quarta-feira, 2 de julho de 2014

La Boca del León (2013)

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La Boca del León de Alfonso García é uma curta-metragem espanhola de ficção que nos permite ver uma história já conhecida mas de forma completamente original.
Montalvo (Carlos Herranz) está ao telefone com um homem. Reparamos que tem o aspecto de um homem atormentado e rapidamente percebemos que está possuído por algum demónio.
O homem do outro lado é um Padre Exorcista (Emilio Linder) que na incapacidade de o aconselhar mais recorre à ajuda de Vicky (Ayleen Petrescu), filha de Montalvo que irá revelar grandes surpresas.
O genial argumento de Vicente Rubio transporta-nos para um conjunto de dilemas com aquilo que temos da nossa sociedade dita moderna e a forma como interagimos para com os demais. Questionemo-nos logo de imediato com a questão em causa... Estamos perante um homem que claramente necessita de ajuda. Independentemente da sua condição, credível para uns... não tanto para outros, "Montalvo" é um homem que se sente atormentado, em pânico e com uma clara necessidade de que alguém o ajude naquele preciso momento. No entanto, e para mal dos seus pecados (quão apropriada palavra), a única forma que tem de auxílio é pelo telefone. Eis a primeira questão que esta curta-metragem tão bem explora e que encontra uma vibrante semelhança com a realidade em si... numa altura em que as tecnologias se desenvolvem aproximando quem está distante e afastando aqueles que mais perto de nós se encontram inviabilizando assim o contacto directo entre as pessoas, numa sociedade em que as linhas de apoio para tudo e algo mais se apoderam da forma de comunicabilidade entre os indivíduos... porque não uma linha de apoio aos possuídos? Ter um padre exorcista à distância de um número de telefone seria (será? é?) o sonho de muitos e o pesadelo de tantos outros (espíritos).
É exactamente esta questão que dá, ao mesmo tempo, seguimento a outra igualmente importante e que está, no fundo, como aquela que dá origem a este argumento, ou seja, numa sociedade onde o isolamento e o afastamento entre indivíduos é cada vez mais notório e onde a comunhão, socialização e diálogo são cada vez mais escassos... não será este o momento perfeito para o dito demónio se apoderar da vontade humana? Afinal, não será mais fácil para ele conquistar o coração daqueles que se encontram solitários e sem ninguém a quem recorrer?! Não será ao criar sociedades baseadas unica e exclusivamente no "eu" e não no colectivo que os mais fracos são "capturados" por um qualquer demónio, podendo ser este meramente figurativo e ilustrativo dos reais males dessa mesma sociedade?
Se estas duas premissas não fossem de si só já suficientes para transformar La Boca del León num espantoso filme curto - não esquecer que tem menos de cinco minutos de duração - pensemos também que este foi filmado por telemóvel, vencedor aliás do Prémio Phonetastic na última edição do Festival Internacional de Cinema Fantástico de Sitges, e que ao estilo de found footage assistimos àquilo que poderão ter sido os últimos instantes da vida dita "normal" daquele homem. Com todos estes elementos penso no quão interessante seria que este projecto tivesse pernas para andar um pouco mais longe e transformar-se em mais uma longa-metragem capaz de nos prender ao ecrã mesmo que muitos dos seus momentos sejam conseguidos graças a um humor negro muito particular que nos obriga, ao mesmo tempo, a pensar na referida sociedade em que "habitamos".
Ainda que curta, tanto quanto a duração do próprio filme, uma breve menção à interpretação de Carlos Herranz como "Montalvo", o homem a quem o demónio fez uma inesperada visita e a todo um trabalho de caracterização de Laura García e direcção de fotografia de Alfonso García que nos colocam de facto num local visitado pelo "demónio". Ainda um destaque positivo para o design de produção de Susi Caramelo que transforma o pouco que vemos daquele apartamento num magnífico "covil para a besta".
Com uma qualidade assumidamente genial, La Boca del León é desde já uma referência para o cinema do género que não se prende com os lugares comuns do mesmo tendo conseguido superar sem qualquer dificuldade todos os pequenos problemas que normalmente não dão a filmes deste género a dignidade que eles merecem.
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9 / 10
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