Lugares Escuros de Gilles Paquet-Brenner é uma longa-metragem franco-americana e a mais recente estreia cinematográfica de Charlize Theron depois do esperado Mad Mad: Fury Road.
Libby Day (Theron) tinha apenas oito anos em 1985 quando a mãe e duas irmãs foram brutalmente assassinadas na sua casa durante a noite. Depois da detenção de Ben (Tye Sheridan), o seu irmão mais velho, Libby viveu toda uma vida como a "criança vítima" que toda a comunidade decidiu auxiliar.
Mas quando trinta anos depois uma comunidade de investigadores decide recuperar o caso e desvendar todas as pequenas questões que ficaram por responder, Libby vê toda a verdade ressurgir num caso que a atormentou toda a sua vida revivendo assim os trágicos acontecimentos daquele noite.
Num ano em que se assume como uma presença constante nos ecrãs, Charlize Theron não só protagoniza como produz este Dark Places, um thriller dramático no qual volta a contracenar com Nicholas Hoult - tal como no já referido Mad Max: Fury Road - e que coloca o espectador no centro de uma história que mescla o passado e o presente, as memórias e uma confusão de sentimentos que apenas são desvendados no final. No centro de um Kansas rural, as vidas desgastadas não só pelas crises financeiras como principalmente por um conjunto de elementos pessoais que esvaziam as esperanças daqueles que atravessam uma já de si complicada situação, levam a que todas aquelas pequenas grandes diferenças que fogem ao "normal" do meio sejam apontadas como as causadoras de todo o mal. Um mal que não existe necessariamente no "outro" mas sim no "eu" que o observa com desdém e até alguma inveja por conseguir e querer ser diferente... algo que "deste lado" nunca é conseguido.
É com base nesta premissa que se desenvolvem os destinos de "Ben", um jovem solitário e com um espírito relativamente grande demais para o pequeno espaço em que vive e que fruto das suas escolhas de adolescente "alternativo" - para o meio - se vê no centro de um conflito social em que é apontado por tudo... e todos. É quando a tragédia invade a sua casa com a morte da mãe e de duas das suas irmãs que "Ben" vê todos os rumores da cidade caírem sobre si como se de factos já confirmados se tratassem sendo ele culpado de todo o mal que aconteceu dentro do seu lar. Mas... o que aconteceria se anos depois alguém resolvesse olhar para os factos e não para o preconceito que o resolveu "julgar"? Numa América de várias "Américas" - que é como quem diz diversas realidades - que importância tem o elemento diferente que destoa da realidade socialmente aceitável? No seio de um conservadorismo atroz que julga sem conhecer, quem é que ousa ser diferente? Quem ousa pensar pela sua própria cabeça ou até mesmo viver independente? E mais importante que tudo isto, quem poderia sequer demonstrar solidariedade perante uma família que tem - na opinião dos demais - um adorador de Satanás no seio das suas quatro paredes?!
Dark Places é para além do "ensaio" sobre a diferença, um conto sobre aqueles lugares onde a mudança e o tempo não passaram - ou passaram sem deixar marca - e que exteriormente tudo é muito bonito e polido mas que no seu interior esconde um núcleo podre que se refugia no poder do dinheiro e naqueles que na sua falta são engolidos pelo mesmo. Esses lugares onde a sobrevivência depende do engenho próprio e da capacidade de resistir no silêncio a um mundo adverso onde o sacrifício pessoal dita a qualidade de cada um e os sentimentos são uma miragem desconhecida.
O engano e o rumor estão sempre presentes em Dark Places. A incerteza paira no ar e a única coisa que o espectador mantém como certa é que as aparências revelam-se - a seu tempo - correctas e que os culpados (pelo menos alguns...) são verdadeiramente culpados estando, no entanto, a atenção desviada daqueles que o são. As evidências nem sempre o são... tal como as certezas. E aquilo que inicialmente era dado como uma prova da culpa de alguém não o é... assim como todas as vítimas... nem sempre o são. No fundo, aquilo que Dark Places nos faz descobrir é que nem sempre quem sofre é uma vítima inocente... por vezes contribuiu para a sua condição - com um sentido de abnegação - e por outras é uma vítima consciente em nome da salvação de alguém que desconhecendo faz parte do seu ser. Sem nunca esquecer que nem tudo é como inicialmente parece aos olhos dos espectador que sente desde o primeiro momento que a história tem mais do que aquilo que revela... mas que as surpresas só poderão - irão - chegar no final.
Para lá dos pré-julgamentos que sabemos existirem nos meios pequenos onde todos são "obrigados" a parecer mais do que aquilo que realmente são, Dark Places lança ao espectador uma outra questão fundamental... até onde estaria disposto a ir para salvaguardar aqueles de que mais ama? Esta questão que é "encarnada" por "Patty" (Christina Hendricks), a matriarca dos "Day", mas também por "Diondra" (Andrea Roth/Chloë Grace Moretz) que esconde durante anos o seu próprio segredo apenas conhecido de "Ben". Se para a primeira esta questão pode ser respondida por motivos de segurança e de planeamento de um futuro ao qual (não) poderá - irá - assistir, para a outra esta salvaguarda é meramente animal e instintiva sendo que a sua preservação só estará garantida se tudo for executado sem deixar as tais "pontas soltas".
Mas esta sobrevivência não se prende apenas com o poder chegar à frente mais um dia. Ela prende-se principalmente com a capacidade de chegar a esse dia sabendo que tudo aquilo que foi deixado para trás está resolvido fazendo com que seja possível viver de consciência tranquila com esse momento. Saber que somos capazes de impedir que o "mal" - tal como é a certa altura referido por "Libby Day" -, apenas pode(rá) entrar se lhe permitirmos entrada. Saber que perdoámos aquele "eu" que deixámos para trás e que por muito assustado que se encontrasse em tempos mais conturbados da sua (nossa) existência, o dia de amanhã será mais tranquilo e pacífico apenas conseguido com o perdão que lhe (nos) reservámos.
"Libby Day", ainda que uma vítima inconsciente, torna-se uma nova criação quase insensível de Charlize Theron na medida em que nada da sua história pessoal lhe reserva uma memória agradável do seu "eu", assumindo-se uma vez mais como a anti-heroína de serviço. O espectador fica quase indiferente à sua condição/situação durante a maior parte do filme e apenas aos poucos já bem perto do final consegue sentir alguma empatia com a sua personagem. No fundo, ainda que uma vítima desde jovem idade, Charlize Theron consegue criar uma personagem com a qual não existe grande simpatia mesmo tratando-se de uma jovem que esteve no centro de um brutal triplo homicídio tendo perdido toda a família no processo. Para lá de vítima ou de uma ocasional oportunista da sua própria situação, a personagem de Charlize Theron consegue manter-se ora distante e insensível ora curiosa e perdida. Afinal, o que será a realidade?
Destaque ainda para as interpretações de Tye Sheridan e Chloë Grace Moretz, dois dos novos jovens talentos de Hollywood com um percurso seguro e forte que conferem esperança para a nova geração de actores que com as suas personagens se colocam em planos bem distintos entre o Bem e o Mal e ainda as participações secundárias mas decisivas de Nicholas Hoult e Corey Stoll que não tendo grande tempo de antena em Dark Places se assume como uma figura central na evolução de toda a história.
Dark Places é assim um filme cuja história dá ênfase à eterna questão: e se o rumor ganhar vida própria? Mas acima de tudo isso faz ainda uma outra questão... e se depois de ganhar essa vida tudo o que acontecer à sua volta for imediatamente considerado como uma verdade que não se questiona? Confirmado que fica, onde poderá alguém encontrar a sua defesa?
Numa altura em que as salas de cinema ficam cheias de filmes pipoca na sua maioria sem o mínimo de interesse, Dark Places afirma-se como uma interessante e segura aposta através de uma história que para lá das evidências se afirma com as surpresas que reserva porque nem tudo é como parece ser.
Num ano em que se assume como uma presença constante nos ecrãs, Charlize Theron não só protagoniza como produz este Dark Places, um thriller dramático no qual volta a contracenar com Nicholas Hoult - tal como no já referido Mad Max: Fury Road - e que coloca o espectador no centro de uma história que mescla o passado e o presente, as memórias e uma confusão de sentimentos que apenas são desvendados no final. No centro de um Kansas rural, as vidas desgastadas não só pelas crises financeiras como principalmente por um conjunto de elementos pessoais que esvaziam as esperanças daqueles que atravessam uma já de si complicada situação, levam a que todas aquelas pequenas grandes diferenças que fogem ao "normal" do meio sejam apontadas como as causadoras de todo o mal. Um mal que não existe necessariamente no "outro" mas sim no "eu" que o observa com desdém e até alguma inveja por conseguir e querer ser diferente... algo que "deste lado" nunca é conseguido.
É com base nesta premissa que se desenvolvem os destinos de "Ben", um jovem solitário e com um espírito relativamente grande demais para o pequeno espaço em que vive e que fruto das suas escolhas de adolescente "alternativo" - para o meio - se vê no centro de um conflito social em que é apontado por tudo... e todos. É quando a tragédia invade a sua casa com a morte da mãe e de duas das suas irmãs que "Ben" vê todos os rumores da cidade caírem sobre si como se de factos já confirmados se tratassem sendo ele culpado de todo o mal que aconteceu dentro do seu lar. Mas... o que aconteceria se anos depois alguém resolvesse olhar para os factos e não para o preconceito que o resolveu "julgar"? Numa América de várias "Américas" - que é como quem diz diversas realidades - que importância tem o elemento diferente que destoa da realidade socialmente aceitável? No seio de um conservadorismo atroz que julga sem conhecer, quem é que ousa ser diferente? Quem ousa pensar pela sua própria cabeça ou até mesmo viver independente? E mais importante que tudo isto, quem poderia sequer demonstrar solidariedade perante uma família que tem - na opinião dos demais - um adorador de Satanás no seio das suas quatro paredes?!
Dark Places é para além do "ensaio" sobre a diferença, um conto sobre aqueles lugares onde a mudança e o tempo não passaram - ou passaram sem deixar marca - e que exteriormente tudo é muito bonito e polido mas que no seu interior esconde um núcleo podre que se refugia no poder do dinheiro e naqueles que na sua falta são engolidos pelo mesmo. Esses lugares onde a sobrevivência depende do engenho próprio e da capacidade de resistir no silêncio a um mundo adverso onde o sacrifício pessoal dita a qualidade de cada um e os sentimentos são uma miragem desconhecida.
O engano e o rumor estão sempre presentes em Dark Places. A incerteza paira no ar e a única coisa que o espectador mantém como certa é que as aparências revelam-se - a seu tempo - correctas e que os culpados (pelo menos alguns...) são verdadeiramente culpados estando, no entanto, a atenção desviada daqueles que o são. As evidências nem sempre o são... tal como as certezas. E aquilo que inicialmente era dado como uma prova da culpa de alguém não o é... assim como todas as vítimas... nem sempre o são. No fundo, aquilo que Dark Places nos faz descobrir é que nem sempre quem sofre é uma vítima inocente... por vezes contribuiu para a sua condição - com um sentido de abnegação - e por outras é uma vítima consciente em nome da salvação de alguém que desconhecendo faz parte do seu ser. Sem nunca esquecer que nem tudo é como inicialmente parece aos olhos dos espectador que sente desde o primeiro momento que a história tem mais do que aquilo que revela... mas que as surpresas só poderão - irão - chegar no final.
Para lá dos pré-julgamentos que sabemos existirem nos meios pequenos onde todos são "obrigados" a parecer mais do que aquilo que realmente são, Dark Places lança ao espectador uma outra questão fundamental... até onde estaria disposto a ir para salvaguardar aqueles de que mais ama? Esta questão que é "encarnada" por "Patty" (Christina Hendricks), a matriarca dos "Day", mas também por "Diondra" (Andrea Roth/Chloë Grace Moretz) que esconde durante anos o seu próprio segredo apenas conhecido de "Ben". Se para a primeira esta questão pode ser respondida por motivos de segurança e de planeamento de um futuro ao qual (não) poderá - irá - assistir, para a outra esta salvaguarda é meramente animal e instintiva sendo que a sua preservação só estará garantida se tudo for executado sem deixar as tais "pontas soltas".
Mas esta sobrevivência não se prende apenas com o poder chegar à frente mais um dia. Ela prende-se principalmente com a capacidade de chegar a esse dia sabendo que tudo aquilo que foi deixado para trás está resolvido fazendo com que seja possível viver de consciência tranquila com esse momento. Saber que somos capazes de impedir que o "mal" - tal como é a certa altura referido por "Libby Day" -, apenas pode(rá) entrar se lhe permitirmos entrada. Saber que perdoámos aquele "eu" que deixámos para trás e que por muito assustado que se encontrasse em tempos mais conturbados da sua (nossa) existência, o dia de amanhã será mais tranquilo e pacífico apenas conseguido com o perdão que lhe (nos) reservámos.
"Libby Day", ainda que uma vítima inconsciente, torna-se uma nova criação quase insensível de Charlize Theron na medida em que nada da sua história pessoal lhe reserva uma memória agradável do seu "eu", assumindo-se uma vez mais como a anti-heroína de serviço. O espectador fica quase indiferente à sua condição/situação durante a maior parte do filme e apenas aos poucos já bem perto do final consegue sentir alguma empatia com a sua personagem. No fundo, ainda que uma vítima desde jovem idade, Charlize Theron consegue criar uma personagem com a qual não existe grande simpatia mesmo tratando-se de uma jovem que esteve no centro de um brutal triplo homicídio tendo perdido toda a família no processo. Para lá de vítima ou de uma ocasional oportunista da sua própria situação, a personagem de Charlize Theron consegue manter-se ora distante e insensível ora curiosa e perdida. Afinal, o que será a realidade?
Destaque ainda para as interpretações de Tye Sheridan e Chloë Grace Moretz, dois dos novos jovens talentos de Hollywood com um percurso seguro e forte que conferem esperança para a nova geração de actores que com as suas personagens se colocam em planos bem distintos entre o Bem e o Mal e ainda as participações secundárias mas decisivas de Nicholas Hoult e Corey Stoll que não tendo grande tempo de antena em Dark Places se assume como uma figura central na evolução de toda a história.
Dark Places é assim um filme cuja história dá ênfase à eterna questão: e se o rumor ganhar vida própria? Mas acima de tudo isso faz ainda uma outra questão... e se depois de ganhar essa vida tudo o que acontecer à sua volta for imediatamente considerado como uma verdade que não se questiona? Confirmado que fica, onde poderá alguém encontrar a sua defesa?
Numa altura em que as salas de cinema ficam cheias de filmes pipoca na sua maioria sem o mínimo de interesse, Dark Places afirma-se como uma interessante e segura aposta através de uma história que para lá das evidências se afirma com as surpresas que reserva porque nem tudo é como parece ser.
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"Libby Day: The truly frightening flaw in humanity is our capacity for cruelty - we all have it."
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"Libby Day: The truly frightening flaw in humanity is our capacity for cruelty - we all have it."
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