Filomena de Stephen Frears era para mim um dos filmes mais aguardados dos últimos tempos. Não só por ter como uma das suas principais intérpretes a actriz Judi Dench, como também por ser uma história francamente apelativa e que recupera o já distante The Magdalen Sisters de Peter Mullan que há altura vencera o Leão de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Veneza onde, curiosamente, também Philomena fez furor.
Philomena (Dench) é uma mulher de idade já avançada que vive atormentada com o seu passado oculto. Todos o desconhecem não só devido à sua postura recatada mas também por aqueles que a conhecem verem nela uma simpática mulher que nada tem de extraordinário na sua vida. Até um dia. O dia em que marca a passagem do quinquagésimo aniversário do filho que lhe fora retirado dos braços e do qual desconhece o seu destino.
É com esta premissa que Philomena e o repórter Martin Sixsmith (Steve Coogan) se cruzam, sendo que este fora da sua zona de conforto se propõe investigar sobre o filho que, na prática, Philomena desconhece, não sem antes ficar a conhecer de relance o passado sombrio dos conventos de Maria Madalena na Irlanda.
Se por um lado muitos podem pensar que este filme não irá passar de um drama (re)visto sobre estes acontecimentos ainda muito pouco explorados, não é menos verdade que o mesmo tem uma profundidade e humanidade que surpreendem. Não só se debate com os factos de muitas destas, à altura, jovens mulheres abandonadas pela família como não se limita a aí permanecer e preocupar-se sim com o drama das mesmas nos dias de hoje.
Coogan e Jeff Pope, ambos nomeados para o Oscar de Melhor Argumento Adaptado com esta adaptação do livro de Martin Sixsmith, The Lost Child of Philomena Lee, preocupam-se mais no depois da história que envergonha o país e ainda muito silenciosa, mostrando-nos assim que apesar dos anos terem passado na vida desta mulher em particular, algo ficou perdido como uma estrada que não encontrou o seu respectivo final sendo percorrida sem tempo e sem destino certo. Independentemente de Sixsmith e Lee serem à partida duas pessoas opostas; ele um homem do mundo, apático e com uma grande dose de sarcasmo sempre presente nas suas conversas e ela uma mulher aparentemente simples mas com um sentido de excentricidade notório que a colocam à frente no tempo de muitos daqueles que têm menos idade do que ela, não deixa de ser curioso como mesmo com as suas constantes diferenças conseguem ser complementos um do outro. Ele por conseguir através da história de Lee o "furo" que jamais conseguira com as suas reportagens políticas e relatos históricos e ela, por sua vez, graças aos conhecimentos obtidos por Sixsmith em anos de uma sólida carreira, consegue chegar a locais onde sózinha jamais chegaria e descobrir a parte de si que lhe faltava dia após dia.
Mas para além de qualquer contorno mais "técnico" que esta sua relação possa à primeira vista dar ao espectador, na realidade estas duas pessoas tão aparentemente distintas conseguem estabelecer aquilo que se torna mais cativante em todo o filme que se prende com a relação essencialmente humana dos dois. Que se esqueçam os pequenos detalhes que podem causar atrito "no outro", os mesmos que podem fazer pensar "mas que estarei eu a fazer com esta pessoa que não me compreende" e concentremo-nos sim em todas aquelas pequenas e deliciosas conversas que quase parecem irreais, ou até mesmo absurdas, mas que apenas duas pessoas que nutrem uma extrema simpatia e, acima disso, uma extrema cumplicidade consegue ter... nem que seja o debater um qualquer romance de cordel que ninguém lê mas que a todos fascina. Debater um feito histórico do passado por um Presidente com o qual nada temos de relação na nossa História particular ou até mesmo os pequenos fait divers que nos caracterizam individualmente. São estes pequenos grandes detalhes que fazem deste filme, e desta história, uma que receamos que termine brevemente e que nos fazem facilmente apaixonar por estas duas personagens (baseadas em factos e pessoas reais) que Coogan e Dench tão brilhantemente interpretam.
Dench é, como habitualmente, uma mulher doce, afável e que qualquer um de nós gostaria de ter por perto como um membro da família. A sua Philomena Lee é uma mulher sentimentalmente perdida no tempo e por isso incompleta. Sente, e com razão, ter uma parte de si em falta e como tal não é uma mulher realizada mesmo que profissionalmente tenha conhecido milhares de pessoas e que até a sua vida pessoal e familiar tenha sido composta no decorrer dos anos. A sua simplicidade é desarmante e queremos tê-la perto de nós, a falar-nos de si, da sua vida e do seu percurso. Ler o seu olhar e saborear as grandes lições de vida, de sobrevivência e principalmente de perdão (só assim se alcança a tranquilidade absoluta) que os seus olhos transmitem.
Por sua vez, Coogan é o total oposto tendo dado vida a uma personagem amarga e amargurada pelo decurso de uma vida que não respeitou os seus valores ou o seu contributo para a verdade, tendo sido penalizado por um acto que irreflectidamente (ou não), o condenou para o futuro mas que graças ao seu sarcasmo e frivolidade consegue passar de dia para dia sem, no entanto, ter um conjunto de objectivos, pessoais ou profissionais, delineados. Os dois complementam-se e entrega entre si o que ao outro faz falta.
O desfecho da história, que como já referi é baseada em acontecimentos reais, não poderia ser mais trágico, se bem que com o decorrer dos acontecimentos é até algo esperado, mas é por essa componente mais fatalista que o espectador consegue criar pontos de ligação com a mesma e perceber o quão frágeis e breves são todos os momentos que passamos com aqueles que nos rodeiam e que amamos. Sem revelar grandes detalhes deixo uma menção sentida ao vídeo a que "Philomena" assiste já bem perto do final, as conclusões que dele tira e a forma como a sua própria redenção está no perdão que consegue sentir... isento de mágoa mas muito sofrido.
Ainda que muitos possam achar que Philomena mais não é do que um telefilme que poderia facilmente ter sido produzido pela BBC que jamais deveria ter feito uma carreira cinematográfico sólida e a percorrer tantos festivais de cinema bem como as suas quatro nomeações a Oscar são "exageradas", o facto é que nos seus muito breves noventa e pouco minutos de duração criamos e sentimos uma história emotiva e trágica que consegue, graças à habitual maestria da direcção de Frears e de uma sentida música original de Alexandre Desplat, fazer-nos sorrir e esperar por um final feliz que pode com toda a certeza fugir às convenções que temos dessa mesma felicidade.
Como uma nota muito pessoal... se Judi Dench vencer o Oscar de Melhor Actriz para que está nomeada... não será uma injustiça, e ainda que o ano ainda mal tenha começado e tantos filmes estão ainda por ver, Philomena será seguramente um daqueles que marca este ano cinematográfico.
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"Philomena: I forgive you because I don't want to remain angry."
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9 / 10
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