La Guerra dei Cafoni de Davide Barletti e Lorenzo Conte é uma longa-metragem italiana presente na secção competitiva da décima-primeira edição da Festa do Cinema Italiano a decorrer até ao próximo dia 12 de Abril no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Puglia... uma era incerta. Em Torrematta os adolescentes controlam o território que se encontra dividido em dois grupos. De um lado os filhos dos ricos. Do outro os filhos dos camponeses. Não se misturam e vivem uma guerra constante de ocupação e conquista.
Num ensaio sobre a luta de classes vista sob uma nova perspectiva, os jovens de La Guerra dei Cafoni revelam uma surpreendente história sobre o poder, a opressão, a tirania e uma vontade extrema de liberdade transformando-os num único Verão nos adultos porvir.
Baseado na obra homónima de Carlo D'Amicis, La Guerra dei Cafoni apresenta logo desde os primeiros minutos toda a dinâmica desta história... começamos por observar um pai e filho que numa árdua luta pela sua sobrevivência são condenados à perda e à morte por ambicionarem um pouco mais de água de um poço que se encontra no terreno do "patrão". Esta dinâmica, rapidamente se transpõe para tempos mais recentes (ainda que não identificáveis para lá das poucas evidências que o espectador pode reter graças ao sugestivo guarda-roupa dos actores), onde os dois grupos de jovens mantém todo um jugo que se propaga pelos séculos e no qual a diferenciação de classes se mantém como um requisito para a condição social e comunitária de todos.
Assim, e num espaço ausente de presença significativa de adultos - o único que atravessa de certa forma toda esta história é o dono de um bar de praia ao qual todos recorrem ocasionalmente -, La Guerra dei Cafoni é portanto a luta de ricos em manterem o seu lugar na pirâmide social enquanto que os mais pobres desejam não o ascender nessa mesma pirâmide mas que os outros possam ser, tal como eles, menos privilegiados na mesma. De outra forma, ambos os grupos não têm qualquer objectivo real para como a ascensão ou progressão social dos menos privilegiados e aqueles que já estão no topo tão pouco pretendem ser "invadidos" por um novo conjunto de pessoas não habituados aos seus hábitos. Assim, o combate travado entre uns e outros não tem qualquer objectivo de alteração social mas sim o combate para evidenciar que essa diferença simplesmente existe.
Entre conflitos típicos de jovens pré-adolescentes que se assumem no espaço como controladores de uma qualquer ordem social - a ausência de adultos que tenham estabelecido a ordem é uma constante -, e a sua existência no mesmo como que numa penitência que lhes poderá conferir a entrada nesse tal mundo dos adultos onde poderão conhecer toda uma nova e diferente (ou não) realidade, faz deste La Guerra dei Cafoni um relato sobre as origens e a compreensão dessa diferença assim como sobre a forma como a mesma se estabelece como um qualquer pré-requisito actual de uma vontade de épocas passadas... afinal, quem estabeleceu a realidade desta diferença de classes? Alguém a compreende de facto? Alguém a poderá justificar num mundo em constante transformação? Apenas num espaço e tempo incerto resguardado das influências externas poderá essa tal "diferença" sobreviver... Em La Guerra dei Cafoni observamos que a única distracção de todas estas crianças é a praia... não existem televisões... telemóveis tão pouco (talvez ainda nem tenha chegado a sua era), os rádios não funcionam e a única máquina de pinball é rapidamente requisitada e destruída num inesperado acidente. Estando todos eles perante uma realidade que os ultrapassa para lá da única certeza que tudo está "como sempre foi", como poderão eles compreender que existe mais para lá do seu mundo se esse não faz parte do seu imaginário para lá de algumas luzes no horizonte que nem todos observam?!
Com um conjunto de interpretações dinâmicas onde se destacam os jovens Pasquale Patruno como o jovem "Francisco Marinho" por parte dos "ricos" e Letizia Pia Cartolaro como "Mela" e Donato Paterno como "Scaleno" por parte dos pobres camponeses, La Guerra dei Cafoni destaca-se ainda pela sua subtilmente constante música original da autoria de David Aaron Logan que cria uma perfeita atmosfera estival e juvenil adensada com um drama existencial de classes colocando-se como uma invulgar história de luta pelo poder na qual as suas personagens não pretendem a transformação de classes mas sim a sua eliminação pela vontade em que todos devem coexistir num espaço com recursos e direitos iguais... ainda que cada um no seu próprio espaço.
No final, e num mundo onde o desenvolvimento pessoal se faz de sacrifício e descoberta, são "Francisco Marinho" e "Mela" aqueles que despertam para uma realidade diferente... Ele, por esperar do seu espaço e daqueles que passa a admirar, uma lenta transformação que, depois, o condenam por amor... Ela, por vislumbrar ao longe uma nova realidade que, mesmo sendo incerta, poderá representar todo um novo universo de oportunidades que espera descobrir... quando as suas responsabilidades para com um jovem "Tonino" (Piero Dioniso) terminam pelo repentino amadurecimento do mesmo, a sua vida para a ser virada para si e não para a protecção do irmão mais jovem.
La Guerra dei Cafoni é assim um filme sobre a luta e percepção de classe não como uma condicionante do seu próprio ser mas como um facto adquirido de geração em geração que não se pode questionar, alterar ou negar... Até que o mundo (seu) se revela pequeno demais e o chegar "à outra margem" se impõe como uma necessidade.
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7 / 10
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