Depois do Silêncio de Guilherme Daniel é uma curta-metragem de ficção portuguesa presente na secção competitiva de Leiria da quinta edição do Leiria Film Fest que hoje termina no Teatro Miguel Franco na cidade beirã.
Uma mulher (Ágata Pinho) tenta aceitar a morte precoce do seu marido (Daniel Viana) quando este ressuscita sistematicamente noite após noite. Num misto de paixão post-mortem e o desespero de uma perda num mundo recatado onde todos os olhos espreitam, poderá sobreviver esta mulher a um inexistente luto ou irá ela sucumbir a uma perda que se repete diariamente?
Dois momentos separam a dinâmica de Depois do Silêncio e, no fundo, o argumento de Guilherme Daniel que situa o espectador num tempo desconhecido e perdido. Se inicialmente o espectador depara com uma história que se deixa embrenhar por uma dinâmica muito semelhante à de The Village (2004), de M. Night Shyamalan onde o tempo e o espaço são algo dispersos e incertos ainda que aparentando tempos já idos, não deixa de se sentir, no entanto, que poderíamos estar perante uma qualquer comunidade onde a vontade da mesma determinou o seu auto-isolamento e o discorrer de factos mais ou menos sinistros que ninguém conseguirá explicar. Aliás, as próprias conversas são imperceptíveis, inaudíveis e mesmo indeterminadas de modo a que este misto de incerteza predomine no espectador.
Por outro lado, Depois do Silêncio - e depois de algum tempo - deixa-se levar pelo macabro com o surgimento de uma relação necrófila, pela agressão sexual caracterizada pelo segmento em que a "Mulher" é violada por dois homens da comunidade e "forçada" a um certo silêncio que a comunidade incutiu nos seus membros e, finalmente, a todo um segmento gore onde ela se liberta dos estigmas de uma sociedade que a manobrou a ser tal como é - silenciosa, recatada e respeitadora -, ignorando as suas vontades e desejos manifestados dessa libertação sentimental e sexual de um marido que regressa... mas já não é quem ela conhecera. Este, incapaz de encontrar o seu novo lugar, regressa àquela comunidade como o purgatório que o separa de um descanso eterno, talvez atormentado por uma vida passada que deixara incompleta ou até mesmo pouco esclarecida.
Neste misto de conto sobre o profano que separa o céu do purgatório e este do inferno, enclausurando as suas almas neste espaço degradado e incerto, Depois do Silêncio é portanto uma reflexão sobre um estado de alma - ou das almas?! - presas a um tempo que já não será o seu. Será a verdadeira vítima aquele que partiu mas que regressa ou, por sua vez, serão aqueles que "conscientes" do seu estado não sabem realmente o local onde se encontram? Qual a verdadeira prisão, ou liberdade...? Aquele tida pelos que sabem que estão de facto enclausurados numa prisão ou a consciencializada por uma comunidade que, a céu aberto, se mantém reclusa de um ideal de liberdade?
Dotado de um certo misticismo graças a uma magnífica direcção de fotografia do próprio realizador que se "esconde" nessa ideia de tempo e espaço incerto e ainda apimentado com uma componente técnica - guarda-roupa, direcção artística, (...) - de excelência, o momento mais frágil de Depois do Silêncio talvez seja o inesperado e talvez "inapropriado" momento gore final que retira alguma dessa componente de incerteza anunciando, provavelmente, alguma libertação da "Mulher" saturada da sua prisão a céu aberto mas que, ao mesmo tempo não lhe abre perspectivas de algo mais, melhor ou diferente conferindo-lhe apenas a ausência de um amor agora perdido para todo o sempre.
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7 / 10
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