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Fase 7 de Nicolás Goldbart era um dos filmes que mais aguardava ver no MOTELx deste ano e do qual não me arrependi nada de ver.
Esta história cruza uma época em que uma pandemia está prestes a ocorrer num mundo que se prepara para assistir a uma "nova ordem mundial", que desconhecemos qual será, mas que é tão anunciada ao longo do filme.
Logo de início acompanhamos uma normal ida às compras de um casal que aguarda o seu primeiro filho. Coco (Daniel Hendler) e Pipi (Jazmín Stuart) estão com um pequeno arrufo normal num jovem casal que vive os últimos dias de gravidez. Subitamente enquanto estão preparados para pagar as compras assistem a uma invasão, literalmente falando, do supermercado por pessoas que estão prestes a fazer um razia aos mantimentos. Espantados com a situação mas de certa forma indiferentes à mesma continuam com as suas vidas rumo a casa como se nada fosse.
Uma vez em casa, as notícias sobre o alastrar da pandemia são constantes até que para sua surpresa recebem a notícia de que o seu prédio vai ficar isolado do resto do mundo. Afastados do que se passa "lá fora" durante dias e dias sem fim, os seus bens alimentares, a sua paciência e principalmente a sua confiança começam a escassear e o que os espera a partir daqui não é só uma luta contra a pandemia que ameaça dizimar milhões mas especialmente pela sua sobrevivência junto dos seus vizinhos em quem agora não confiam.
Este filme correspondeu a todas as minhas expectativas. Em primeiro lugar por ter fugido ao tradicional filme de terror onde temos toda a história povoada por um conjunto de monstros, transformando o Homem na única criatura que se deve realmente temer. E podemos constatá-lo em diversas ocasiões... A primeira situação prende-se logo com o facto do enquadramento em que a história decorre onde somos induzidos a pensar que a dita pandemia que dizima o planeta é "criada" pela mão do Homem com o objectivo de estabelecer uma nova ordem mundial. A segunda é praticamente óbvia pois prende-se com a mudança de comportamento daquele conjunto de pessoas que apesar de viverem no mesmo edifício rapidamente se tornam hostis entre si e lutam para tomarem o controle sobre os demais, num mundo que está aparentemente a ruir. E finalmente nos momentos finais onde se torna claro que os poucos sobreviventes que existem começam a fazer das pilhagens uma prática dita normal.
A ideia de que não precisamos de monstros, vampiros ou zombies para fazer um filme do género está aqui mais do que provada que é possível e real... afinal o verdadeiro monstro está dentro de cada um de nós e nas acções que podemos tomar para com o nosso semelhante. Dentro de um contexto não apocalíptico este filme fez-me recordar A Comunidade de Álex de la Iglésia que transforma a ideia de viver num edifício com mais pessoas num verdadeiro pesadelo.
Agradou-me igualmente o facto de dentro de uma história que até tem um fundo bem sério, a realização e o argumento terem harmoniosamente aglutino um humor mordaz e corrosivo que por um lado mostra a transformação de Coco um jovem homem que ainda não assumiu as responsabilidades de um marido e futuro pai, numa personagem sólida, madura e com a experiência de vida suficiente (nem sabe ele como) para conseguir sobreviver a um tão trágico fim da sociedade tal como a conhecemos.
O humor aqui consegue ser quase constante e certeiro nos momentos certos para nos descomprimir com tantos que são os momentos bem tensos deste filme. Sorrimos é certo, mas facilmente percebemos o quão séria seria uma situação como estas onde não só deveríamos recear o contágio de uma pandemia a nível global como deveríamos recear aqueles que vivem na porta ao lado.
O argumento também a cargo de Nicolás Goldbart é bom. Aliás, muito bom. Consegue fazer uma mescla perfeita dos géneros de terror e comédia sem esquecer o pano de fundo "real" e dramático que originou toda a situação a que assistimos. Mas este filme não poderia ter sido tão bom se não tivesse a dar-lhe rosto um conjunto tão forte e coeso de actores como aqueles que aqui estão presentes.
Apesar do par se querer protagonista, o que é certo é que a dupla Daniel Hendler e Jazmín Stuart rapidamente se dissipam para dar total protagonismo a Hendler naquela que é a interpretação fundamental e central de todo o filme. Como já referi mais atrás, a transformação de Coco (Hendler) é francamente notória. Inicialmente conhecemos um tipo despreocupado e com pouca vontade de assumir qualquer tipo de responsabilidades quer como marido quer como pai. Mas também é certo que a sua personagem sofre uma reviravolta por força das circunstâncias que faz dele um protagonista assumido que de "menino" passa a "homem". Um perfeito anti-herói... Aquele que sem querer se transforma no salvador de um conjunto de pessoas que sem ele estariam perdidas e que não reune qualquer característica que o identifique como tal.
Pipi (Jazmín Stuart) que inicialmente aparece como uma protagonista cedo se desvanece à medida que o desenvolvimento da história prossegue. A sua importância é sempre constante pois ela é, afinal, a mãe daquela criança que irá nascer num mundo totalmente diferente daquele que conhecemos até então. No entanto, a relação que teve até então com Coco é substituída por aquele que este mantém com Horacio (Yayo Guridi) como os defensores das suas próprias vidas dentro daquele prédio numa história que se tornou de literal sobrevivência.
Finalmente a completar o leque de protagonistas temos um Zanutto (Federico Luppi) que graças à sua idade, experiência de vida e no contexto em si desenvolve uma personalidade bem desconfiada de tudo e todos que acabará por lançar o terror nas vidas daqueles indivíduos. Muito bom desempenho deste veterano actor que mostra como se faz um bom vilão. O homem que está disposto a tudo para defender o que é seu e ainda assim mostrar aos outros que é preciso lutar para justificar que se merece estar vivo naquele mundo enlouquecido.
Igualmente boa é a banda-sonora de Guillermo Guareschi que transmite na perfeição a tensão e o clima que se sentem com todas aquelas transformações constantes ao mesmo tempo que são notórios os momentos em que para aliviar toda aquela tensão nos são entregues acordes ligeiros e muito subtis que ilustram a quase sempre presente trapalhada provocada por "Coco".
Finalmente a última coisa que tenho a dizer deste grande filme é a capacidade de interligar uma história que se quer em contornos de ficção científica nos dias e numa sociedade moderna com factos que todos nós temos bem presentes (pandemia da Gripe A), e ficcionar uma trama política internacional numa só história e a funcionar de uma forma harmoniosa sem que nenhum item se perca pelo meio. Como disse, para isso muito ajudou o facto de existir um argumento coerente e interpretações de grande nível com as quais todos nós nos deliciamos.
Um grande filme não só do género fantástico mas sim do cinema em geral e em particular de uma filmografia argentina que com passos bem fortes e firmes começa a afirmar-se como de ter em grande consideração. Este é daqueles filmes que ninguém deve perder e do qual todos, sem excepção, irão gostar. Um dos melhores do ano... e que o diga a sala do São Jorge que estava cheia.
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9 / 10
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