Boca do Inferno de Laura Seixas é uma curta-metragem portuguesa de ficção cujo argumento de Renata Pereira nos leva a uma viagem pela dor e por um luto não cumprido.
Madalena (Mafalda Marafusta) é uma jovem adolescente que tem no mar o seu refúgio. Os seus pensamentos dirigem-se sempre para o mesmo espaço onde jaz uma fotografia como homenagem a alguém que, ficamos a saber, ser o seu irmão.
Enquanto a mãe a quer afastada daquele espaço, Madalena não resiste em lá voltar uma e outra vez... até uma última.
A realizadora dirige uma história cujo argumento de Renata Pereira se prende principalmente com uma mensagem de perda, de sentimento de inadaptação e com um luto ainda não cumprido. É neste misto de emoções ainda não exteriorizadas que Boca do Inferno dá corpo a uma família que aos poucos se desmorona após a morte de um dos seus. No fundo, como ultrapassar (sobreviver) a morte de um filho - que nem nome existe para aqueles que lhe sobrevivem - e ainda assim conseguir manter unida a restante família sabendo que ali existe sempre um lugar à mesa que nunca mais será preenchido e cuja falta será diariamente sentida? Como manter viva uma memória sabendo que ela será eternamente dolorosa e que cada recanto da casa faz lembrar aquele que partiu? E depois destas questões sem resposta, como equacionar ainda a presença de mais um filho com o mesmo desporto que viu partir um deles?
Como se estas questões não bastassem, Boca do Inferno tem, no entanto, como ponto de partida principal uma questão invulgar nos filmes do género, ou seja, a perspectiva do irmão - neste caso irmã - que sobreviver à perda do seu par mais directo. A nível de enredo que foque o irmão sobrevivente, de repente lembro-me de duas obras que focam este assunto sendo a primeira a britânica/irlandesa In America, de Jim Sheridan (2002) e a norte-americana Imaginary Heroes, de Dan Harris (2004). Se em ambas a perda do irmão é o elemento de ligação com Boca do Inferno, o evento separa-as... Uma a morte chega pela doença, na outra pelo suicídio e aqui por acidente mas a todas une o sentimento de que aquele que fica é agora o elo de ligação a uma família que se separa e desfaz à medida que os dias passam. Incapazes de unirem aquilo que parece destinado a separar-se, são estes filhos - o sobrevivente - que sofre no silêncio uma dor a quem ninguém presta atenção. Uma dor que os desfaz duplamente pela perda do irmão e pela família que é uma fraca imagem daquilo que em tempos foram. Incapazes de responder a esta espiral de perda o único aparente conforto é a dor de que eles próprios podem também partir sem uma resposta.
No final a todas estas histórias um elemento mais as une... a capacidade de ser retratado o luto a que um dia se vêem obrigados a cumprir. O luto que encerra finalmente um capítulo de dor extrema que sem fazer esquecer aquele que partiu lhes confere, ao mesmo tempo, aquele ponto final que lhes permite seguir mais um dia... um dia de cada vez. O luto que celebra a vida daquele que partiu mas também a vida daqueles que têm agora de redefinir o seu espaço e transformar-se tendo a ausência de um sempre a seu lado.
Mafalda Marafusta tem uma interpretação central em toda esta história e consegue agarrar essa perspectiva da sobrevivente. Todo o filme gira, de uma ou outra forma, em torno dos seus sentimentos e reacções, da forma como lida com a tal família em ruptura e com o seu próprio desejo de enfrentar o mesmo destino que o irmão mas sobrevivendo e honrando a sua memória. No entanto, não é através do risco que o irá conseguir mas sim pela forma como encara o desafio e sai dele com vida. Com a memória dele presente mas com a consciência que ela só poderá honrá-la se o recordar... e vivendo. Ainda que de alguma forma contida, Marafusta consegue ser um espírito dinâmico ao longo de Boca do Inferno e manter toda a coerência desta curta-metragem que apenas peca pela dinâmica familiar que deveria ser mais espontânea, mais emotiva e menos "concentrada" no texto. A dor tem de vir - espera-se - do seu âmago e de um desgaste psicológico e não de uma palavra expressa num papel.
Destaco ainda, e de forma positiva, a captação de uma Boca do Inferno - a localidade - e da sua ambiência cinza tão típica daquela zona de Cascais pela direcção de fotografia de JP Caldeano conferindo à curta-metragem o seu próprio sentimento de luto e tristeza.
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7 / 10
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