Três Cartazes à Beira da Estrada de Martin McDonagh é uma longa-metragem de co-produção britânica e norte-americana na qual Mildred Hayes (Frances McDormand) se lança numa cruzada contra a polícia local incapaz de descobrir o culpado do homicídio da sua filha há largos meses, pintado três grandes cartazes com mensagens directas para as autoridades.
Da reacção do chefe da polícia William Willoughby (Woody Harrelson) que tenta conciliar a dor de uma mãe arrasada e sem nada a perder, ao seu assistente Dixon (Sam Rockwell), Mildred enfrenta tudo e todos em busca de uma resposta que não só tarda como parece quase impossível de chegar.
Nesta que é a sua terceira longa-metragem enquanto realizador e argumentista, Martin McDonagh cria um conto sobre a América mais "profunda" e potencialmente mais tradicional ainda ensombrada com os fantasmas do passado esclavagista e respectivas divisões sociais e sectárias onde a cor da pele ainda define os supostos "valores" dessa mesma época. Aqui, tudo ainda é medido pelos parâmetros de uma sociedade onde o século XXI ainda não aparenta ter chegado.
Tudo começa ao som de uma pacata e tranquila ópera que denota uma estranha e improvável tranquilidade que Three Billboards Outside Ebbing, Missouri não irá revelar e onde encontramos uma mulher igual a tantas outras... o desgaste de "Mildred" (McDormand) - desde os primeiros instantes em que a vemos dentro do carro para o seguinte momento onde a compreendemos como uma mulher com uma missão - é notório. A (sua) situação limite leva-a a encontrar soluções onde tudo já parece ter falhado e a busca por uma responsabilização das autoridades para a investigação sobre o rapto, violação e morte da sua filha é uma necessidade para apaziguar o tormento que sente e para a culpa que, não tendo, é uma presença. É então que entra toda a componente social e comunitária desta história...
Ebbing é uma pequena cidade de interior onde a polícia e a autoridade são ainda símbolo de uma ordem que tantas vezes é ignorada nestas pequenas comunidades, e o abuso de poder transforma-se numa forma de agir sendo que é o tal "blind eye" dessas autoridades para os próprios atropelos da lei uma forma de manter uma paz e ordem podres que apenas preenchem os olhares alheios sobre esta pequena comunidade afogada numa pressão prestes a eclodir. Quando "Mildred" decide desafiar essa ordem como a única forma que encontrou de obter as respostas que pretende, vêm a lume não só esses atropelos à lei como também aqueles pequenos grandes crimes que são diariamente cometidos e vividos no silêncio desde a violência doméstica à xenofobia passando pela homofobia, bullying e crimes para os quais nunca se encontra uma resolução... porque não se pode ou mesmo quer.
Se "Mildred" é este rosto que desafia a autoridade, é o "Capitão Willoughby" de Harrelson que representa a tal ordem moral que impera na cidade em nome de uma paz de não existe e também o "Dixon" de Sam Rockwell - número dois da esquadra - a face de uma comunidade podre, fortemente ameaçada por dentro e onde a ordem, a lei, a regra ou o respeito existem. Assim, Three Billboards Outside Ebbing, Missouri deixa de ser muito cedo sobre o crime que fora cometido para a jovem filha de "Mildred" mas sim sobre a luta desta contra os silêncios e os abusos que são cometidos não só pelos (não tão) comuns criminosos como também pelo silêncio pactuante de uma autoridade que age pelo medo, pela intimidação e pela pressão em nome de uma paz social ou de uma ordem imposta pelo medo. Afinal, poderão ser apenas responsáveis aqueles que cometem crimes pela sua índole violenta ou, junto a eles, os que não actuam e deixam passar o que acontece apenas para manter a ilusão de que se vive num qualquer paraíso onde os bons costumes e boas maneiras são regra para a existência divina?!
Mas, se o argumento de Three Billboards Outside Ebbing, Missouri da autoria do próprio realizador têm toda esta carga dramática que ganha corpo graças a uma soberba interpretação de Frances McDormand que não só tem "limpo" esta temporada de prémios como será certamente uma forte candidata ao Oscar de Melhor Actriz, está repleto de doses de drama, não é menos certo que o mesmo está coberto de um humor extremamente negro e corrosivo consegue cativar o espectador desde o primeiro instante fruto (talvez) de uma construção de personagem que insere a actriz principal no drama de uma mulher arrasada pela perda mas também a consegue libertar do espaço em que se encontra ao desrespeitar todos aqueles que ameaçam a sua existência. Aliás, McDormand não tem uma interpretação tão forte desde o seu brilhante Mississippi Burning (1988), de Alan Parker onde, curiosamente, muitas das suas linhas motoras cruzam de muito perto com as de Three Billboards Outside Ebbing, Missouri e no qual foi nomeada ao Oscar enquanto Actriz Secundária lidando - a sua personagem - de muito perto com todos os preconceitos raciais e abuso de pode da dita América profunda.
Dotado de uma extrema sensibilidade visual Three Billboards Outside Ebbing, Missouri é, no entanto, detentor de uma profunda e forte mensagem social sobre os estigmas do preconceito, da prisão da liberdade e da já referida aparente paz social que, no entanto, se refugia nas profundezas do silêncio colhendo aqueles que se deixam pro ele dominar e ostraciza os que contra ele se revoltam. Afinal, em algum momento desta longa-metragem assistimos à revolta da população que vive sob este jugo ou, por sua vez, fixamos as poucas várias vezes que a mesma se insurge mais ou menos silenciosamente contra aqueles que desafiam o status quo?!
McDonagh, à semelhança do que já havia conseguido na sua obra anterior volta, uma vez mais, a dirigir um daqueles filmes que os tempos cinematográficos norte-americanos irão registar com uma obra actual e pertinente... para os cinéfilos e apreciadores de bom cinema, esses, irão registar um desempenho notável de uma actriz que não sendo assídua nos grandes ecrãs consegue, por sua vez, conquistá-lo em todas as frentes desejando o espectador que a sua demanda seja bem sucedida. No final, permanece uma última nota... o cruzar de esforços que o equivalente ao bem (McDormand) e o mal (Rockwell) encetam para exterminar um mal ainda maior... mesmo que não seja aquele pelo qual "Mildred" tanto procurou.
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"Mildred Hayes: (...) there ain't
no God and the whole world's empty, and it doesn't matter what we do to
each other?"
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9 / 10
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