Portugueses do Soho: Uma História que Mudou de Geografia de Ana Ventura Miranda é um documentário português em formato de curta-metragem nomeado ao Sophia da Academia Portuguesa de Cinema na respectiva categoria.
Tendo como premissa principal a ideia - citada por um dos entrevistados - de que "para atravessar o oceano fez falta coragem do tamanho do mesmo", Portugueses do Soho centra o seu objecto de investigação naqueles que durante o século XX se deslocaram para Nova York e que por lá estabeleceram a sua vida por motivos tão vastos com a miséria, a procura de melhores condições de vida, a fuga ao fascismo e à guerra colonial que se lhe seguiu.
Da saudade ao ideal de duas margens de um lago que separa duas margens onde numa tudo é conhecido e na outra reina o desconhecido, este Portugueses do Soho inicia a sua viagem por 1948 com a mais antiga residente no bairro: Maria Oliveira Mortágua, hoje proprietária de um dos edifícios ao qual mais portugueses recorrem aquando da sua estadia inicial na cidade. Solitários e com a mente num Portugal agora distante, todos estes emigrantes mantinham ao longo das décadas uma característica em comum... a saudade. Saudade esta que se colmatava com a partilha de histórias, a falar sobre as famílias que tinham ficado para trás ou até mesmo nas pequenas iguarias lusitanas que eram cozinhadas em comum.
Com o passar das décadas foi no Soho que se estabeleceu a maior comunidade portuguesa em Nova York ocupando as mais variadas áreas profissionais. Da imobiliária à construção, das fábricas aos restaurantes, das porteiras às domésticas, foi neste bairro que se começaram a instalar as primeiras lojas lusitanas com produtos tradicionais dando impulso à forma como a comunidade se estabeleceu num país distante do seu abrindo-se portanto à sociedade que os acolhera mantendo, todos eles, o eterno sentimento de que seria no regresso que encontrariam a sua felicidade.
Foi também naquele bairro que a comunidade portuguesa se viu pela primeira vez "destronada" na sua importância quando chegam os italianos que dominaram o Soho através dos pequenos esquemas mais ou menos legais dando lugar às lutas pelo poder que caracterizam todas estas movimentações urbanas. Se comunidade dominante a dominada por outra que, no fundo, teve um percurso semelhante, Portugueses do Soho reflecte ainda como destas lutas surgiu um sentimento de união e cumplicidade que os levaria a defender e proteger das sentidas ameaças "externas" identificadas nas outras comunidades.
Da afirmação enquanto uma comunidade que se deixou inserir no país sem esquecer a afirmação através de pequenos centros de actividades, jornais ou até mesmo negócios de destaque na cidade, este documentário consegue além do seu evidente enquadramento social e histórico estabelecer um dinamismo exemplar ao relatar algumas das histórias com humor e orgulho manifestando os dois lados de uma comunidade que agora encontra desse outro lado do "lago" um lugar ao qual também consegue e pode chamar de lar sem esquecer o evento que a todos marcou como uma única e indivisível comunidade... o 11 de Setembro onde, segundo alguns dos portugueses aqui entrevistados, "se deu a conhecer o melhor e o pior de todos".
Interessante e dinâmico equilibrando-se entre a contextualização histórica e o testemunho da vida de uma comunidade, dos sucessos às incertezas, Portugueses do Soho prima pela originalidade da abordagem ao tema centrando a memória como o principal elemento de ligação e exploração da História e quebrando o velho tabu da emigração como elemento fundamental de um miserabilismo social de uma comunidade que não conseguiu inserir-se. Com alguma emotividade e humor à mistura, Portugueses do Soho é um dos elementos que faltavam para se descobrir um pouco mais sobre a diáspora portuguesa.
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