quinta-feira, 18 de maio de 2023

Après l'Orage (2022)

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Après l'Orage de Brice Veneziano (França) é mais uma das curtas-metragens presentes na competição oficial Internacional da décima-terceira edição do Festival Internacional de Cine de Piélagos a decorrer na Cantábria, em Espanha até ao próximo dia 20 de Maio.
Depois de mais uma discussão com o pai, Enzo (Raphaël Géron) sai de casa e vai passear com o amigo Arthur (Sidney Kheddam). É quando decidem atirar a bola de futebol aos carros que passam provocando um acidente que os passageiros do mesmo atacam violentamente Arthur enquanto Enzo escuta escondido e se prepara para o mais violento confronto de todos com Marco (Sagamore Stévenin), o seu pai.
A tensão entre "Enzo" e "Marco" surge desde cedo nesta narrativa para que o espectador a compreenda como o foco principal de tudo o que poderá estar por acontecer. Mais, os instantes iniciais denunciam de imediato a falta de qualquer amabilidade ou afecto entre pai e filho ao ponto de podermos até considerar que para lá de indiferença, existe sim um ódio quase inexplicável entre ambos. Mas, quando atentamos aos comportamentos e ao ambiente que existe por entre aquelas quatro paredes, não se torna muito complicado de identificar o que realmente está em falta naquele que outrora fora um lar. A ausência de uma mãe que o espectador identifica como recentemente falecida, foi o incontrolável elemento que abanou as estruturas daquela casa e, sobretudo, a tensa relação que agora se faz sentir entre um pai e um filho cada vez mais distantes. Se por um lado compreendemos que "Marco" é alguém mais rígido dentro daquela casa - eventualmente sempre o fora -, muito também graças à sua profissão enquanto agente da autoridade, não será também incorrecto afirmar que foi esse súbito desaparecimento da mulher que o levou a um consequente afastamento do filho que, em boa medida, representa o único elemento da sua presença ali. Então coloca-se a grande questão de... como agir agora perante alguém que o faz recordar o que já não tem?! Aliás, reveladora é a postura de "Marco" perante a revolta do pai de "Arthur" quando descobre que ambas as crianças estavam juntas quanto "Enzo" escapou â agressão dos automobilistas deixando o amigo para trás... "Marco" observa tudo à distância... a violência sobre o seu filho parece não o afectar... aliás, estará ele a permitir que o filho seja sancionado de uma forma que o próprio se sente incapaz de fazer?
Por sua vez "Enzo" entra numa espiral de perda. Uma criança que se viu sem o seu mais forte alicerce na figura da mãe, agora desaparecida e que o "deixou" com um pai relativamente ausente devido à sua profissão. "Enzo" perdeu, e perdeu-se, num rumo que não se consegue adivinhar qual o fim mas que se compreende pela mágoa e angústia de uma criança que não sabe como reagir a esta sua nova realidade. Incapaz de manifestar a sua solidão e tristeza junto de um pai que também não consegue demonstrar-lhe afecto ou amparo, o jovem vive nas suas pequenas fugas com o seu melhor amigo a única possibilidade que tem de encarar mais um dia onde já nada tem para perder a não ser, eventualmente, o que lhe resta da sua inocência. Os dois amigos, de forma inconsequente ou até impensada, limitam-se a deambular pela realidade de uma pequena vila do interior onde o mundo teima em não passar e o tempo abrandou sucessivas vezes deixando-as de braço dado com uma constante lembrança do que se perdeu.
É então que, neste ambiente de perda, distância e até mesmo alguma violência que começa por ser psicológica (em casa) e física (na sobrevivência sobre aquilo que está para lá das suas quatro paredes) que os dois protagonistas sobrevivem (ou tentam...), desconhecendo o dia de amanhã ou o que o futuro lhes poderá ainda reservar... um ainda mais distanciamento? Um ódio crescente? O encontrarem no "outro" o motivo da sua perda? Existirá alguma hipótese de redenção? Uma compreensão de que são, um para o outro, o único alento que agora têm?! Depois da trovoada, numa tradução literal mas que é principalmente figurativa do estado de espírito e de alma daquelas duas personagens, remete-nos sobretudo para a necessidade - ou tentativa... - de compreender que depois desta perda e da sua respectiva aceitação, existe algo mais. Algo mais que o espectador desconhece, nem tão pouco precisa de o saber, mas que os momentos finais entre os dois protagonistas poderá abrir caminho para esse rumo esperado entre ambos. Existirá algo melhor? Esperamos e desejamos que sim mas, no entanto, não nos compete saber e deixá-los sim no seu próprio espaço trabalhar essa redenção e esse aceitar de que agora só ali estão os dois... um para o outro... entregues a um destino desconhecido mas que é, até prova em contrário, o único que agora têm e que necessitam de lhe conferir estima, dedicação e afecto... tudo aquilo que até àquele exacto momento lhes tem faltado. O futuro poderá ser melhor... mas nós, espectadores, nunca o saberemos... apenas o podemos equacionar enquanto tal. E isso basta-nos.
Dotado de uma belíssima direcção de fotografia que com a sua oscilação e ausências de luzes e cores nos faz transportar para as diferentes dinâmicas psicológicas das duas personagens principais, são sobretudo as duas interpretações protagonistas de Géron e Stévenin que fazem criar luz nesta curta-metragem que para lá de uma história de redenção entre um pai e um filho que há muito que não se olhavam ou comunicavam está sim um conto sobre o crescimento forçado de duas figuras que, independentemente da sua idade, tinham deixado de avançar no tempo sem que, no entanto, este alguma vez tivesse parado.
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8 / 10
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