domingo, 17 de julho de 2016

Human (2015)

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Human de Yann Arthus-Bertrand é um documentário em formato de longa-metragem francês e um dos filmes mais cativantes e emotivos sobre aquilo que poderemos apelidar de Humanidade.
Com o recurso de belíssimas imagens das mais variadas anónimas paragens pelo planeta, Human exibe longos segmentos de entrevista às mais variadas pessoas sobre temas como o Amor, o Trabalho, a Terra, a Pobreza, a Riqueza, a Guerra, a Família, a Morte, a Felicidade, a Educação, os Refugiados, as Migrações ou a Justiça deixando, no final, uma não tão simples questão... qual o significado da vida?
Ao longo de mais de três horas, o realizador Yann Arthus-Bertrand consegue, desta forma, captar alguns dos mais lúcidos e temerosos registos de vidas que, anónimas, conseguem revelar dos mais profundos pensamentos sobre o mundo e sobre a Humanidade. Sobre o propósito - ou falta dele - da vida. Sobre as transformações e sobre momentos fracturantes na vida dos mais diversos entrevistados que, de uma ou outra forma, os levaram a um rumo diferente daquele tido até então. Num conjunto de registos emocionante - alguns francamente emotivos pelo contexto e forma como são expostos pelos entrevistados das mais diferentes e diversas partes do globo -, Human fala sobretudo daquilo que nos transforma e do que nos faz Humanos. De momentos ou situações na vida que de forma mais ou menos aleatória (im)possibilita um conjunto de oportunidades e alterações que são encaradas como os "porquês" de toda uma existência seja ela completa, feliz e realizada ou, por sua vez, a confirmação de que certos acontecimentos deitam tudo - numa vida - a perder.
Human inicia com a exibição dos rostos de várias pessoas e um momento num qualquer canto do mundo que será, à partida, anónimo. Conheça o espectador ou não onde se encontra, aquilo que irá importar a partir deste momento é a compreensão de que estamos algures no mundo e as histórias que nos serão relatadas. Começamos com o Amor numa entrevista que é imediatamente esclarecedora de que este se pode imediatamente confundir com dor. Aliás, os dois sentimentos ou sensações estão, para o primeiro entrevistado, intimamente ligados na medida em que apenas conheceu o segundo como uma reacção de um amor nunca sentido. Amor esse que, dependendo da parte do mundo em que se encontre o entrevistado, pode ser representado pelo casamento, convivência em comum, uma manifestação do sexo (ou ao revés), de felicidade, de amizade, de unidade mas também de poligamia... De alegria mas de uma igual tristeza, ódio ou violência. Da vida, da doença e igualmente da morte. As experiências aqui partilhadas diferem das diferentes culturas, dos mais diversos ambientes e sobretudo da exposição a que cada um destes Humanos teve ao mesmo. Não conseguindo encontrar uma forma única de o caracterizar - aliás, nem ao Amor nem a nenhum dos demais temas - Human prima pela honestidade com que estes registos chegam ao espectador e pela forma cândida com que cada um abraça a câmara... frente a frente sem mais ninguém.
É dentro deste primeiro segmento que o espectador denota as primeiras diferenças culturais mas que, ao mesmo tempo, chegam sob a forma de uma surpresa na medida em que comparativamente a duas entrevistas - África e Estados Unidos -, o primeiro entrevistado revela que gosta de cozinhar porque lhe dá prazer servir as refeições à família enquanto que o segundo - nos EUA - confessa que a mulher tem de o perceber e servir sem questionar. É esta improvável relação do Homem e do seu ambiente - um tradicionalmente mais conservador e o outro mais liberal - que, invertidos, revelam não só as inesperadas surpresas de um mundo que nos rodeia como também o quão "pequeno" e desconhecer é o Homem sobre tudo aquilo que pode estar à distância de uma cidade.
Os papéis e dicotomias sociais também chegam em Human ao serem abordados temas como o aborto, a liberdade e o divórcio. A forma como a liberdade da mulher em determinados locais do mundo fá-la ser apenas considerada como um objecto impossibilitada de decidir sobre o seu rumo e poder viver as consequências das suas escolhas. No entanto, ao mesmo tempo, o espectador observa no mais remoto dos locais do mundo como a mulher, sob outras circunstâncias, assume um papel social de liderança tão importante e fundamental como aquele tido pela homem.
Directamente relacionado com este relevância social tanto de homem como de mulher está, obviamente, a importância do Trabalho que pode ser considerado desde aqueles que tratam da terra, como alguém que passeia animais... da prostituição a trabalhos de limpeza... uns tidos livremente e outros sob a forma de escravatura que os impedem de ter a sua própria propriedade e, como tal, a sua dignidade e liberdade. Das saudades da família e do país que se deixou para trás, ao esgotamento, à solidão, à exaustão, aos sacrifícios e às derrotas, dos objectivos comprometidos à humilhação, à perda, a devastação, a depressão, o desemprego tão próximo de tantas realidades nos dias que hoje correm terminando na raiva de ver em tardia idade que nada são... e nada têm. Da Pobreza à Riqueza sem esquecer no extremo a mendicidade, Human capta não só as pessoas como os seus momentos... Aqueles em que se encontram e também os que os levaram até ao preciso momento em que falam para uma câmara em estilo de confessionário sobre o seu passado... o seu presente e, em alguns casos, nas perspectivas que têm para um futuro que ainda não chegou.
De uma praia onde a multidão impede de ver a água a um casamento sumário sem esquecer um tão abrangente jogo de futebol para equiparar todo um conjunto de comportamentos e rituais que se tornam semelhantes indiferenciando a celebração a que se assiste. O Homem - no seu conjunto - é capaz dos mais belos rituais de harmonia como do mais sangrento conflito como nos é dado a conhecer pelos relatos daqueles que passaram por uma Guerra e que nela testemunharam o lado mais negro do Homem... enquanto suas vítimas. De África à Síria, do Cambodja à Europa, do Rwanda ao Iraque, as histórias de barbárie ultrapassam a imaginação humana verbalizando todo um sem número de histórias de horror e sobrevivência e dos traumas que lhes foram deixados hoje, anos depois de todos estes conflitos terem terminado... Mas também são deixadas breves mensagens de esperança na tentativa de compreender o "outro" para humanizá-lo e transformá-lo num "eu". Curioso o relato de um pai palestiniano que perdeu a sua filha às mãos de um soldado israelita e que afirma que não está no seu "direito" perdoar a sua morte como também não está no seu direito vingá-la em seu nome, assistindo o espectador a uma estranha e por vezes difícil de compreender reacção de uma paz que jamais conseguirá compreender.
Curiosos são ainda alguns registos que insistem em permanecer na memória do espectador mais atento como, por exemplo (destaco os meus), quando um aborígene fala sobre o facto de, na sua língua, não existirem as palavras "por favor" e "obrigado" pois é esperado do Homem a partilha como um seu sentimento e comportamento inerente e normal. No entanto, devido a uma extrema industrialização e sua consequente desumanização... o Homem é hoje capaz de negar comer, abrigo, educação e saúde. Ou ainda o testemunho de Mujica - Presidente do Uruguai - que diz defender a sobriedade em vez da pobreza na medida em que o Homem deveria compreender que passa uma vida a lutar por ter dinheiro para comprar o que quer tendo, de seguida, pouco tempo para viver e usufruir daquilo pelo qual lutou, gastando toda uma vida perdendo dessa forma a sua liberdade.
Tão curiosos como as mensagens de uma paz e tranquilidade que também inundam Human através dos relatos sobre a Família e a importância que todos os seus membros têm, a falta que fazem quando um já não se encontra presente. Como alguém que foi forçado a abandonar a sua família por uma crença religiosa diferente e equaciona agora, mais "perto" da sua morte sobre se alguém o irá chorar visto a sua família não manter qualquer tipo de laços afectivos. O tal medo da Morte... do eventual anonimato que se lhe precede e a eterna questão sobre se existirá algum testemunho da sua mais ou menos breve passagem por um mundo que não pára e que não espera por ninguém e as expectativas sobre a vida, a morte, o legado e a marca da presença acabam por ser, independentemente da cultura de onde se provêm, estranhamente (ou talvez não) semelhantes.
Ao som de uma constante música original de Armand Amar - compositor já nomeado aos César da Academia Francesa de Cinema - alguns destes entrevistados reflectem ainda sobre a Felicidade que chega sob diversas formas ou a Educação como um dos mais importantes veículos contra não só a ignorância mas também pela independência individual proporcionando todo um conjunto de oportunidades que, de outra forma, estariam vedadas ao Homem proporcionando assim uma maior Justiça social e humana.
No final resta apenas uma questão que é brilhantemente respondida por um entrevistado brasileiro... Qual o sentido da vida? Esta, diz, "é o carregar de uma mensagem da criança que fomos um dia ao velho que somos, sem deixar que essa mensagem se perca."... E ao espectador, passadas três horas que estão de um longo e emocionante conjunto de entrevistas, resta apenas tentar reter a brilhante mensagem de Yann Arthus-Bertrand que o coloca em diversos pontos do globo com um conjunto de questões cujas respostas chegam sob as mais diferentes origens sócio-económicas e culturais provando que por mais distante que se encontrem os indivíduos têm, todos eles, expectativas comuns para o seu futuro... Vivem um presente por vezes comum... e têm, em muitos casos, passados com pontos de encontro muito próximos.
Human é... numa breve - muito breve - palavra... um Triunfo.
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