Tangerine de Sean Baker é uma longa-metragem independente norte-americana premiada no Festival de Sundance e que nos relata um final de tarde e uma noite na vida de Sin-Dee Rella (Kitana Kiki Rodrigues) que regressa ao seu bairro depois de uma breve detenção onde encontra Alexandra (Mya Taylor) e que nesta véspera de Natal descobre que Chester (James Ransone) o seu namorado e "chulo" não foi totalmente fiel.
Naquela que será uma verdadeira odisseia de Sin-Dee pelas ruas de uma quente Los Angeles, ela irá não só em busca do seu namorado como da mulher com quem ele a traiu enquanto é perseguida por Ramzik (Karren Karagulian), um taxista de origem arménia que tem uma obsessão secreta.
O realizador Sean Baker e Chris Bergoch escrevem o argumento de uma pouco convencional história de Natal onde as suas personagens - também elas alternativas - vivem os dramas de uma existência à margem tendo, no entanto, um curioso, inesperado e cúmplice desfecho para as suas existências. Estamos então perante uma história de Natal que ao contrário do tradicional não nos irá apresentar uma família unida, nem tão pouco presentes que momentaneamente possamos relacionar com a importância que os outros nos depositam. Não vamos encontrar neve, nem camisolas quentes ou tão pouco qualquer tipo de cumplicidade e lealdade entre estas personagens que, em boa medida, andam pelo mundo com um próprio sentido ainda desconhecido. Aqui, aquilo que as move, prende-se única e exclusivamente com uma sobrevivência diária que lhes permita ignorar aquilo que são, a falta de aceitação dos que as rodeiam ou ainda a inexistente amizade nos momentos em que mais precisam limitando-se assim a viver uma existência solitária e incompreendida que as torna invisíveis para lá da "noite" em que tradicionalmente habitam.
Aquilo que tornou Tangerine um filme "esperado" e de certa forma muito badalado foi o facto de ser liderado por duas actrizes transexuais que entregam, através das suas personagens, um olhar pouco explorado em cinema e que lhes conferem uma humanidade que, de certa forma, o espectador não esperava ver. Longe de serem redentoras ou tão pouco de apresentar qualquer tipo de acção de afirmação ou moralidade sobre as suas existências - não as observamos em nenhum momento a pedir respeito aos que com elas habitam, bem pelo contrário demonstram ter vidas onde a droga e a prostituição reinam -, as personagens interpretadas por Kitana Kiki Rodriguez e Mya Taylor são em boa medida duas marginais a uma sociedade que simplesmente prefere olhar para o outro lado e ignorar a sua existência excepto quando lhes confere a "utilidade" de um prazer sexual rápido, anónimo e que corresponda àquilo que essa mesma sociedade diz ser "proibido".
Num ritmo que muito se aproxima de um docudrama onde os factos e a dramatização caminham de mão dada, Tangerine leva o espectador a uma breve viagem ao outro lado de Los Angeles, onde as estrelas não brilham, não são conhecidas e tão pouco esperam ter a tal "oportunidade". Aqui todos são aqueles que perceberam que o seu tempo passou e que nunca irão ser mais do que aquilo que conseguiram até então... existências mundanas e solitárias.
Mas, quando pensamos que tudo está perdido para "Sin-Dee" e para "Alexandra", é através de um acto irracional de elementos exteriores que percebemos realmente do que são feitas estas duas mulheres para quem a definição de amizade se baseava apenas em meia dúzia de horas passadas em conjunto onde verbalizavam trivialidades sobre o que poderiam ser, ter ou fazer. É naquele exacto momento final que ambas percebem que tudo poderá acabar bem entre elas independentemente daquilo - pouco - que têm ou virão a ter residindo a sua sobrevivência na confiança que sentem existir mesmo nos momentos em que essa mesma amizade poderia sair comprometida.
Ainda com um olhar sobre a sexualidade de algumas personagens mantida em segredo, ou até mesmo sobre a abertura com que outros olham para a mesma, Tangerine transforma o lado "negro", exuberante e completamente marginal de uma Los Angeles - e a cidade propriamente dita - sem o brilho das estrelas numa personagem pouco oculta desta longa-metragem que vive entre a comédia das personagens que esconde o drama que sentem no seu interior, deixando o espectador pensar sobre o que encontram estas pessoas quando se olham ao espelho... alguém concretizado... alguém martirizado...?!
Ainda que Tangerine sobreviva graças à tenacidade e excentricidade da dupla protagonista, não é menos verdade que um dos seus mais fortes elementos é a direcção de fotografia de Radium Cheung e Sean Baker que confere a tal vivacidade a uma Los Angeles desconhecida transformando-a num elemento sentido e presente bem como o ar frenético incorporado pela dupla que as faz estar em todo o lado ao mesmo tempo.
Invulgar pela temática e longe de ser o típico conto de Natal, Tangerine é uma inesperada surpresa pela forma como permite ao espectador rir mas deixá-lo numa incerteza de sentimentos ou percepções sobre aqueles que observa... estarão realmente felizes ou escondem a sua mágoa e incompreensão por detrás de um certo look estridente que nos permite observá-los como aquilo que esperamos ver da sua parte e não necessariamente aquilo pelo qual realmente são.
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"Sin-Dee:
Merry Christmas Eve, Bitch."
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7 / 10
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Li e ouvi falar muito bem deste filme. A ver...
ResponderEliminarBons filmes,
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