sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Le Vent Tourne (2018)

.
O Vento que Sopra de Bettina Oberli (Suíça/França) é uma das longas-metragens exibidas em Antestreia na décima-nona edição da Festa do Cinema Francês a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 14 de Outubro.
Pauline (Mélanie Thierry) vive isolada nos Alpes Suíços com Alex (Pierre Deladonchamps). Enquanto tentam subsistir com o rendimento natural que os animais lhe providenciam, o casal recebe na sua propriedade uma jovem oriunda de Pripyat na tentativa de lhe proporcionar um melhor nível de vida... Mas é a chegada de Samuel (Nuno Lopes) à quinta que desperta nela um sentimento até então nunca sentido.
Bettina Oberli dá vida a um argumento do qual também é autora em colaboração com Antoine Jaccoud, Thomas Ritter e Céline Sciamma que apresenta uma aparente comunidade idílica no qual um jovem casal se pretende distanciar desse admirável mundo novo dominado pelas modernidades que as novas tecnologias - e até mesmo as "velhas" - lhes podem proporcionar. Independentes de qualquer aparenta regra desse mundo "lá fora", tanto "Pauline" como "Alex" estão refugiados dos ventos do século XXI graças às planícies escondidas pelos Alpes até ao momento em que finalmente se deixam levar por um dos engenhos que lhes poderão facultar luz e, como tal, uma maior autonomia laboral. Isentos dessa "mão moderna" no seu espaço, o casal parece querer estabelecer-se como uma nova comunidade hippie ao recusar a vacinação dos seus animais, não possuir rádio, televisão ou qualquer tipo de contacto com o mundo exterior para lá do estritamente necessário. No entanto, é com a chegada primeiro de "Galina" (Anastasia Shevtsova) à procura de um melhor ambiente natural que ajude a melhorar os eu estado de saúde e depois de "Samuel" por quem "Pauline" desenvolve uma imediata repulsa transformada posteriormente em atracção, que a sua vida com "Alex" se desmorona primeiro na sua relação enquanto casal, depois na sua cumplicidade e finalmente na vontade de continuarem pelo mesmo caminho de confiança.
O poder transformador de uma nova sociedade isenta da interferência alheia, resultou para o jovem casal na medida em que se refugiavam do mundo exterior nas suas vertentes mais básicas... Alheios a notícias, às inovações, à interferência de estranhos (todos aqueles que não habitavam no mesmo espaço que eles) e até mesmo a cuidados médicos para com os seus animais, confiantes que estavam do poder de uma Terra rejuvenescedora, tanto "Pauline" como "Alex" pretendiam transformar o seu espaço num novo mundo incapaz de, no entanto, conseguir satisfazer qualquer uma das suas necessidades... até mesmo as físicas e sentimentais. Mas seria, afinal, esse desejo partilhado? A chegada de "Galina" parece transformar "Pauline" numa mulher que o espectador não conhecia dando asas à sua jovialidade e a uma vontade de experimentar o mundo e aquilo que lhe pode ser proporcionado... primeiro sob a forma de uma nova amizade com a jovem com quem dificilmente comunica mas que lhe mostra a possibilidade de ser alguém, não diferente, mas mais receptivo àquilo que do outro lado da montanha a espera... e finalmente, com a chegada de "Samuel", a personagem de Mélanie Thierry conhece o desejo ardente de uma paixão sentida, de uma entrega física e psicológica capaz de a fazer compreender que ainda está viva e entregue a um mundo que, afinal, poderá não ser o seu ou para o qual não estaria tão direccionada como poderia pensar.
Se a estabilidade emocional de "Pauline" parece ser alterada na medida em que tem a sua "primeira" amizade, o seu "primeiro" grande amor e a sua "primeira grande revelação para com o mundo exterior - um paradoxo se o espectador pensar que se encontra num espaço sem barreiras, cancelas, fronteiras ou obstáculos que a permitem andar livremente por todo o lado -, estes funcionam como o seu despertar para uma realidade (in)conscientemente desejada e para a qual está disposta a lutar como a sua aparente nova realidade. O mundo tal como o conhecera até então já não a seduz ou tão pouco parece fazer sentido e, da mesma forma que os animais dos quais trata são abatidos, também o seu lado mais primitivo e consequentemente também irracional parece morrer e dar forma a uma nova e inesperada realidade... aquela de que o mundo "lá fora" poderá não ser tão nocivo quanto pensaria ou, pelo menos, tanto quanto aquele que defendera até então e no qual se sentia inserida como um dos seus elementos.
É esta percepção de "Pauline", bem como da sua nova realidade que a leva a querer expandir os seus conhecimentos - e potencialmente viagens - por todo esse mundo novo que, sabendo da sua existência, ignora como sendo uma possibilidade. Um mundo onde agora sente poder viver e crescer enquanto pessoa e talvez alcançar novos objectivos e metas que a sua clausura a céu aberto nas montanhas do Jura suíço lhe revelavam ser impossíveis... é apenas a compreensão de que aquele imenso mundo agora tornado pequeno onde tudo o que conhecera parece desaparecer lentamente - tal como a sua sensação de conforto e segurança - não lhe confere a concretização dos seus sonhos que a leva a desejar o desconhecido como o seu novo "limite" ou, pelo menos, a sua nova e (in)esperada realidade.
Com uma belíssima interpretação de Thierry - magnífica a sua iniciação à libertação na discoteca enquanto dança - secundada pelos belíssimos e convictos Deladonchamps e Lopes a funcionarem como os dois pesos da sua nova balança e uma imponente Shevtsova que liga essa ignição que a prepara para uma nova concepção de mundo, Le Vent Tourne será assim um esperado hino à liberdade de uma nova geração privada da possibilidade do "sonho" mesmo residindo num espaço onde tudo parece possível... mesmo o desejo de um mundo mais limpo e mais saudável que, no entanto, (n)os priva de saborear todas as possibilidades e, desse modo, conservador e proibitivo em toda a sua génese.
.

.
7 / 10
.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário