quarta-feira, 27 de abril de 2016

Paul (2016)

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Paul de Marcelo Félix é uma longa-metragem portuguesa presente na secção de Competição Nacional do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente a decorrer até ao próximo dia 1 de Maio.
Uma legendadora (Alice Medeiros) está em processo de trabalho para um filme. Observa as imagens com atenção deixando-se levar de forma enigmática pelas mesmas. No filme temos um protagonista... Alguém (Rómulo Ferreira) que trabalha numa fábrica mas que secretamente vive uma paixão pela música.
Marcelo Félix cria o argumento de Paul que leva o espectador a uma história que tem tanto de improvável como de Lynchiano. Num primeiro segmento desta longa-metragem, o espectador é inserido no imaginário de uma mulher que tenta legendar um filme. Quase sem reacção para lá da estritamente necessária para a prossecução do seu trabalho, esta mulher parece absorta na sua tarefa ao ponto de nem responder ao aparente único contacto humano que é, com ela, estabelecido. Num momento imediato, o espectador é levado até ao interior do filme que legenda, uma história sobre os encontros e desencontros de um operário fabril (Rómulo Ferreira) que numa linha de produção de objectos em vidro esconde uma paixão secreta pela música. A acompanhá-lo temos "Daiva" (Crista Alfaiate), uma outra operária que num terceiro momento irá acompanhar "Kerttu" (Mafalda Lencastre) e "Liocha" (Dimitris Mostrous) pelo paul da região onde observam a vida vegetal e animal que completa o espaço. Se por um lado a legendadora parece cada vez mais embrenhada na sua tarefa ao ponto de se deixar confundir e anular pela mesma, assistimos a uma maior dispersão do operário para com as suas funções e um passeio pelo paul que leva os seus intervenientes a uma viagem vaga e sem rumo perdendo-se até pelos seus recantos.
Esquecendo a divisão entre quem escreve que história, ou até mesmo quem protagoniza o quê, Paul emerge o espectador numa viagem que, tal como a dos seus protagonistas, parece não ter qualquer rumo no horizonte. Por momentos Marcelo Félix parece querer levar o espectador à solitária profissão de uma legendadora cuja vida pessoal é inexistente. Inexistente ao ponto de se deixar levar pela história criada e vivida por aquele conjunto de actores, pelas suas eventuais motivações e pelos caminhos que todos parecem percorrer. No fundo, a questão - se é que o é - colocada é para esta mulher a mesma tida pelo operário fabril que percebe estar fora do seu contexto. Será aquele o caminho que devem prosseguir?
Os seus pensamentos cruzam-se aliás pelo abrupto e não revelado término das suas profissões. Se uma deixa o filme em que trabalha para se lançar numa corrida por uma mata - um ambiente semelhante ao do paul - o operário é, também ele, "levado" para uma mata deserta onde finalmente volta a tocar abraçando aquilo que parece desejar. Ao mesmo tempo, ambos vão dar junto à água - um lago - onde abraçam finalmente algo que desejam... tocar... nadar... desaparecer.
"Acorda" - em estónio, a segunda língua utilizada em Paul -, a palavra que aparece escrita num papel acaba portanto por ser uma mensagem subliminar não só para o operário que vê a sua "vida" - ficcionada - colocada em causa como o é, principalmente, para a legendadora que parece encontrar nesta história, as respostas que procura para a sua própria vida.
Neste aparente mar de incertezas temos então o paul que funciona como que um limbo... Aqueles que nele se encontram - os três estónios - como a imagem dos que ainda não encontraram um rumo para as suas existências... os demais - operário e legendadora sendo esta alguém que apenas encontra na existência dos outros justificação para a sua própria "presença" -, já libertos de afazeres com que não se identificam ou que não os completam, encontram-se nas suas margens... a percorrer outros caminhos (in)certos.
Assim, numa busca contemplativa sobre o real e o irreal, Paul leva o espectador numa busca identitária, incerta e invulgar que deixa o espectador como o livre arbítrio de criar a sua própria interpretação e aquilo que julga serem os motivos - ou falta deles - destas personagens silenciosamente errantes. Silêncio que, aliás, acaba por contemplar não só a legendadora como boa parte das personagens durante algum - ou até mesmo a totalidade - tempo. O silêncio como a incerteza do caminho a percorrer... sobre a reflexão das dúvidas e metas a cumprir... Quais os objectivos? Simbolicamente a água é como que a passagem para a tal outra realidade a que pertencem como poderemos assistir ao salvamento do pato preso na lama numa água na qual não pode sobreviver.
Interessante sob um ponto de vista abstracto onde tudo está sujeito a todo o tipo de interpretações, este acaba por ser igualmente o ponto mais frágil de Paul que sem uma conclusão minimamente clara ou conclusiva sobre o propósito destas histórias (ir)reais, levam a que o espectador se sinta perdido e por vezes disperso durante uma longa-metragem de setenta minutos que teria tudo para resultar enquanto um objecto não místico mas misterioso onde as personagens se confundem entre duas "realidades" paralelas ou, pelo menos, duas realidades que a dada momento são reais para um dos intervenientes.
Com uma enigmática interpretação de Rómulo Ferreira - que confesso ter gostado se fosse mais desenvolvida para conhecermos o seu fundo e a sua "vida" imaginada - e com uma excelente direcção de fotografia de João Pedro Plácido que consegue criar a tal dinâmica de limbo ou de "paraíso" perdido e desconhecido, Paul será, de uma forma geral, um filme que arduamente irá conseguir cativar o espectador comum normalmente pouco disposto a analisar o filme para lá das suas imagens imediatas.
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5 / 10
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