segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Montanha (2015)

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Montanha de João Salaviza é uma longa-metragem portuguesa presente na secção competitiva do LEFFEST - Lisbon & Estoril Film Festival a decorrer am várias salas de Lisboa e Estoril até ao próximo dia 15 de Novembro.
David (David Mourato) é um jovem de quatorze anos que vive nos arredores da capital. Forçado a crescer sózinho, David depara-se com a eventual morte do avô e a necessidade de se tornar adulto antes do tempo ao mesmo tempo que descobre a sua primeira paixão e a perda que está inerente a ambas as situações.
Depois de Arena (2009), de Rafa (2012) e de Cerro Negro (2012) - vencedoras da Palma de Ouro, do Urso de Ouro e do Sophia da Academia Portuguesa de Cinema respectivamente - João Salaviza regressa com a sua primeira longa-metragem e, uma vez mais, também ela com uma perspectiva sobre a clausura. Se em Arena esta se reflectia através de uma prisão domiciliária, em Rafa era a iminência de uma prisão física que se viria a confirmar com Cerro Negro mas, em todas elas, está presente a prisão maior, ou seja, aquela tida pela mente humana. Todas estas personagens - que poderiam facilmente ser "vizinhos" - cujas histórias podem (ou não) cruzar-se nas suas narrativas, são exemplos perfeitos de almas esquecidas. Almas perdidas no tempo e no espaço que ousam - um dia - olhar para lá do seu ambiente dito natural e vislumbrar à distância aquilo que poderia ser "seu".
Se pensarmos nos pequenos, e eventualmente os mais marcantes, momentos dos trabalhos de Salaviza, existe sempre um segmento em que todos olham para o vazio com que se deparam. É nesse momento que percebem que pode(ria)m ser mais - algo mais - do que aquilo que o destino invariavelmente lhes reservou e com o qual foram obrigados a conformar-se.
Transversal a todas as obras de Salaviza está o ambiente em que as suas personagens deambulam - literalmente - na medida em que são filhos de uma população que vive nas margens da sociedade e comunidade urbana. É este urbanismo que, aliás, lhes confere uma certa impotência de recursos e um anonimato que os caracteriza como "um entre muitos", impossibilitando qualquer tipo de resposta para os seus eventuais problemas. Afligidos quer pela crise económica e financeira, quer pela falta de oportunidades que o "mundo" insiste em não lhes proporcionar ou até mesmo pelos estigmas e preconceitos já inerentes ao espaços de onde provêm, todas estas personagens acabam por existir e sobreviver de forma anónima e num silêncio ruidoso.
É então graças a esta impotência retratada pelas personagens do universo de Salaviza, e no fundo pela própria sociedade - deles e nossa - aqui tão bem captadas que todo um conjunto de momentos e situações se despoleta e justifica. Desde a já referida crise que obriga a mãe de "David" a emigrar em busca de uma vida melhor e que, como tal, se vê forçada a deixá-lo com o avô. Esta sensação de abandono parental que faz de "David" um jovem problemático, facto apenas agravado pelo meio em que se encontra e por uma disparidade etária em relação ao seu avô que passa os seus dias mais preocupado em passeios com os amigos do que propriamente em tratar de um neto que entrara recentemente na adolescência e na puberdade e que, graças a toda a falta de orientação que tem, parecem condená-lo a uma vida marginal à lei e à própria sociedade.
Assim, com uma família fragmentada graças a uma mãe (Maria João Pinho) ausente, um avô às portas da morte, uma irmã ainda criança e uma ausência de figura paternal que apenas parece algures no tempo ter ganho forma através de "Gustavo" (Carloto Cotta) pai da sua irmã mais jovem e com quem parece ter uma relação tensa e da qual luta para escapar, "David" é forçado ou a crescer mais cedo ou a entrar em total ruptura com tudo e todos à sua volta. Na ainda impossível ruptura, "David" encontra em "Paulinha", a sua amiga de infância, o único refúgio possível tentando ter através dela o afecto e a cumplicidade que lhe têm faltado por parte de todas as demais pessoas da sua vida iniciando uma viagem pessoal de despertar da sua sexualidade inerentes - em certa medida - à vivência da sua adolescência.
É a solidão de "David" - sempre sofrida em silêncio - que caracteriza Montanha como o primeiro grande reflexo de uma prisão psicológica na obra de Salaviza, que tolhe este jovem e o condena a uma vida marginal onde abundam os pequenos crimes e alguma delinquência frutos de um fracasso económico e social e, como sua directa consequência, àquele também escolar. Silêncio esse que resulta de uma tristeza e um desespero profundos que perpetuam uma falta de motivação e, por sua vez, à eterna questão sobre que futuro - a haver algum - será o dele... Sentimentos fortes estes aos quais o espectador assiste em primeira mão fruto de uma câmara sempre presente e que raramente se distancia dos rostos das diversas personagens alheando-os - e a nós - de todos os detalhes supérfluos. Sempre presente está a ideia de uma morte adiada do avô - física - e a dele e demais personagens - psicológica - pela compreensão de que o "amanhã" pode ser apenas um sonho, também ele, adiado. Mesmo o ambiente exterior é apenas captado na estrita necessidade de captar "o local", não o caracterizando geograficamente nas sim de uma forma geral conferindo apenas a ideia de interior ou exterior mas, no entanto, nunca é esquecida, graças à uma intensa direcção de fotografia de Vasco Viana, a presença de um calor abrasador - pela força da luz e de sombras quentes - que os condena a tal já referida "prisão".
Tal como Os Mutantes (1998), de Teresa Villaverde foi o rosto de uma certa adolescência dos anos 90 do século passado, também a Montanha de Salaviza dá agora o tal rosto a adolescência desta segunda década do século XXI que, desprovida de sonhos, ambições, desejos e até mesmo de uma noção ou concepção de família, se encontra perdida num caminho sem retorno, sem saber para onde se dirigir limitando-se a (sobre)viver como náufragos sem rumo. E se na obra de Villaverde foram Ana Moreira e um desaparecido Alexandre Pinto a encarnarem essa geração, agora é David Mourato que lhe dá corpo e de uma invulgar forma - considerando a falta de objectivos do seu "David" - uma alma... ainda que perdida. Bravo à sua interpretação.
Com uma história que cruza, de certa forma, o enredo das suas curtas-metragens - afinal até aqui temos o "Rafa" (Rodrigo Perdigão) da curta-metragem homónima, Salaviza consegue fazer de Montanha o cúmulo de um desespero já sentido. De uma incapacidade de desejar, de acreditar, de esperar... Aliás, Montanha anula mesmo qualquer tipo de esperança - económica, social, familiar, profissional... - transformando as suas personagens em meros seres que deambulam pelos espaços, sendo uma sua parte anónima... e igualmente silenciosas.
Numa comparação que me parece pertinente não só para enquadrar Montanha como também o ano cinematográfico português... Se As Mil e Uma Noites - Volume I - III, de Miguel Gomes são o retrato de um país descontrolado e sem rumo, e se Uma Rapariga da Sua Idade, de Márcio Laranjeira o são de uma geração que já nos trinta's se encontra estagnada... então Salaviza entrega esta Montanha naquele que é o retrato de uma nova geração completamente perdida.
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"David: Só te tenho a ti."
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8 / 10
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