terça-feira, 2 de outubro de 2018

Mi Querida Cofradía (2018)

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Devota com Pouca Sorte de Marta Díaz de Lope Díaz (Espanha) foi a longa-metragem escolhida para terminar mais uma edição do Cine Fiesta - Mostra de Cinema Espanhol que decorreu em Lisboa.
Carmen (Gloria Muñoz) prepara-se para finalmente ser eleita Presidente da Irmandade Católica à qual pertence. Conhecedora de todas as regras e tradições, não existe melhor candidato do que ela até que Ignacio (Juan Gea) assume a presidência. Num mundo reservado ao poder masculino, irá Carmen aceitar ser ultrapassada naquela que seria a etapa mais importante da sua vida?
Numa época em que tanto se debate sobre o dilema do acesso ao poder entre homens e mulheres, Mi Querida Cofradía surge como uma revelação do mesmo através de dois protagonistas cuja idade avançada faz realçar velhos hábitos de outros tempos, costumes e "leis" onde os elementos femininos mais não são do que simpáticos "apoios" da figura masculina dominante que comanda, impõe e dispõe conforme as suas próprias necessidades. Nesta medida, o argumento de Marta Díaz de Lope Díaz e Zebina Guerra faz deste dilema toda uma acção que primeiro apresenta uma personagem feminina protagonista dinâmica e que se entende como respeitada por toda a comunidade - relativamente conservadora e onde a mulher está condicionada a um papel social mais recatado -, preparada para assumir aquele que é o mais importante desempenho social de toda a sua vida. Convencida desta subida na hierarquia social, é quando compreende que foi ultrapassada por um inesperado protagonista cuja única vantagem é ser homem que "Carmen" finalmente se descontrola nas suas acções e comportamentos levando-a a uma inesperada vingança da qual, também ela, não saberia ser capaz.
No entanto, esta comédia espanhola não se fica pela simples corrente social actual onde a mulher reivindica os seus sempre devidos direitos enquanto tão competente (ou mais) do que a dominante figura masculina mostrando, por sua vez, o outro lado da moeda quando a mulher detentora de poder pode, também ela, ser uma figura dominante e manipuladora dos ditos "bons costumes", deixando todos os demais serventes de um qualquer ideal de ordem, lei ou tradição que, no fundo, sempre castrou o chamado "sexo mais fraco". Assim, o que afinal comanda a sociedade? Uma ideia igualitária que perpetua os velhos costumes ou, por sua vez, uma igualdade que permite tudo a todos dentro do devido respeito pela lei e pelo livre acesso às mesmas oportunidades sem descriminação ou benefícios indevidos?
Sem esquecer este aspecto social tão em voga numa altura em que, na realidade, já não deveria ser uma questão tal a pensada evolução dos tempos, Mi Querida Cofradía acaba por ser a esperada comédia de costumes do momento com alguns inspirados momentos de bom humor e disposição sem esquecer as tradicionais interpretações dignas da comédia espanhola nas quais se destacam a óbvia Gloria Muñoz que dá uma cor especial à sua "Carmen" perdida entre o dever de lealdade à irmandade que tanto respeita e dignifica, à sua comunidade na qual se destacou enquanto líder não reconhecida pelos seus superiores - aqui sob o "rosto" da Igreja Católica - e ainda com os seus problemas familiares que tenta abafar pelo bom nome e imagem que tanto tenta preservar. Num momento em que já nada é possível de ocultar ou de ultrapassar, a grande questão que se coloca à sua "Carmen" é se será capaz de sobreviver a um dia de constantes provações! E se "Carmen" é a personagem dominante, surgem de forma ligeira e pouco notada pequenas interpretações secundárias entre as quais as de Rosario Pardo ocmo "Isi" que compõe a imagem da mulher submissa aos antigos costumes que "Carmen" tanto tenta combater. Temerosa mas inspirada, a personagem de Pardo transforma-se naquele conhecido oposto que Muñoz tenta retratar opondo-se estas duas vizinhas e amigas nos limites que os seus desejos tentam personificar.
Não sendo aquela grande comédia de género que o cinema espanhol tão convictamente costuma entregar ao seu público, é pelo seu humor ligeiro e irrepreensível típico das mesmas que Mi Querida Cofradía conquista o espectador independentemente de não ser aquela longa-metragem que irá permanecer muito tempo como uma referência deste género em específico.
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6 / 10
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