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Call Girl de António-Pedro Vasconcelos foi o filme sensação do ano e vencedor de três Globos de Ouro SIC/Caras para Filme, Actor para Ivo Canelas e Actriz para Soraia Chaves, naquela que é para mim a grande surpresa do filme.
Maria (Chaves) é uma call girl de luxo que é contratada por Mouros (Joaquim de Almeida) para fazer um trabalho especial... Seduzir Carlos Meireles (Nicolau Breyner) e poder fazer com este chantagem em nome de um negócio milionário de um grupo empresarial estrangeiro.
Aquela que poderia ser mais uma banal história do cinema português ganha aqui contornos muito interessantes e dirigidos com a mão exemplar de António-Pedro Vasconcelos que a transforma não só numa história dramática como também lhe dá muito bons contornos subtis de comédia e diálogos fluentes e bem interpretados que o conseguiu transformar num dos êxitos de bilheteira do nosso cinema.
Uma das personagens centrais é Carlos Meireles, que aqui ganha vida e alma pela mãe de Nicolau Breyner, numa excelente interpretação de um autarca com uma aparente vida pessoal estável e profissionalmente bem visto pela comunidade mas que esconde uma vida dupla. Meireles casado e pai, tem uma amante. Insatisfeito, deixa-se deslumbrar pelos dotes e encantos desta sedutora mulher que lhe é apresentada e Maria sabe bem como conseguir o que quer.
Nicolau Breyner faz com o seu excelente desempenho ter, por um lado, empatia com aquela personagem caricata e que é incapaz de fazer mal a uma mosca como, ao mesmo tempo, nos faz ter alguma repulsa pela facilidade com que se deixa corromper em nome de um amor por uma mulher que sabe estar muito fora do seu alcance mas que ali aparenta estar ao seu dispôr.
Soraia Chaves, no papel de Maria, é no entanto aquela grande surpresa deste filme. Já a tinha visto n'O Crime do Padre Amaro, mas ao mesmo tempo esperava por aquela grande interpretação que aqui se confirma. Vencedora do Globo de Ouro SIC/Caras e aquele desempenho pelo qual será durante muito tempo recordada, mais não fosse com o pequeno interlúdio de apresentação que tem com Nicolau Breyner, esta actriz consegue monopolizar todo o filme do início até ao seu final. Somos incapazes de não simpatizar com ela... percebemos que sempre teve sonhos e ambições bem grandes e que a única forma de os alcançar foi a troco de serviços e favores sexuais. Soraia Chaves encarna esta mulher na perfeição e a sua postura e diálogos são mordazes o suficiente para nos fazerem esboçar grandes e largos sorrisos.
A dinâmica criada entre Nicolau Breyner e Soraia Chaves é de facto muito boa, e todos os momentos que passam juntos são, sem excepção, deliciosos demais. Ela faz dele o que quer. Ela manda. Ela está no controle de todos os movimentos e acções. E são estes mesmos momentos que acabam por fazer com que o filme valorize bastante e fazer o público gostar de o ver. Queremos ver tudo daquela que acaba por ser uma relação de dominadora/dominado... e gostamos.
Como não há relação que não acabe em trio, aqui este é composto por Ivo Canelas que interpreta Madeira, o agente da Polícia Judiciária que investiga a suspeita de corrupção em que está envolvido Meireles e acaba por descobrir a ligação deste com Maria, a sua ex-namorada. Ivo Canelas que partilha a vitória do Globo de Ouro neste filme e no outro estrondoso êxito do ano O Mistério da Estrada de Sintra, é o actor com que todos nós simpatizamos. A pisar a linha entre manter a sua investigação imparcial e a saber que o seu coração está inclinado para Maria, não deixa de interpretar o agente que sabe que o seu lugar é do lado da lei antes e acima de tudo. Como sempre muito bom em qualquer interpretação que tenha.
A completar o elenco deste fantástico filme temos um conjunto enorme de actores onde se destacam José Raposo, José Eduardo, Maria João Abreu, Custódia Gallego, Ana Padrão e Raul Solnado num conjunto forte e sólido de secundários que apimentam toda a trama que se desenvolve em torno das três personagens principais.
António-Pedro Vasconcelos que partilha o guião com Tiago Santos, sai novamente vencedor com este filme que não só tem um bom argumento com personagens ricas, dinâmicas e bem construídas como também sabe como criar um filme que tem uma história ritmada e que cativa o interesse do público mostrando que o cinema português não está, felizmente, morto. Argumento este que achei bastante interessante não só pelo que agora referi mas também pelo facto de adaptar à linguagem cinematográfica a forma de falar que se ouve constantemente em qualquer local. Quero com isto dizer que a linguagem mais rude, e que sim é de facto muita ao longo de todo o filme, não está aqui embelezada para parecer bem e sair menos ofensiva. Se é para ser... pois que o seja. E é!
Este Call Girl, que acredito já ter sido visto pela maioria das pessoas mais que não fosse para comprovar se a Soraia Chaves é ou não boa actriz (é o argumento que mais vulgarmente me dão quando falo deste filme a alguém) vale de facto pelos eu conjunto; tem uma história aliciante e que acaba por ser sempre tão presente visto que trata em boa parte de um caso de corrupção, tem um conjunto de actores que dão o melhor de si e isso é de facto muito positivo e agradável, tem uma banda-sonora competente com um dos temas principais a ser cantado por Paulo Gonzo e é daqueles filmes da cinematografia nacional que consegue com uma fórmula até "simples" aproximar o público do grande ecrã falado em português.
Àqueles que ainda duvidam da capacidade de uma boa história ser contada na nossa língua, não deixe de ver este filme. Vale com toda a certeza o templo aplicado nele até porque pode parecer muito incialmente mas as suas duas horas de duração passam tão rápido que no final damos por nós a querer mais.
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"Meireles: O que é que você faz?
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Maria: Hum... Tudo."
.8 / 10
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