Un Bacio de Ivan Cotroneo é uma longa-metragem italiana e uma das presentes na décima edição da Festa do Cinema Italiano que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 13 de Abril.
Blu (Valentina Romani), Antonio (Leonardo Pazzagli) e Lorenzo (Rimau Ritzberger Grillo), são três jovens adolescentes com um passado atribulado. Rejeitados pelos colegas da mesma escola desenvolvem uma amizade que os leva a partilhar um mesmo caminho e, possivelmente, encontrar um dia melhor numa escola onde não se sentem inseridos.
Num mundo adolescente sempre em convulsão, conseguirá esta amizade sobreviver aos preconceitos que espreitam de todos as esquinas?
O realizador e também argumentista em parceira com Monica Rametta, apresenta ao espectador uma história que tem os lugares comuns habituais e não é necessariamente uma história original ou que já não tenha sido filmada. Pelo contrário, Un Bacio é uma simpática "cópia" de tantas outras longa-metragens que nos chegam em quantidades industriais vindas do outro lado do Atlântico e que ganham muito mais mediatismo do que esta alguma vez conseguirá. No entanto, o não ser assumidamente original não é um defeito que prejudique a sua narrativa ou mensagem. Pelo contrário, o espectador ao constatar que aqui está "mais um" história sobre a "sobrevivência" adolescente no terrível e pesado ambiente estudantil é motivo o suficiente para perceber que algo está - continua ?! - mal para ainda serem necessárias estas histórias que esperam servir de retrato (e modelo) para aquilo que não deveria acontecer.
Todos eles com um ambiente familiar relativamente saudável - afinal, qual é a família que seja assumidamente funcional??? - "Blu", "Lorenzo" e "Antonio" são o retrato de famílias que poderiam ser desfeitas com a maior das facilidades. Se "Blu" vive com o rótulo de oferecida e "Lorenzo" com o de homossexual ambos alvo das piadas e chacota dos colegas, "Antonio" não escapa à imagem de um pobre inadaptado irmão de alguém popular que ele nunca conseguirá igualar. No seio de uma escola que espreita para destruir o próximo indefeso, é a mais ou menos improvável união destes três adolescentes que, de certa forma, os irá fazer recordar num futuro que afinal os anos de "secundária" não foram assim tão maus como tantos os pintam.
No entanto, há sempre algo que fica para trás... por dizer... por exprimir... "Blu" é uma jovem que, para lá da sua aparente agressividade, se apaixonou por um rapaz mais velho que, juntamente com amigos, a forçou sem o seu conhecimento a um vídeo que a compromete. "Antonio" vive perdido no seu aparente anonimato à sombra da imagem de um irmão que todos adoravam e que é, para ele, o único conselheiro que todas as noites o "visita" no seu quarto como que uma voz da consciência que ele perdeu... e de certa forma, o primeiro sinal de um atrofio mental que passa despercebido a todos, levando o espectador a questionar-se sobre a velha questão... quando morre um filho e toda a atenção é direccionada para os pais que não têm consolo... será que alguém se lembra dos demais filhos que, também eles, perderam uma parte de si? E finalmente temos "Lorenzo"... jovem adoptado a quem a sua sexualidade é - para os demais - o principal rótulo que facilmente lhe colocam. Para lá de o conhecerem e perceberem a pessoa fantástica (ou não) que é, apenas é voluntariamente visível o tal "rótulo" do qual se servem para uma marginalização e ostracização social que tanto lhes é conveniente.
É este improvável trio que se une e, para lá de uma amizade, desenvolve uma admiração e paixão de adolescência que poderia (poderá...) cair num potencial afastamento... Se "Lorenzo" ama "Antonio"... este ama "Blu" que por sua vez vive "enfeitiçada" por um tipo mais velho que pouco quer saber dela. Quando os sentimentos afectivos se tornam mais importantes, ou pelo menos mais evidentes, do que aqueles tidos enquanto amigos e companheiros apenas uma compreensão e aceitação própria poderá evitar que os mal-entendidos surjam e corrompam aquilo que fora, até então, construído.
Do preconceito social passado de geração em geração sem ser quebrado ou "educado", àquele tido pela pressão dos pares ou até mesmo auto-imposto como mecanismo de defesa perante um pensamento sobre o que os demais poderão achar, Un Bacio "resume-se" a isso mesmo... um beijo. Um acto irreflectido de um sentimento latente que é, pelo "outro" julgado como um afecto impossível (por vezes até sentido), mas proibido numa sociedade que considera apenas o dito "normal" como aceitável e o convencional como próprio. Uma sociedade que utiliza e manipula as fragilidades alheias para proveito próprio, ignorando propositadamente que por detrás de um rosto mais "rude" pode estar uma alma mais frágil disposta e disponível a sentir algo mais do que a conclusão imediata de um sentimento expresso em tão jovem idade.
Dos já conhecidos estereótipos aos julgamentos sem fundamento ou simplesmente da vontade de humilhar criando uma pirâmide "social" na mais elementar das estruturas pós-família como o é a da escola, Un Bacio retrata a vida para lá de quatro paredes de um conjunto de jovens que tem tudo para que os demais possam gostar deles mas que, por sua vez, quer pela sua diferença quer pela expressão de individualidade num grupo que se quer homogéneo são considerados apátridas sobre os quais se "deve" continuar a exercer a tal marginalização. E quando se diz que esta provém apenas dos pares... esquece o espectador também quanta ostracização não poderá chegar daqueles que todos os dias privam de mais perto com os alunos... os professores... também (muitos) eles emissários de uma normalização que deve ser acarinhada e difundida matando, quanto baste, a tal projecção de um "eu" que caracteriza cada um de "nós".
De um preconceito existente apenas nos olhos de quem vê (?) àquele que é disseminado em sociedade pelo "bom nome" de uma normalização a uma potencial surpresa que pode deixar o espectador perante os dois caminhos de "um momento", Un Bacio pode não ser a tal obra original dentro do género - poderá ainda haver alguma que o seja?! - mas, ainda assim, consegue ser um interessante espelho de uma sociedade que se diz - e pensa - ter evoluído mas que, no fundo, continua ainda presa a velhos preconceitos, velhas ideias de uma normalidade aceitável e pouco problemática e, na sua essência, apenas corrompe e destrói espíritos livres, independentes com potencial para viajar e voar mais alto... e para mais longe.
Com três interpretações co-protagonistas nesta história sobre a sobrevivência dentro e fora da escola, ou melhor, auto-sobrevivência num mundo que ultrapassa as paredes da referida escola - desde a família aos pares sem esquecer toda a sociedade "lá fora" que os espera - Un Bacio consegue equilibrar os seus momentos mais dramáticas com simpáticos segmentos musicias - a música sempre uma eterna companheira daqueles que nas suas letras revêem as suas vidas - e deixar o espectador a penas (espera-se) sobre os seus idos tempos de "escola" e todos aqueles que, à sua época eram, também eles, "diferentes" e capazes de ser originais.
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