Sonhos Cor-de-Rosa de Marco Bellocchio é uma longa-metragem italiana e a escolhida para a cerimónia de abertura da 10ª edição da Festa do Cinema Italiano que decorre até ao próximo dia 13 de Abril no Cinema São Jorge, em Lisboa bem como por outras cidades do país.
Massimo (Nicolò Cabras) é um jovem introvertido cuja melhor amiga é a sua mãe. A mãe (Barbara Ronchi) é uma mulher bipolar que oscila entre uma alegria efusiva e uma tristeza latente deixando-a num limbo até à noite em que dele se despede e morre.
De regresso à Turim de 1999, Massimo (agora Valerio Mastandrea) é um repórter que atravessa diversos locais do globo mas que tem de arrumar a sua antiga casa. Massimo está solitário no mundo e ainda com perguntas por responder que serão marcantes para aquele sentimento que sempre o caracterizou.
Depois de Buongiorno, Notte (2003), Vincere (2009) e Sangue del Mio Sangue (2015), Marco Bellocchio adapta agora ao cinema o romance de Massimo Gramellini naquele que é uma tentativa de relatar a vida de um homem que se foi moldando a uma solidão constante ao longo do seu crescimento e envelhecimento, fruto de um evento traumático que nunca fora explicado ou compreendido. Aqui a história não se prende tanto com o passar dos anos de um homem, mas sim com a premissa de como um acontecimento específico pode moldar, ou até mesmo transformar radicalmente, toda a sua percepção de entrega, amor ou mesmo dedicação aos outros com quem se cruza. Incapaz de expressar da melhor forma os seus sentimentos, como e quem será este "Massimo" que, na realidade, poucos ou nenhuns conhecem como ele realmente é?
De jovem problemático e fechado no seu próprio mundo tendo única e exclusivamente como companhia o fantasmagórico "Belfagor" - livremente inspirado na obra de Maquiavel - que o "aconselhava" sobre o mundo que o rodeava, a um jornalista de sucesso pelas suas viagens a zonas de conflito ou correio psicológico num jornal de grande tiragem, "Massimo" está próximo de tantas realidades mas, ao mesmo tempo, distante de todas elas pela capacidade que tem de não depositar o seu "eu" sentimental nas mesmas. Como pano de fundo para este bloqueio sentimental está uma mãe "perdida" em jovem idade. Mãe essa que tenta encontrar numa empregada doméstica, na madrinha, na mãe de um amigo de infância, numa qualquer jovem com quem terá - eventualmente - algum tipo de relação sexual, na médica que o "salvou" de um ataque de pânico ou mesmo naquela mulher que na Sarajevo de '93 se encontrava assassinada no chão numa qualquer reportagem de guerra em que ele esteve presente. Em todas tenta encontrar a tal figura maternal que ele perdeu.
Para "Massimo" tudo é de registo... mas de tudo se deve manter distante. Com poucas probabilidades de se envolver com alguém, "Massimo" garante, ao mesmo tempo, a tal capacidade de não sentir que voltou a perder. Afinal, sentir é um risco demasiadamente grande para o ter de voltar a sentir. Desta forma, o seu distanciamento afectivo de todas estas mulheres garante-lhe uma existência mais tranquila... ainda que atormentada. Distante de todos inclusive de qualquer fé, a melhor resposta chega-lhe através de um dos seus professores - e padre - (interpretada por Roberto Herlitzka) quando lhe revela a necessidade de reagir à dor sem a silenciar ou alimentar mentiras para se manter "igual" a todos os demais. Para ele a perda é uma presença desde jovem... há que saber vivê-la e, futuramente, encará-la como uma parte do seu "eu" sem que, no entanto, esta o defina enquanto homem ou nas suas relações sentimentais ou profissionais.
O argumento de Valia Santella, Edoardo Albinati e Marco Bellocchio tenta de forma aprumada diferenciar esta premissa sobre a dor. Não uma dor física - que pode mais tarde ser - mas sim sobre a dor psicológica suscitada a partir do sentimento de abandono que, neste caso, uma jovem criança sentiu. A dor que o impediu de um crescimento igual ao dos outros, de ter quem lhe desse afecto, carinho e atenção - algo que nunca sentira com um pai distante talvez também pela sua própria dor e perda - e de, já em adulto, poder deixar-se entregar totalmente a uma relação sentimental. Nesta passagem, independentemente de qual o cenário que esteja por detrás do seu presente, "Massimo" deambula por um mundo onde a perda que testemunha não consegue ser tão grande ou avassaladora como a sua. A perda e o (auto)-isolamento que sente são de proporções bem superiores àqueles de quem atravessa uma guerra e uma morte brutal. Para ele, o simples facto de não se ter podido despedir da sua mãe é motivo suficiente para encarar na sua existência uma pena que cumpre. Por entre perguntas ocultadas e silêncios que o atormentam, o "Massimo" de Mastandrea é um homem desligado da realidade... de todas as realidades recebendo o conselho de um potencial par romântico com uma (pouco aproveitada) "Elisa" (Bérénice Bejo) de que para seguir em frente necessita, primeiro, de se libertar do fantasma da sua mãe que o persegue e atormenta.
No entanto, se a premissa sobre a dor parece ser um dos pontos fortes de Fai Bei Sogni esta, no entanto, é possivelmente a primeira longa-metragem de Bellocchio que se perde num sem fim de personagens secundárias que - eventualmente com a excepção de Herlitzka - não conseguem marcar a sua presença numa história onde todas (aparentemente) têm uma função determinante quer no passado quer no futuro de "Massimo". Desde um pai com sérios problemas de afectividade parental, a uma madrinha que vive num silêncio sobre o passado, relações fugazes sem destino fiável ou mesmo todos aqueles estrategicamente colocados no seu local de trabalho, nenhuma delas consegue ser de facto importante na dinâmica com "Massimo". Mais, Fai Bei Sogni vive quase exclusivamente de Nicolò Cabras - em jovem - e Mastandrea como o adulto "Massimo" e os dois, bem coordenados, seriam suficientes para que esta longa-metragem funcionasse sem grandes problemas.
De uma dispersão de intérpretes - grandes no cinema italiano - a uma premissa importante e que poderia - poderá? - justificar grandes traumas existenciais e humanos, Fai Bei Sogni conseguiu ainda arrecadar 10 nomeações aos David di Donatello atribuídos anualmente pela Academia Italiana de Cinema revelando-se, no entanto, como aquela obra de Bellocchio que poderia ter explorado mais - e melhor - todas as ricas personagens que giram em torno de "Massimo" tendo, também elas, todos os seus fantasmas a precisarem de ser exorcizados e sentindo, cada um à sua maneira, a dor de uma perda que era mais ou menos anunciada.
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