O Atentado de Ziad Doueiri foi o filme da sessão de abertura da segunda edição do Judaica - Mostra de Cinema e Cultura a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo domingo e que nos conta uma invulgar história de amor e traição no seio de um casal palestiniano a viver em Israel.
Amin Jaafari (Ali Suliman) é um proeminente médico cirurgião palestiniano a residir em Tel Aviv e um dos nomes mais destacados na sua área tendo recebido um dos mais prestigiados prémios a atribuir à sua classe. Com uma vida aparentemente estável e de destaque numa sociedade que lhe seria à partida hostil, Amin tem ainda o casamento perfeito com Siham (Reymond Amsalem), uma mulher proveniente de boas famílias, constituindo-se assim uma referência para todos.
Um dia uma bomba explode na cidade causando um elevado número de mortes, incluindo várias crianças, e é a partir deste momento que Amin vê todas as suas crenças sociais como principalmente as familiares postas em causa não sabendo em quem ou no quê confiar ou até que ponto será realmente a sua existência assim tão "perfeita".
O argumento da autoria de Doueiri e de Joelle Touma com base no romance homónimo de Yasmina Khadra toca em vários aspectos interessantes nomeadamente a relação que este casal "Amin" e "Siham" tem não só entre si como também para com a sociedade que os acolheu e lhes garantiu um nível de vida acima da média. Entre os dois e no seio da sua vida privada sente-se através dos relatos de "Amin" que a sua vida, ainda que financeira e socialmente estável, é assombrada por um fantasma omnipresente ao contatarmos que a única conversa que existe sobre a falta e o desejo de um filho é uma das mais marcantes e sentidas que o casal tem. Melhor, é um monólogo interpretado por "Amin" que obtém como "resposta" um silêncio cortante de "Siham" que por entre lágrimas revela ao espectador o seu desejo mas cautela em trazer um filho ao mundo para uma sociedade onde, no fundo, esta não se sente livre ou respeitada. É este sentimento recalcado que aos poucos sentimos e percebemos que irão determinar os seus comportamentos num futuro que já conhecemos.
Finalmente, e de certa forma relacionado com este anterior aspecto, se por um lado "Amin" sente que é um privilegiado enquanto palestiniano numa sociedade israelita pois teve direito a uma educação de topo, amigos influentes na sociedade bem como um conjunto de regalias e prémios que o destacam como um dos melhores, não é menos verdade que todo este conforto é desprezado em silêncio por "Siham" que vive como uma privilegiada sim, mas alguém que tem de também silenciosamente renegar às suas origens e ao povo no qual se insere. É quando a fatalidade e a tragédia ensombram o bom nome de "Amin" que este descobre afinal quem realmente teve do seu lado, quem perdeu e que na prática apesar de ser considerado um dos "melhores", mais não é então do que um dos "do outro lado" ao constatar que é também sobre si que recaem as suspeitas de algo que desconhecia.
É então no seio destes dilemas que o espectador é também colocado. Será impossível sob qualquer perspectiva que seja justificar ou desculpabilizar qualquer acto de violência que seja cometido mais ainda quando estes o são sob as gerações do "amanhã" (não esquecer que a maioria das vítimas mortais deste atentado terrorista são crianças), no entanto somos também confrontados com a perspectiva de "Siham" que se sente impedida de ser mãe num mundo em que o seu filho seria, na sua opinião, considerado um cidadão que não poderia celebrar livremente a sua língua e a sua cultura ou mesmo as suas raízes numa sociedade que, em segredo, considerava opressora mesmo que lhe tenha proporcionado todas as regalias que sentia enquanto cidadã. Era então sob esta violência que "Siham" se sentiu obrigado a penalizar levando-a a cometer este acto bárbaro sobre aqueles que seriam os filhos de "amanhã".
Ao mesmo tempo Doueiri e Touma colocam-nos ainda uma segunda questão quando somos levados a questionar o dogma que nos é imposto a respeito destes acontecimentos, ou seja, serão apenas aqueles que pertencem a classes socialmente desprivilegiadas que cometem actos limites à sua condição na medida em que já nada têm a perder ou, por sua vez, também aqueles oriundos de classes abastadas e socialmente destacadas que também podem enveredar, ainda que no mais absoluto silêncio, por caminhos extremistas e devido à sua condição social, mais difíceis de "justificar"?
Ali Suliman e a sua composição enquanto "Amin", o homem ilusoriamente feliz e socialmente promissor que sente todo o seu mundo destruído quando se depara com a morte da sua mulher é assumidamente a força motora de todo este filme. Não só pela sua composição calma de um homem palestiniano que foge ao tradicional retrato de alguém marginal à sociedade (felizmente um estereótipo que é derrubado), como também pelo facto de com o evoluir da sua personagem nos mostrar aquilo que cedo esperamos ver... afinal, quem é agora este homem que se afastou de uma vida marginalizada tornando-se proeminente na sociedade mas que, graças ao acto bárbaro da sua mulher, é agora um pária em ambas as sociedades... evoluído demais para o meio de onde provém mas um terrorista por associação na sociedade que até então o acolhera?!
Destaque ainda para a música original da autoria de Éric Neveux que nos transporta não só para um ambiente emotivo e familiar como ao mesmo tempo mistura os acordes rítmicos do Médio Oriente transformando assim um filme de uma realidade assustadora num espaço que queremos conhecer e que assumem nos momentos exactos a mistura certa para equilibrar a história como os sentimentos que a sua personagem principal pretende transmitir ao espectador.
The Attack (O Atentado) é assim o filme perfeito para a abertura desta mostra de cinema que chega à capital bem como se transforma na peça ideal para reflectir sobre uma história assustadoramente real e presente e que nos obriga a pensar sem que com isso se teçam julgamentos mas sim condenar a violência... seja qual fôr a sua proveniência.
.Ao mesmo tempo Doueiri e Touma colocam-nos ainda uma segunda questão quando somos levados a questionar o dogma que nos é imposto a respeito destes acontecimentos, ou seja, serão apenas aqueles que pertencem a classes socialmente desprivilegiadas que cometem actos limites à sua condição na medida em que já nada têm a perder ou, por sua vez, também aqueles oriundos de classes abastadas e socialmente destacadas que também podem enveredar, ainda que no mais absoluto silêncio, por caminhos extremistas e devido à sua condição social, mais difíceis de "justificar"?
Ali Suliman e a sua composição enquanto "Amin", o homem ilusoriamente feliz e socialmente promissor que sente todo o seu mundo destruído quando se depara com a morte da sua mulher é assumidamente a força motora de todo este filme. Não só pela sua composição calma de um homem palestiniano que foge ao tradicional retrato de alguém marginal à sociedade (felizmente um estereótipo que é derrubado), como também pelo facto de com o evoluir da sua personagem nos mostrar aquilo que cedo esperamos ver... afinal, quem é agora este homem que se afastou de uma vida marginalizada tornando-se proeminente na sociedade mas que, graças ao acto bárbaro da sua mulher, é agora um pária em ambas as sociedades... evoluído demais para o meio de onde provém mas um terrorista por associação na sociedade que até então o acolhera?!
Destaque ainda para a música original da autoria de Éric Neveux que nos transporta não só para um ambiente emotivo e familiar como ao mesmo tempo mistura os acordes rítmicos do Médio Oriente transformando assim um filme de uma realidade assustadora num espaço que queremos conhecer e que assumem nos momentos exactos a mistura certa para equilibrar a história como os sentimentos que a sua personagem principal pretende transmitir ao espectador.
The Attack (O Atentado) é assim o filme perfeito para a abertura desta mostra de cinema que chega à capital bem como se transforma na peça ideal para reflectir sobre uma história assustadoramente real e presente e que nos obriga a pensar sem que com isso se teçam julgamentos mas sim condenar a violência... seja qual fôr a sua proveniência.
8 / 10
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