Mulher de Ouro de Simon Curtis é uma longa-metragem britânica que conta com a participação de Helen Mirren como protagonista ao interpretar Maria Altmann, uma judia austríaca que conseguiu fugir para os Estados Unidos que descobre cinquenta anos depois que é a legítima herdeira do famoso quadro Woman in Gold de Gustav Klimt que, na realidade, mais não era do que o retrato da sua tia Adele Bloch-Bauer.
Depois de um encontro com o advogado Randy Schoenberg (Ryan Reynolds) sobre quais as suas expectativas de o recuperar, ambos viajam para a Áustria - detentora do quadro - onde pretendem iniciar um processo de recuperação do mesmo sem esquecer entretanto, todos os traumas do passado e as memórias de uma família que já não tem.
Desde o Anschluss austríaco à Los Angeles de 1998, o argumento de Woman in Gold é uma viagem não só ao passado como principalmente uma feita aos meandros de uma justiça que ainda está por cumprir. Maria Altmann é uma mulher que, como tantas outras, leva uma vida aparentemente normal até ao dia em que perde a sua irmã... a última prova da sua origem austríaca como também da emocionante fuga do seu país de forma a não cair nas garras da perseguição nazi. Mas, quando esta mulher descobre que parte das suas memórias existem na posse do Estado Austríaco, a mesma pretende acima de tudo que a verdade seja reposta e que seja finalmente encerrar um capítulo da sua vida que não julgava ainda por sarar.
Entre um conjunto de momentos em flashback onde conhecemos todas as origens familiares de Altmann bem como o seu casamento, os seus espaços e lugares, as suas ligações com uma tia que serviu de mote inspirador a uma das obras mais emblemáticas da arte europeia, e toda uma dinâmica batalha legal onde aqueles que se apresentam como defensores de uma restituição da justiça são também os mesmos que mais cerram fileiras para que esta nunca seja cumprida, o espectador de Woman in Gold não só se identifica com diversos momentos desta história como, ao mesmo tempo, deseja que alguns daqueles segmentos do passado pudessem ter sido mais extensos e que explorassem de melhor forma todas as pequenas cumplicidades familiares que se intensificaram quando o terror lhes batia literalmente à porta sendo esta "falta" aquela que é a principal fragilidade do filme não por estar mal explorada mas sim por ter deixado no espectador uma necessidade de saber mais sobre esta família.
Curiosos são alguns factos nomeadamente a dinâmica entre "Randy" e "Maria" - aqui tão bem explorada por Reynolds e Mirren respectivamente - que de gerações diferentes e como uma igualmente distinta relação com o passado conseguem através de um objectivo comum encontrar um meio termo que faz funcionar o seu relacionamento. Se para "Maria" a vontade era esquecer e ultrapassar um passado trágico, para "Randy" foi a necessidade de conhecer o seu próprio passado - também de famílias originárias e fugidas da Áustria - que despoletou tanto o interesse pelo caso de "Maria" como por uma história da História que faltava fazer cumprir.
Igualmente de destaque a forma como é retratado o governo e autoridades austríacas que inicialmente deram início a todo este processo de restituição das obras de arte roubadas pelos nazis como que numa tentativa de sarar e saldar a dívida com o seu passado mas que, de seguida, parecem querer que essa manifestação de boa vontade não passasse de uma formalidade que nunca seria cumprida através de um conjunto de burocracias e questões legais que mais rapidamente levavam as vítimas ao esgotamento pelo desespero do que propriamente a uma justiça que havia demorado cinquenta anos a chegar.
Finalmente uma última curiosidade - e possivelmente aquela que melhor define a reposição e devida justiça pessoal - o momento em que "Maria" se despede dos seus pais pela última vez dando de seguida início ao seu processo de fuga com o seu marido, quando as últimas palavras do seu pai são que os (pai e mãe) recorde. É esta dinâmica da preservação da memória e das origens - para lá de nacionalidades - que acabam por se manifestar como as mais importantes no cinema de género que Woman in Gold representa acabando por definir que apesar dos trágicos acontecimentos da década de quarenta do século passado estão (estiveram) para sempre vivos na memória de todos aqueles que por eles passaram mas que ainda mais vivos estão as memórias e os afectos partilhados pelas vítimas que se separaram muitos dos quais sem nunca mais se tornarem a ver.
Com uma - mais uma - sólida interpretação de Helen Mirren que dá uma força sobrenatural a cada personagem - aqui real - a que dá corpo, Woman in Gold destaca-se na minha opinião por um subentendido alerta para uma certa similitude entre o passado e o presente onde nesta Europa adormecida se começam a levantar pontas de xenofobias internas que se julgavam desaparecidas na "Europa das Nações" constituindo-se como um nem sempre reconhecido documento sobre uma memória que devemos preservar na esperança de que não se volte a repetir.
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"Maria Altmann:
Unlike Lot's wife, I never looked back."
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8 / 10
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