O Dia em que Explodiu Mabata Bata de Sol de Carvalho é uma longa-metragem luso-moçambicana feita para televisão num programa patrocinado pela CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa adaptada da obra de Mia Couto e que conta a história do Azarías, um jovem moçambicano privado da sua educação para tratar dos bois que o seu tio irá usar como dote de casamento.
No dia em que Mabata Bata, o mais imponente boi da manada, pisa uma mina e explode, Azarías foge com medo das represálias do tio lançando-o numa viagem que irá transformar toda a sua vida.
Com base na obra de Mia Couto, Sol de carvalho e José Magro escrevem o argumento desta história que atravessa diferentes dinâmicas de um Moçambique ainda ensombrado com os fantasmas de uma guerra civil. Ainda que não seja a principal dinâmica desta história, o conflito está implícito na sua narrativa na medida em que a presença militar em O Dia em que Explodiu Mabata Bata faz-se sentir pelos ocasionais militares que surgem nesta história como também pelos despojos de uma guerra que moldam a realidade das suas gentes.
Aqui tudo gira em torno de "Azarías", um jovem privado daquilo que deveria ser um direito e obrigação de todos... a sua educação. Este jovem sonha com o dia em que poderá ir para a escola e aprender a ler e a escrever, ou seja, com os fundamentos principais que poderão um dia mais tarde fazer dele o homem com todo o potencial que lhe é devido. Mas, no entanto, este seu direito é-lhe privado por parte de um tio que o obriga a tratar dos animais que servirão (mais tarde) como o seu dote pela mão da filha de um chefe local. Num jogo de interesses, "Azarías" é apenas um - mais um - de toda uma geração de crianças perdidas que perpetuam um sistema semi-tribal que serve os interesses imediatos dos chefes locais esquecendo o futuro de todo um país.
No entanto, a história de "Azarías" tem mais contornos que não passam despercebidos ao olhar do espectador. Filho de pais que supomos terem sido mortos durante o conflito, trabalha para o "engordar" do gado e para o grado de um tio que o explora pouco importado com as suas necessidades. Com uma infância perdida e então com medo dos destinos desse tipo por vezes violento, "Azarías" vive apenas um sonho que já não esconde - a sua educação - refugiando-se nas pequenas ofertas de um amigo que mais lhe despertam o gosto por aquilo que não tem.
Neste misto de história sobre os direitos infantis, O Dia em que Explodiu Mabata Bata retrata ainda o seu - de "Azarías" - processo de crescimento numa micro sociedade ainda afectada com os horrores de uma guerra civil presente e que foi devastadora para muitas famílias. Neste período em que este jovem recorda a família que já não tem - para lá do tio e de uma avó sempre preocupada - todo o seu processo de crescimento é feito com trabalho, com medo dos militares que ainda subsistem à custa do seu árduo trabalho enquanto camponês e guardador de gado e com os fantasmas do seu passado presentes nos pequenos elementos que o recordam de uma vida anteriormente tida. Assim, num estilo que mescla a ficção com o documental utilizado de forma interessante para espelhar os dias de uma criança no campo afastada da grande cidade e que, ao mesmo tempo, explora a sua próxima relação com a natureza envolvente como uma parte imprescindível da sua própria sobrevivência onde alimentos, vegetação, animais, água e terra assumem-se como os bens fundamentais e essenciais para que "Azarías" e sua família continuem a subsistir e esperem - à custa dos animais que engordam - poder conferir uma vida melhor no dia de "amanhã". Este desejo de constante trabalho - só de "Azarías" que é insistentemente explorado por um tio que pouco pretende fazer - poderá ser no seu futuro próximo, a única forma dele poder entrar na escola e cumprir o fim último que tanto deseja.
A contribuir para a inserção do espectador em toda uma ambiência de um Moçambique profundo está a música original de Pierre Dufloo que resgata sonoridades tribais e conferindo-lhes a contemporaneidade necessária, fazem do espectador um observador participante da (sua) vivência naquela pequena aldeola onde "Azarías" vive.
Com uma ingenuidade própria de um trabalho em construção, O Dia em que Explodiu Mabata Bata não perde mérito pela simples história ficcionada que se mescla com o relato documental dando não só um retrato de um país ferido como das profundas marcas que continuam a dizimar uma (que se queria) nova geração que se perde com as perdidas e esquecidas sobras de um conflito que - de certa forma - insiste em não terminar.
.
.
6 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário