segunda-feira, 4 de julho de 2016

4242 (2016)

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4242 de Sara Eustáquio é uma curta-metragem experimental portuguesa que, inspirada em acontecimentos verídicos, relata a história de Cristi (Cristina Caldararu), uma jovem imigrante que tenta redefinir o seu "eu" quando se vê noutro país que não o seu.
A curta-metragem da jovem Sara Eustáquio, que também assina o seu argumento em conjunto com a protagonista Cristina Caldararu e Mae Margriet, é não só um interessante trabalho se considerarmos a mensagem social que lança vinda das mãos de uma jovem realizadora, como também é um atento e por vezes crítico olhar a uma sociedade de um século XXI cada vez mais desumanizado.
Longe da família e dos amigos, "Cristi" é uma jovem que chega a um novo país. Conhecendo-o lentamente, os seus primeiros instantes naquela que é uma nova cultura são felizes e eventualmente repletos de uma esperança normal para quem chega a um local onde tudo é novo e transparente. No entanto - e tal como ela relata - os primeiros e inocentes instantes neste novo espaço deixam-se contornar por todo um sentimento de insegurança, receio e ansiedade de uma rejeição (esperada) naquele que começa a sentir não ser o seu ambiente. Longe da sua casa, da sua família e dos seus amigos, esta jovem sente que tudo o que alguma vez conhecera pertence agora ao campo das memórias e das recordações que se vão apoderando do seu ser criando uma cada vez maior sensação de dependência face ao que teve e alheamento em relação a onde está. A sua língua é agora um património que de pouco lhe serve e, sem rumo, perde-se entre dois mundos que na prática nunca chega a ter.
A distância que a separa do que teve - 4242 KM's - deixa de ser apenas um número para dar mote a todo um sentimento de perda, de alguma amargura, de uma memória distante e de um vazio que cresce a cada dia que passa. O desespero que as memórias recorrentes lhe provocam não a permitem encontrar um local ao qual possa chamar de casa e, aos poucos, tudo aquilo que recorda mais não é do que uma distante lembrança de algo que parece já não poder ter especialmente quando sente que precisa realmente da sua presença.
De uma aparente felicidade inicial a um estado de apatia social que a distancia não só daqueles que deixou no seu país como também daqueles que, como diz, parecem ser almas que vão e vêm sem nunca deixar uma marca presencial, a jovem "Cristi" é, portanto, o retrato de todo um conjunto de pessoas que deslocados do seu país natal - livremente ou não - sentem não ter um acolhimento ou recepção próxima no seu novo destino. Longe de atribuir qualquer sentimento de culpa sobre quem está ou quem chega, 4242 tenta, no entanto, transformar-se num sentido alerta social sobre aqueles que distantes do seu espaço ou ambiente natural, vão lentamente definhando para a já referida apatia que os transforma em fantasmas nos novos países e cidades que ocupam.
Assim, e com um sentido de oportunidade mordaz face aos estranhos dias em que vivemos em que temos toda uma nova vaga migratória e de refugiados que procura um novo local onde assentar raízes, 4242 transforma-se para lá de uma curta-metragem, num número simbólico que encorpora todas essas distâncias, todas essas vidas, todas essas memórias e todas essas vidas que percorreram caminhos sem fim tentando não só libertar-se de um qualquer regime despótico como também encontrar no seu destino um novo local ao qual poder chamar "lar". O espectador, normalmente distante (ou distanciado) de qualquer temática social que não seja ou esteja sistematicamente a ser colocada à sua frente, poderá momentaneamente recordar essas mesmas vagas migratórios e de refugiados que chegam à Europa pelo Mediterrâneo. No entanto, sem um rosto definido que os represente, pode facilmente em 4242 encontrar uma parte - mais ou menos ligeira - de todos esses que deslocados do seu espaço não só se sentem perdidos por o terem abandonado como o voltam a sentir outras duas vezes... no seu percurso antes de chegar a um destino consumado e finalmente quando a ele chegam se perdem por todo um novo conjunto de locais que diferem - e muito - das suas próprias culturas sujeitando-se portanto, a toda uma nova etapa de socialização ao mesmo.
Com algum pudor lírico - certamente naïf devido à jovem idade da realizadora - e que pessoalmente espero que nunca o perca, 4242 transforma-se facilmente no novo hit cinematográfico português tendo já percorrido alguns festivais internacionais dos quais saiu premiada e que sem artifícios ou inuendos consegue transmitir a tal mensagem social de alerta sobre e para com os deslocados - migrantes, de guerra, ambientais (...) - que tantas vezes se esquece e que (tantas vezes) não se consegue ou quer revelar.
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7 / 10
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