Uma Vida Sublime de Luís Diogo é uma longa-metragem portuguesa em competição no FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa que explora a acção de Ivan (Eric da Silva), um médico concentrado em eliminar os efeitos da infelicidade com duas curas "milagrosas"... primeiro com o falso diagnóstico de doenças oncológicas aos seus pacientes seguido de uma terapia radical de eliminação dos cinco sentidos que, no entanto, poderá vir a provocar terríveis "efeitos secundários".
Depois de Pecado Fatal (2013), o realizador e argumentista Luís Diogo regressa com uma história que se divide em dois momentos específicos sendo o primeiro deles a já referida história de "Ivan", um médico centrado num alheamento familiar que não chega a ser totalmente explorado - para lá da sua relação amorosa apenas conhecemos um seu apontamento familiar e, por outro, observamos o seu trabalho enquanto um "descobridor" dos factores que inibem a felicidade nos seus pacientes e, como tal, pretenso investigador de terapias que a possam potencializar nos mesmos.
Se do primeiro destes momentos registamos que a vida familiar de "Ivan" terminou com a perda de um irmão que idolatrava - primeiro pelos sonhos deste e depois como o nascimento de um sobrinho para com quem é convenientemente amistoso mas que culpa pela morte do pai - e que apenas mantém algo semelhante a essa vida com a relação sentimental que mantém com a sua namorada mas que não pretende consumar com o nascimento de um filho desejado, do segundo momento apenas registamos as suas auto-denominadas "terapias da tortura" ao explorar os medos e as ânsias dos seus pacientes como forma a garantir-lhes que a sua infelicidade - fruto das perdas do passado - tem de ser interrompida pelo cumprimento de sonhos e desejos porvir que estabeleçam a satisfação de uma vida considerada "bem vivida". Como forma de acabar com esse "compromisso" com uma vida "adulta", "Ivan" pretende então que as suas vítimas sejam privadas daquilo que de pouco mantêm de saudável no mundo... os seus sentido. Assim, e para responder à sua principal questão... quais os sentidos que estes pacientes consideram dispensáveis?!
Perdido numa ideia de felicidade que não deixa cumprir - afinal, o seu desejo de ser feliz incompatibiliza-se com o da sua namorada que de tudo abdica para estar ao seu lado (até da maternidade) - "Ivan" lança-se num mundo paralelo que ele próprio criou ao explorar os medos, os desejos perdidos e as ambições não cumpridas daqueles que prometera "curar" de uma doença que, afinal, será mais psicológica do que física esquecendo que poderá não estar a cumprir os desejos daqueles que tem mais perto... a sua família e a namorada.
Se este argumento tem um interessante potencial na exploração da ideia dos sonhos perdidos no tempo e nos desejos ou ambições que em tempos fizeram cumprir o ideal de uma certa juventude que entretanto se perdera ou conformara com a inevitabilidade ou com as exigências de uma sociedade pré-formatada com o culturalmente aceitável, não será menos real perceber que a execução destas ideias se perde num certo incumprimento do nível mais elevado já deixado pelo realizador com o já referido Pecado Fatal ou mesmo com a sua participação no argumento da longa-metragem da dupla Galvão Teles, Gelo (2016). A divisão desta longa-metragem em dois momentos específicos que se cruzam - do passado ao presente do protagonista - não são assumidamente claros em nenhum momento deixando ao espectador a ilusão de que deverá percebê-los sem uma real conexão entre os mesmos. Ainda, se "Ivan" tem um aspecto credível enquanto médico em ascensão, o mesmo não se verifica quando adopta o seu alter-ego e dá corpo a uma bizarra figura com barba e cabelo assumidamente postiços dando-lhe (e à sua personagem) um ar plástico e pouco credível que não amedrontam ou desfiguram a sua mente relativamente perturbada criando antes a noção de um novo tipo de vilão risível e até mesmo absurdo.
Ainda que esta relativa dispersão de argumento seja notória e prejudicial para a longa-metragem em si e que a caracterização da personagem principal seja um franco desastre - e o mais frágil ou negativo de todo o filme -, é a interpretação de Eric da Silva que se mantém relativamente coesa ao longo de toda a trama ao assumir-se inicialmente como um homem desligado de uma vida perfeita fruto de um passado traumático e onde o próprio experimentou a sua própria perda como, de seguida, se transforma num inesperado vilão e finalmente no receptor da real perda - da vida, da família e da mulher que o amara - graças a um desenrolar de acontecimentos e emoções que o expõem não só ao resultado das suas escolhas como principalmente aos efeitos que estas tiveram nos demais. Coerente nas suas motivações mas pouco expansivo graças a uma história que não se mantêm dinâmica do princípio ao final, a Eric da Silva junta-se uma interpretação secundária mas igualmente presente nos seus breves minutos de Paulo Calatré como "Gaspar", uma das experiências do "Dr. Ivan" que... não correu bem... Perdido nos seus pensamentos atormentados por um médico que o levou a perder tudo... a personagem de Calatré dinamiza os breves instantes do seu "Gaspar" em pleno modo de destruição... própria, de "Ivan" e de "Andreia" (Susie Filipe) ao expôr aquilo que a todos atormenta... os seus próprios pecados.
Consumível enquanto obra que explora aquilo que o cinema independente pode - e tem por - oferecer, Uma Vida Sublime não consegue ultrapassar a obra anterior de Luís Diogo que, com todas as suas fragilidades, se consegue manter mais coerente e fiel a uma linha narrativa que aqui se perde com os vários inuendos e caminhos tortuosos que nem uma simpática direcção de fotografia consegue fazer expiar. Assim, e ainda que longe de grande palmarés, esta Vida pode existir mas distancia-se de qualquer efeito mais Sublime mantendo apenas um apetite pelos destinos de um incerto "Dr. Ivan" que desaparece num mundo que continuará a ser de sonhos perdidos e por cumprir de uma sociedade que irá para sempre ser infeliz.
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