Biutiful é um filme do fantástico Alejandro González Iñárritu que mais uma vez nos brinda com um magnífico e estrondoso filme. Desta vez com a participação de um Javier Bardem mais sofrido do que nunca naquela que é seguramente a par de Mar Adentro a sua melhor interpretação em cinema, e que já foi confirmada com um merecidíssimo Goya de Melhor Actor.
Iñárritu depois da fantástica trilogia que todos nós recordamos em que a temática central era a dor, Amor Cão, 21 Gramas e Babel, transporta-nos aqui de volta ao cinema em espanhol e para uma Barcelona alternativa e desconhecida mas bem presente e real, mostrando-nos que afinal a trilogia não estava terminada e que havia ainda espaço para este soberbo filme que arrisco dizer ser uma das estreias maiores de cinema este ano.
Esta história começa com um cenário que sentimos ser tranquilo sem que, no entanto, consigamos perceber o porquê. Nele encontram-se dois homens. Vemos Uxbal (Bardem) que reconhece o outro homem sem que seja claro nesse reconhecimento. É através da sua curta conversa, que mais tarde perceberemos, que eles se identificam.
As imagens que vemos de seguida, no momento desconexas com aquilo que vamos tomando conhecimento do filme, mostram-nos a conversa entre um homem e uma mulher. Sentimos que está estabelecida uma ligação sem saber qual ou o seu porquê.
É depois desta introdução que Biutiful segue o seu rumo a todo o vapor. Um filme calmo mas com uma componente dramática e arrebatadora fortes demais. Uxbal é um homem que consegue estabelecer uma ligação com vidas que terminaram como forma de perceber e contar quais os seus últimos pensamentos ou recados que ficaram por dizer. Esta é a sua essência. Este é o seu propósito. Aquele que faz como forma de tranquilizar e descansar os outros.
Ao mesmo tempo Uxbal é um homem que vive de umas quantas ilegalidades e de negócios menos claros, uns que encontra... outros que arranja com o seu irmão Tito (Eduard Fernández). Uxbal vive também a realidade de um lar desfeito onde trata dos seus dois filhos menores que afastou de Marambra (Maricel Álvarez) a suamulher alcoólica e promíscua.
No entanto todas estas realidades diárias de Uxbal ganham contornos maiores quando descobre que está em fase terminal de um cancro que já dominou o seu corpo. Resta-lhe tentar assegurar um futuro para os seus dois filhos que sabe não terem ninguém de quem depender.
Este filme, mais do que qualquer outro de Iñárritu, assume uma ligação forte demais com a morte não só pela componente já referida da personagem a que Bardem dá um perfeito "corpo", mas também pelas tristes realidades que, durante a sua narrativa, vão surgindo ao nosso olhar.
A imigração ilegal, e as dificuldades que estão inerentes à vida destas pessoas, nomeadamente os riscos e as explorações de que são alvo, são neste filme retratadas de uma forma crua e dura mas que assumem também um lado perturbador para qualquer um de nós que na sua maioria as desconhece. Exemplo perfeito disso é o trágico desfecho dos imigrantes chineses, e como a realidade consegue perturbar aquele que é um cenário idílico para qualquer um de nós... o tranquilo Mediterrâneo.
Mas nem só de tragédias ou dificuldades é feito o cinema de Iñárritu. E como tal, também este filme tem a sua quota parte de esperança, de amor e de redenção. Todos eles fruto da relação que Uxbal tem com os seus filhos. Por eles tudo sacrifica, e para eles quer encontrar o lar perfeito que sabe não ser junto da mãe que irão ter.
Uxbal é, tal como li algures, um herói em queda livre. Um herói trágico. Tenta encontrar algo melhor para os imigrantes que se encontram em situação ilegal e precária... mas falha. Tenta (sobre)viver mais tempo... mas não controla o destino. Tenta ter uma relação normal com a mulher... mas esta não o quer. Tenta dar aos filhos um futuro... mas julga ter falhado.
O que fazer então quando tudo à nossa volta se encontra indisponível? Quando tudo parece não ter solução? Quando todas as portas se fecham? Quando tudo se recusa a colaborar?
Como todas as personagens de Amor Cão... as de Del Toro, Penn e Watts em 21 Gramas, e as de Pitt, Kikuchi e Barraza em Babel, aqui é Bardem a personagem que carrega toda a dor do mundo. Uma dor silenciosa, sentida mas não audível e que por esse mesmo motivo acaba por ser a mais sofrida e a mais ruidosa. Aquela que incomoda. Aquela que se transmite. Aquela que para nós enquantos espectadores, nos podemos identificar com ela. Aquela dor que nos faz pensar no que seria de nós se estivessemos perante os últimos meses de vida. O que fazer com o que vamos deixar para trás... Os nossos poucos pertences... a nossa família... o nosso espaço. Seremos nós recordados depois de partir? Porque motivos seremos recordados? Ou seremos tão simplesmente esquecidos?
Uxbal deixa a sua pequena marca quando passa a noite com o filho, os dois sózinhos em casa... e no final... quando delega o anel de família à sua filha. Deixou aquilo que tinha de melhor. Aquilo que marca a diferença na vida das pessoas.... o amor. O amor que sentimos por aqueles de quem gostamos e a quem queremos bem. Simplesmente o amor...
É por isso que quando parte não receia... Deixa-se simplesmente ir junto daqueles a quem quer e a quem ama. É o amor que o impede, na sua fase final, de sentir ou ter medo.
Iñárritu que através de uma forte e sentida trilogia sobre a dor que marcou qualquer um de nós que a ela assistiu, tem aqui uma obra que não só dá continuidade a essa ideia mas que a leva mais longe às fronteiras da morte mas que é, acima de tudo, um sentido relato sobre o amor. Esse que, acima de qualquer outro sentimento, nos pode fazer inclusive enfrentar a morte sem a recear.
É também de pequenas (grandes) subtilezas que o filme é feito. Basta pensarmos por exemplo no grandioso pôr do sol e na tranquilidade desse intenso Mediterrâneo que apenas são interrompidos pelo horror da morte que se gera numa das praias catalãs... Ou se pensarmos ainda em todo o ambiente circundante a Uxbal, tal como o tecto do seu próprio quarto que se degrada aos poucos, que mais não são do que uma metáfora sobre a sua própria condição física e psicológica que aos poucos se desgasta e consome. Ou mesmo as demais personagens do filme... Vidas duplas, decadentes, deambulantes sem rumo e sem sentido que cruzam Uxbal e que o consomem aos poucos muito lentamente.
Brilhantes... brilhantes são os desempenhos de todo o elenco. Maricel Álvarez, Eduard Fernández, Guillermo Estrella, Hanaa Bouchaib dão vida a opostos bem definidos... Os primeiros entregam um retrato fiel da decadência e da falta de objectivos que apenas sai compensado com a inocente e a vida inerente aos dois últimos. Compõem um elenco secundário forte e perfeito.
E Bardem, magnânimo como sempre, encarna Uxbal da mesma forma que há anos encarnou Ramon Sanpedro... com garra... Com uma tal convicção que o torna assumidamente num dos melhores actores do mundo e num que merecia sem qualquer reserva o Oscar de Melhor Actor deste ano.
Muitos e muitos filmes irão estrear este ano que ainda há pouco começou. No entanto, questiono-me se no final, muitos serão aqueles que deixam uma marca tão forte quanto este. Uma obra prima de eleição que não deveria deixar de ser vista por ninguém e que é ainda mais aperfeiçoada com a banda-sonora daquele que é um imenso compositor... o grande Gustavo Santaolalla.
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Iñárritu depois da fantástica trilogia que todos nós recordamos em que a temática central era a dor, Amor Cão, 21 Gramas e Babel, transporta-nos aqui de volta ao cinema em espanhol e para uma Barcelona alternativa e desconhecida mas bem presente e real, mostrando-nos que afinal a trilogia não estava terminada e que havia ainda espaço para este soberbo filme que arrisco dizer ser uma das estreias maiores de cinema este ano.
Esta história começa com um cenário que sentimos ser tranquilo sem que, no entanto, consigamos perceber o porquê. Nele encontram-se dois homens. Vemos Uxbal (Bardem) que reconhece o outro homem sem que seja claro nesse reconhecimento. É através da sua curta conversa, que mais tarde perceberemos, que eles se identificam.
As imagens que vemos de seguida, no momento desconexas com aquilo que vamos tomando conhecimento do filme, mostram-nos a conversa entre um homem e uma mulher. Sentimos que está estabelecida uma ligação sem saber qual ou o seu porquê.
É depois desta introdução que Biutiful segue o seu rumo a todo o vapor. Um filme calmo mas com uma componente dramática e arrebatadora fortes demais. Uxbal é um homem que consegue estabelecer uma ligação com vidas que terminaram como forma de perceber e contar quais os seus últimos pensamentos ou recados que ficaram por dizer. Esta é a sua essência. Este é o seu propósito. Aquele que faz como forma de tranquilizar e descansar os outros.
Ao mesmo tempo Uxbal é um homem que vive de umas quantas ilegalidades e de negócios menos claros, uns que encontra... outros que arranja com o seu irmão Tito (Eduard Fernández). Uxbal vive também a realidade de um lar desfeito onde trata dos seus dois filhos menores que afastou de Marambra (Maricel Álvarez) a suamulher alcoólica e promíscua.
No entanto todas estas realidades diárias de Uxbal ganham contornos maiores quando descobre que está em fase terminal de um cancro que já dominou o seu corpo. Resta-lhe tentar assegurar um futuro para os seus dois filhos que sabe não terem ninguém de quem depender.
Este filme, mais do que qualquer outro de Iñárritu, assume uma ligação forte demais com a morte não só pela componente já referida da personagem a que Bardem dá um perfeito "corpo", mas também pelas tristes realidades que, durante a sua narrativa, vão surgindo ao nosso olhar.
A imigração ilegal, e as dificuldades que estão inerentes à vida destas pessoas, nomeadamente os riscos e as explorações de que são alvo, são neste filme retratadas de uma forma crua e dura mas que assumem também um lado perturbador para qualquer um de nós que na sua maioria as desconhece. Exemplo perfeito disso é o trágico desfecho dos imigrantes chineses, e como a realidade consegue perturbar aquele que é um cenário idílico para qualquer um de nós... o tranquilo Mediterrâneo.
Mas nem só de tragédias ou dificuldades é feito o cinema de Iñárritu. E como tal, também este filme tem a sua quota parte de esperança, de amor e de redenção. Todos eles fruto da relação que Uxbal tem com os seus filhos. Por eles tudo sacrifica, e para eles quer encontrar o lar perfeito que sabe não ser junto da mãe que irão ter.
Uxbal é, tal como li algures, um herói em queda livre. Um herói trágico. Tenta encontrar algo melhor para os imigrantes que se encontram em situação ilegal e precária... mas falha. Tenta (sobre)viver mais tempo... mas não controla o destino. Tenta ter uma relação normal com a mulher... mas esta não o quer. Tenta dar aos filhos um futuro... mas julga ter falhado.
O que fazer então quando tudo à nossa volta se encontra indisponível? Quando tudo parece não ter solução? Quando todas as portas se fecham? Quando tudo se recusa a colaborar?
Como todas as personagens de Amor Cão... as de Del Toro, Penn e Watts em 21 Gramas, e as de Pitt, Kikuchi e Barraza em Babel, aqui é Bardem a personagem que carrega toda a dor do mundo. Uma dor silenciosa, sentida mas não audível e que por esse mesmo motivo acaba por ser a mais sofrida e a mais ruidosa. Aquela que incomoda. Aquela que se transmite. Aquela que para nós enquantos espectadores, nos podemos identificar com ela. Aquela dor que nos faz pensar no que seria de nós se estivessemos perante os últimos meses de vida. O que fazer com o que vamos deixar para trás... Os nossos poucos pertences... a nossa família... o nosso espaço. Seremos nós recordados depois de partir? Porque motivos seremos recordados? Ou seremos tão simplesmente esquecidos?
Uxbal deixa a sua pequena marca quando passa a noite com o filho, os dois sózinhos em casa... e no final... quando delega o anel de família à sua filha. Deixou aquilo que tinha de melhor. Aquilo que marca a diferença na vida das pessoas.... o amor. O amor que sentimos por aqueles de quem gostamos e a quem queremos bem. Simplesmente o amor...
É por isso que quando parte não receia... Deixa-se simplesmente ir junto daqueles a quem quer e a quem ama. É o amor que o impede, na sua fase final, de sentir ou ter medo.
Iñárritu que através de uma forte e sentida trilogia sobre a dor que marcou qualquer um de nós que a ela assistiu, tem aqui uma obra que não só dá continuidade a essa ideia mas que a leva mais longe às fronteiras da morte mas que é, acima de tudo, um sentido relato sobre o amor. Esse que, acima de qualquer outro sentimento, nos pode fazer inclusive enfrentar a morte sem a recear.
É também de pequenas (grandes) subtilezas que o filme é feito. Basta pensarmos por exemplo no grandioso pôr do sol e na tranquilidade desse intenso Mediterrâneo que apenas são interrompidos pelo horror da morte que se gera numa das praias catalãs... Ou se pensarmos ainda em todo o ambiente circundante a Uxbal, tal como o tecto do seu próprio quarto que se degrada aos poucos, que mais não são do que uma metáfora sobre a sua própria condição física e psicológica que aos poucos se desgasta e consome. Ou mesmo as demais personagens do filme... Vidas duplas, decadentes, deambulantes sem rumo e sem sentido que cruzam Uxbal e que o consomem aos poucos muito lentamente.
Brilhantes... brilhantes são os desempenhos de todo o elenco. Maricel Álvarez, Eduard Fernández, Guillermo Estrella, Hanaa Bouchaib dão vida a opostos bem definidos... Os primeiros entregam um retrato fiel da decadência e da falta de objectivos que apenas sai compensado com a inocente e a vida inerente aos dois últimos. Compõem um elenco secundário forte e perfeito.
E Bardem, magnânimo como sempre, encarna Uxbal da mesma forma que há anos encarnou Ramon Sanpedro... com garra... Com uma tal convicção que o torna assumidamente num dos melhores actores do mundo e num que merecia sem qualquer reserva o Oscar de Melhor Actor deste ano.
Muitos e muitos filmes irão estrear este ano que ainda há pouco começou. No entanto, questiono-me se no final, muitos serão aqueles que deixam uma marca tão forte quanto este. Uma obra prima de eleição que não deveria deixar de ser vista por ninguém e que é ainda mais aperfeiçoada com a banda-sonora daquele que é um imenso compositor... o grande Gustavo Santaolalla.
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