode aproximar de ti? Como sobreviver quando uma distância de cem metros pode ser tão complicada de percorrer como uma de cem quilómetros? Como sobreviver quando a vergonha te impede de pedir socorro a um estranho que, para "ti" pode representar a violação do teu espaço... do teu corpo... da tua individualidade? Este medo apenas é comparável (talvez não tanto) pelo sentido por um familiar que tenta tudo por tudo para te socorrer mas que os dias vividos levantam a suspeita e a desconfiança para  com todos aqueles que não estão dentro da norma "actual" representando, dessa forma, o transgressor que nunca na vida pensou ser? Intenso ainda pela dura e crua realidade que ali se expôs sobre o dia-a-dia de tantos e tantos idosos que vivem numa solidão aí consciente mas que se tornou "normal" pelas inconsistências de uma vida que não permite aos seus estarem presentes em todos os momentos das suas vulneráveis vidas. Vulnerabilidade... essa sim a palavra que caracteriza todas as vidas aqui retratadas... uns colhidos pela vergonha... outros pela incerteza... e todos pela desconfiança que os dias estranhos e "diferentes" - e nada normais - nos impuseram, levando a que todos nós experimentassem forçadamente a realidade que a própria realidade nos impõe nesses dias que agora chamamos de "normais"... onde recuperamos das perdas, das ausências e daquilo que fica depois da morte que a todos bateu à porta.
Um bravo a um inteligente realizador que conseguiu retirar o melhor de um argumento sobre uma história trágica, actual e que foi a realidade de todos nós bem como de uma fenomenal e igualmente intensa interpretação de uma magnânime Teresa del Olmo.
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8 / 10
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Un Parell de Cançons Després (2022)

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Un Parell de Cançons Després de Jaume Carrió (Espanha) revela uma inesperada história onde duas vidas se cruzam na imprevisibilidade dos actos que cada uma delas tem. Um artista pinta um gigantesco mural de 500 metros quadrados que, ao mesmo tempo, inspira uma autora de canções em plena crise criativa.
Num bairro e sem se conhecerem, os dois artistas criam e tentam a sua inspiração para que a sua arte não páre e flua. Mas criar para quê? Para quem? Com que propósito? De onde surge essa inspiração (quando surge) e que mensagem se pretende transmitir àqueles que admiram o que cada um deles cria?
No seio de uma solidão latente entre ambos - ele enquanto pinta a metros de altura encontra-se totalmente só contemplando, muitas vezes, o espaço que o rodeia -, o desconhecimento de que cada um deles existe é total. A presença dele assume-se (para ela e para o bairro) apenas porque a sua obra gigantesca vai ganhando forma com o tempo e torna-se impossível de não admirar a sua presença que se revela como "algo" do bairro. Já ela mantém-se quase anónima e apenas "ganha forma" quando canta as suas próprias canções. Estes dois artistas feitos por mão própria revelam, no entanto, um elemento que nos une na sua distância... a sua solidão. Vivem nos espaços sempre rodeados de pessoas - o bairro... os espaços que frequentam... os sítios onde criam e onde cantam - mas, ao mesmo tempo, estão permanentemente solitários face a todos os demais que gravitam perto de ambos mas com os quais não existe qualquer tipo de relação para lá das estritamente indispensáveis. Por opção ou não... a solidão é uma certeza.
Esta simbiose de vidas e de percursos revela ao espectador uma quase "certeza" (para eles enquanto personagens) de que a solidão surge pela forma como a dedicação às respectivas artes se manifesta mais acentuada. Ambos querem criar... ambos querem ser "nome" adquirido naquilo que fazem... ambos não desistem do processo criativo... ambos são párias dentro de uma sociedade... Ambos vivem em solidão nomeio de tanta gente. Este passo lento, extremamente lento por vezes, consegue para lá de garantir uma perspectiva (real ou não... é a escolhida) do processo criativo versus dedicação e, ao mesmo tempo que não se assume para lá do óbvio, criar uma certa saturação no espectador que parece não conseguir retirar um propósito deste obra para lá dessa mesma constatação. Criar arte de forma solitário tendo, no entanto, todo o ambiente envolvente como uma fonte de inspiração para esse processo.
Enquanto espectador, a mensagem mesmo que compreendida, existe uma alienação para com a dinâmica desta história que se prolonga no tempo para lá do desejado... há uma compreensão de que nunca vamos sair daquela realidade pretendida pelo realizador e que, desse modo, tarda em criar (se é que o consegue) qualquer tipo de empatia para com a realidade que estas duas almas aqui retratam. Há, desde cedo, uma desconexão com o real (deles) ficcionado (para nós) transformando o que se espera desta história em algo que, a bom tempo, pouco nos interessa. Moroso e sem um clímax existencial... um par de canções depois... pouco nos importa aquilo que tenham para nos dizer... mesmo que a execução desta curta-metragem enquanto tal esteja longe de qualquer reprimenda.
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5 / 10
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Es el Momento (2022)

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Es el Momento de Rubén Bautista (Espanha) decorre com base numa não tão simples premissa... Tens poucos segundos para dizer algumas palavras. De imediato, pensa o espectador, está perante uma história que o transporta até um conto sobre uma qualquer vitória para a qual é "agora" necessário fazer os devidos agradecimentos e espalhar um pouco de amor por todos aqueles que influenciaram a protagonista para as suas vitórias. No entanto, cedo se compreende que as vitórias foram as lutas de uma vida que agora parece extinguir-se como se de um abrir e fechar de olhos se tratasse. Tudo é fugaz... a vida... as conquistas... as derrotas e os acontecimentos de um forma geral. A infância e a adolescência... a idade adulta... um primeiro trabalho, o casamento e a maternidade... o divórcio, a velhice e a consequente morte assumem, já bem perto do final, um importância extrema ao equipará-los a todas essas vitórias individuais que os anos - num abrir e fechar de olhos - lhe granjearam e que agora, por mais importância tenham - mais não são do que breves momentos que a vida deu, transformou e guardou na memória.
Poética de um ponto de vista em que esta curta-metragem acaba por ser uma reflexão sobre a vida o que se perdeu, ganhou e, sobretudo, sobre a passagem do tempo, Rubén Bautista acaba por elaborar uma obra que acaba por se assumir como um vídeo motivacional bem executado e cuja mensagem chega ao espectador mas que, ao mesmo tempo, não será a tradicional obra cinematográfica que se espera ver e, por esse mesmo motivo, acaba por não ser aquele filme que será recordado. Eficaz no seu tempo e ao seu próprio ritmo mas não irá perdurar no tempo como uma referência do género mantendo-se apenas como uma obra com a qual o seu realizador poderá viver satisfeito por a ter criado.
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7 / 10
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sábado, 27 de maio de 2023

Festival Internacional de Cinema de Cannes 2023: os vencedores

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Terminou hoje a 76ª edição do Festival Internacional de Cinema de Cannes com a tradicional divulgação dos vencedores incluindo, claro, o da Palma de Ouro. Anatomie d'une Chute, de Justine Triet foi o grande vencedor desta edição deixando o Grande Prémio do Júri para Zone of Interest, de Jonathan Glazer.
São os vencedores:
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Palma de Ouro: Anatomie d'une Chute, de Justine Triet
Grande Prémio do Júri: Zone of Interest, de Jonathan Glazer
Prémio do Júri: Kuolleet Lehdet, de Aki Kaurismaki
Realização: Tran Anh Hung, La Passion de Dodin Bouffant
Actor: Koji Yakusho, Perfect Days
Actriz: Merve Dizdar, Kuru Otlar Üstüne
Argumento: Yuji Sakamoto, Monster
Camera d'Or: Inside the Yellow Cocoon Shell, de Thien An Pham
Curta-Metragem: 27, de Flora Ana Buda
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quarta-feira, 24 de maio de 2023

Tina Turner


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1939 - 2023
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domingo, 21 de maio de 2023

Ray Stevenson


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1964 - 2023
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Sophia 2023: os vencedores

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Terminou há instantes no Casino Estoril a décima-segunda cerimónia dos Sophia anualmente entregues pela Academia Portuguesa de Cinema às melhores obras cinematográficas nacionais estreadas ao longo do último ano. Alma Viva, de Cristêle Alves Meira foi o grande vencedor do ano ao arrecadar um total de seis troféus inluindo os de Melhor Filme e Actriz. Restos do Vento, de Tiago Guedes recolheu os teoféus para Actor e Actor Secundário para Albano Jerónimo e Nuno Lopes respectivamente.
São os vencedores:
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Filme: Alma Viva, Pedro Borges (prod.)
Documentário: Cesária Évora, de Ana Sofia Fonseca (real. e prod.) e Irina Calado (prod.)
Filme Europeu: L'Événement, de Audrey Diwan (França)
Curta-Metragem de Ficção: By Flávio, de Pedro Cabeleira
Curta-Metragem de Documentário: João Ayres, Pintor Independente, de Diogo Varela Silva
Curta-Metragem de Animação: Ice Merchants, de João Gonzalez
Sophia Estudante: Vanette, de Maria Beatriz Castelo
Série/Telefilme: Causa Própria (Arquipélago Filmes)
Realização: Tiago Guedes, Restos do Vento
Actor: Albano Jerónimo, Restos do Vento
Actriz: Lua Michel, Alma Viva
Actor Secundário: Nuno Lopes, Restos do Vento
Actriz Secundária: Ana Padrão, Alma Viva
Argumento Original: Cristêle Alves Meira e Laurent Lunetta, Alma Viva
Argumento Adaptado: João Botelho e Maria Antónia Oliveira, Um Filme em Forma de Assim
Montagem: João Braz, Lobo e Cão
Fotografia: Rui Poças, Alma Viva
Música Original: Mário Laginha, Campo de Sangue
Canção Original: "Amar em Segredo", de Armando Teixeira (letra e música) e Carmen Santos (interpretação), A Fada do Lar
Som: Francisco Veloso e Paulo Abelho, Um Filme em Forma de Assim
Direcção Artística: Cláudia Lopes Costa, Um Filme em Forma de Assim
Guarda-Roupa: Marjorie Gueller, Joana Porto e Patrícia Dória, A Viagem de Pedro
Maquilhagem e Cabelos: Rita Castro e Vanessa Duarte, A Viagem de Pedro
Caracterização e Efeitos Especiais: Olga José e Filipe Pereira, Alma Viva
Trailer: Lobo e Cão, por João Braz
Cartaz: Entre Ilhas, por Júlia Garcia
Prémio Arte & Técnica: "Filmes com Estrelas - Cinema Português ao Ar Livre", uma iniciativa de Manuel Baptista e Loulé Film Office
Sophia Carreira: Carlos Saboga e Paulo Trancoso
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Sophia 2023: Filme

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Alma Viva, Pedro Borges (prod.)
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Sophia 2023: Realização

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Tiago Guedes, Restos do Vento
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Sophia 2023: Carreira

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Paulo Trancoso
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Sophia 2023: Actriz

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Lua Michel, Alma Viva
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Sophia 2023: Actor

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Albano Jerónimo, Restos do Vento
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Sophia 2023: Série / Telefilme

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Causa Própria (Arquipélago Filmes)
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Sophia 2023: Montagem

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João Braz, Lobo e Cão
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Sophia 2023: Som

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Francisco Veloso e Paulo Abelho, Um Filme em Forma de Assim
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Sophia 2023: Argumento Adaptado

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João Botelho e Maria Antónia Oliveira, Um Filme em Forma de Assim
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Sophia 2023: Argumento Original

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Cristêle Alves Meira e Laurent Lunetta, Alma Viva
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Sophia 2023: Fotografia

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Rui Poças, Alma Viva
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Sophia 2023: Canção Original

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"Amar em Segredo", de Armando Teixeira (letra e música) e Carmen Santos (interpretação), A Fada do Lar
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Sophia 2023: Música Original

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Mário Laginha, Campo de Sangue
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Sophia 2023: Carreira

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Carlos Saboga
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Sophia 2023: Documentário

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Cesária Évora, de Ana Sofia Fonseca (real. e prod.) e Irina Calado (prod.)
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Sophia 2023: Caracterização e Efeitos Especiais

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Olga José e Filipe Pereira, Alma Viva
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Sophia 2023: Maquilhagem e Cabelos

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Rita Castro e Vanessa Duarte, A Viagem de Pedro
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Sophia 2023: Direcção Artística

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Cláudia Lopes Costa, Um Filme em Forma de Assim
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