terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Praia do Futuro (2014)

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Praia do Futuro de Karim Aïnouz é uma longa-metragem brasileira seleccionada em 2014 ao Urso de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Berlim.
Donato (Wagner Moura) é um nadador salvador na Praia do Futuro em Fortaleza. Um certo dia resgata Konrad (Clemens Schick) surpreendido pela maré não conseguindo, no entanto, salvar Heiko, o amigo deste.
Donato e Konrad apaixonam-se e quando este regressa à Alemanha natal, Donato segue-o deixando tudo para trás incluindo a mãe e Ayrton, o seu irmão mais novo.
Felipe Bragança e o realizador Karim Aïnouz assinam o argumento de Praia do Futuro que se sub-divide em três distintos segmentos. O primeiro de seu nome O Abraço do Afogado centra-se nos momentos em que, ainda no Brasil, se desenvolvem as dinâmicas entre as várias personagens nomeadamente a cumplicidade entre o jovem "Ayrton" e "Donato" bem como a paixão entre este e "Konrad". É também neste segmento que "Donato" (se) questiona sobre o que faria o jovem irmão se ele próprio desaparecesse e que estabelece, de certa forma, uma próxima relação entre este momento e o futuro.
O segundo segmento intitulado Um Herói Partido ao Meio - já na Alemanha - estabelece as dinâmicas entre "Donato" e "Konrad" e a possibilidade de ambos viverem juntos num espaço que não é o do nadador salvador. Se por um lado é equacionada a hipótese de viver sentimentalmente feliz é, por outro, questionada a forma como o ser longe de um espaço natural que é o seu. Se na Alemanha "Donato" está limitado por alguns obstáculos, no Brasil estes são inexistentes - há excepção talvez de felicidade que encontra com "Konrad" - podendo aqui ver o infinito pela amplitude do espaço. Se estas duas vidas foram unidas por uma morte que os afectou a ambos, não é menos verdade que paira sobre as mesmas a impossibilidade de alcançar uma extrema felicidade no espaço do "outro". No Brasil "Konrad" encontrou a morte... Na Alemanha "Donato" encontra o total anonimato.
Finalmente o terceiro e último segmento intitula-se de Um Fantasma que Fala Alemão e, ainda na Alemanha, marca a chegada de um novo personagem - interpretado por Jesuíta Barbosa - ou seja. o agora adolescente "Ayrton". Anos depois dos acontecimentos na Praia do Futuro, "Ayrton" chega à Alemanha destinado a confrontar-se com "Donato". Se inicialmente desconhecemos os seus motivos, rapidamente descobrimos que "Donato" mudou-se definitivamente para a Europa esquecendo a sua família... Esquecendo a mãe entretanto falecida e o irmão de quem cuidava como se fosse o seu pai. Existe então um silêncio induzido entre as duas realidades e um marco acentuado entre o passado e o presente (o futuro de ambos) e que parece agora mais não ser do que uma fronteira entre ambos.
Se os dois primeiros segmentos de Praia do Futuro se transformam numa caracterização de uma relação - ou falta dela - familiar que se transforma radicalmente pela força de acontecimentos que ninguém controla, não é menos verdade que é provavelmente neste último segmento que se estabelece uma componente mais mística sobre esses mesmos acontecimentos ou aquilo que eles poderão querer significar.
Por um lado a própria relação estabelecida entre o agora adolescente "Ayrton" não só com o seu irmão mas também com "Konrad" que parece denotar uma confiança antes não sentida, não é menos verdade que a viagem do jovem parece de auto-descoberta e afirmação questionando-se o porquê do afastamento de "Donato" incapaz de estabelecer qualquer tipo de respostas. A distância entre os dois irmãos é, também ela, muito curiosa na medida em que é estabelecido um paralelismo entre os mesmos e a cidade em que se encontram: Berlim, cidade dividida em duas e onde durante décadas reinou o silêncio que afastou duas irmãs impossibilitadas de se conectarem mas que agora se descobrem e se tentam reconciliar e até mesmo (re)conhecer.
Existe também uma estreita relação entre o silêncio e a dor. Aquilo que não é proferido por estas personagens é eventualmente mais doloroso do que qualquer sensação ou sentimento de abandono, de esquecimento ou até mesmo de perda. A dor emocional - muito mais intensa do que qualquer dor física - é aquela que os consome... "Konrad" parece ter superado a morte do seu amigo (terá?), enquanto que "Donato" nunca superou o afastamento do seu espaço vivendo-o, no entanto, no silêncio dos seus pensamentos e no distanciamento de qualquer tipo de relação e finalmente "Ayrton" vive a referida dor personificando-a com a sua presença junto de alguém que "foi" e já "não é".
Dotado de uma intensa banda-sonora alternativa e música original de Volker Bertelmann - Hauschka - e de uma brilhante direcção de fotografia de Ali Olcay Gözkaya que recupera não só o intenso calor de um Brasil tropical mas também o essencial de uma Alemanha fria e distante - um outro perfeito paralelismo entre o espaço e as personagens - Praia do Futuro consegue ainda retirar três interessantes interpretações ao trio protagonista estando o mesmo - protagonismo - dividido mutuamente. Por um lado temos um primeiro segmento introdutório onde Clemens Schick detém o foco principal de atenção e onde a perda está mais acentuada. No segundo segmento é Wagner Moura que se destaca por ter de estabelecer as escolhas mais difíceis e que definem a vida da sua personagem estando a qualquer uma dela unida a dor e a perda. Finalmente é no terceiro segmento que se destaca Jesuíta Barbosa... o mesmo que perde, que o percebe e sabe e que o vive num silêncio que o consome e transformou.
No início, tal como no fim, uma viagem de moto... Uma viagem rumo ao desconhecido e às possibilidades que um novo caminho abrem e que de uma ou outra forma definem a essência e íntimo de cada um e que fazem de Praia do Futuro um filme sobre o tempo - passado, presente e futuro - sobre a forma como este transforma cada um através das inúmeras experiências que proporciona e que nos fazem - ao espectador - questionar se seremos a mesma pessoa que em tempos fomos. Um drama em três partes, sobre três vidas, sobre o destino - ou falta dele - e sobre aquilo que nos faz criar ou perder um qualquer tipo de relação com aqueles que nos são mais ou menos próximos.
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"Donato: Tudo é perigoso nesse mar imenso."
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8 / 10
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