Este é o Meu Lugar de Paolo Sorrentino foi o filme de abertura da 5ª Festa do Cinema Italiano que arrancou dia 12 em Lisboa. Sem a presença mas com uma elevada afluência de espectadores que esgotou a sala, este é mais um brilhante filme do realizador italiano que já conquistou 14 nomeações aos Prémios David da Academia Italiana de Cinema.
Cheyenne (Sean Penn) é uma ex-estrela de rock que vive confortavelmente com os rendimentos adquiridos ao longo da sua carreira. Agora afastado voluntariamente da música depois de um trágico acontecimento que o marcaria para sempre, Cheyenne é notificado que o seu pai, que não vê há trinta anos, está a morrer.
Depois de encontrar o seu pai já sem vida Cheyenne embarca numa viagem pela América profunda para encontrar o homem que havia humilhado o seu pai no campo de concentração de Auschwitz para assim conseguir ajustar contas com este homem. Pelo caminho não só consegue encontrá-lo como, acima de tudo, consegue através dos encontros que estabelece reencontrar-se com o seu próprio passado.
Antes de qualquer outro comentário tenho de começar pela extraordinária capacidade de Paolo Sorrentino em dar vida a personagens masculinas tão complexas e "marginais" (devido à sua marcante "realidade"). Para quem conhece a sua obra, e remetendo-me especificamente para os seus dois maiores sucessos, já o tinha feito com o seu Titta Di Girolamo no Le Conseguenze dell'Amore e no seu Giulio Andreotti de Il Divo, brilhantemente interpretados por Toni Servillo, homens dotados de uma inteligência fora do normal que os auto-isolava de uma convivência normal com o mundo que os rodeava.
Aqui com o Cheyenne de Sean Penn, Paolo Sorrentino volta a apostar na mesma "receita" para a interpretação principal do seu filme. Cheyenne é um homem que cresceu apenas na sua aparência física, mantendo uma jovialidade praticamente infantil no seu intelecto não o privando, no entanto, de uma acutilante e sempre desafiante inteligência. Estas personagens conseguem assim não só serem determinantes para o filme como conseguem em muitos momentos transcender as obras em si e fazer de Sorrentino um verdadeiro "mestre" a compô-las.
Quanto a Sean Penn muito concretamente, se já havia provado há muito a sua qualidade interpretativa que parece não ter limites mas, a tê-los, haviam sido completamente transpostos com esta sua composição enquanto Cheyenne. Se começarmos por falar na sua infantilidade que nos faz lembrar a sua interpretação nomeada para o Oscar em I Am Sam, percebemos facilmente que Penn tem muito mais para dar do que as suas interpretações intensas enquanto o "rufia" ou "mafioso" que tanto o caracterizou. A inteligente inocência que caracteriza esta sua interpretação tanto tem de natural como de auto-imposta devido ao trauma que ensombra o seu próprio passado e que se torna clara no decorrer da primeira metade do filme. E se de um lado temos a sua interpretação dramática, por outro consegue muito espontâneamente mudar para um registo cómico que consegue muito facilmente provocar francas gargalhadas no espectador. É aqui que está bem presente a "infantilidade" da sua personagem. Alguém que a um determinado momento se recusou a crescer mantendo assim uma boa parte da sua inocência.
E isto posso também referir sobre o argumento da autoria de Paolo Sorrentino em colaboração com Umberto Contarello (uma das nomeações aos David), que consegue de uma forma bastante harmoniosa conciliar o drama e a comédia. Se por momentos temos um Cheyenne infantil e cómico com comportamentos como se de uma criança se tratasse temos também o seu oposto onde dá vida a um homem que quer a todo o custo encontrar o homem que havia humilhado o seu pai em Auschwitz. É nesta viagem que Cheyenne faz pela América profunda, muito distante de uma Irlanda gótica e alternativa onde vive, que ele consegue encontrar o Cheyenne que havia esquecido há muitos anos atrás. O seu "eu" que havia enterrado algures no seu passado. É através das experiências que vai vivenciando com as pessoas que encontra enquanto procura aquele homem que Cheyenne percebe o quanto deixou para tráz de si próprio. É acima de tudo este homem, ele próprio, que ele encontra.
Igualmente de destaque é a banda-sonora da autoria de David Byrne que não só obteve uma nomeação ao David como também tem uma interpretação secundária enquanto... ele próprio, como um dos amigos de Cheyenne da altura em que tinha carreira musical.
A caracterização, muito particularmente a de Sean Penn, parece ser também ela uma das personagens do filme. A sua pintura e cabelo têm uma vida e dimensão próprias que contribuem, e muito, para o "boneco" criado.
Não sei se este This Must Be the Place sairá como um dos grandes vencedores dos próximos David mas, no entanto, uma coisa é segura... a continuidade de Sorrentino enquanto criador de um conjunto de personagens masculinas fortes, qb independentes, marginais à sociedade mas que nela têm o seu próprio lugar e que felizmente marcam pela sua diferença.
Muitos serão aqueles que, mais que não seja pela curiosidade que a transfiguração de Sean Penn provoca, se irão sentir atraídos para ir ver este filme. E isso acaba por ser positivo pois é sinal que o vão ver no entanto, longe está a dita "tradicional" interpretação deste actor. Aqui Penn tem uma interpretação muito mais profunda e íntima e que muito justamente o poderia lançar numa nova nomeação a Oscar.
Fiquei fã... desde o conjunto de interpretações onde também se destacam Judd Hirsch, Frances McDormand, Kerry Condon ou Harry Dean Stanton, à própria caracterização dos actores (muito especialmente a já referida de Sean Penn), e não esquecendo claro a espantosa composição musical que tal como a referida caracterização assume também ela um lugar e uma vida própria na continuidade do próprio filme.
Imprescindível para fãs de Sorrentino, para os fãs de Penn e para qualquer cinéfilo que queira assistir não só a uma história dramática como também a agradáveis momentos onde não conseguimos deixar de dar uns quantos sorrisos ou gargalhadas. Um excelente início para a edição deste ano da Festa do Cinema Italiano.
.Cheyenne (Sean Penn) é uma ex-estrela de rock que vive confortavelmente com os rendimentos adquiridos ao longo da sua carreira. Agora afastado voluntariamente da música depois de um trágico acontecimento que o marcaria para sempre, Cheyenne é notificado que o seu pai, que não vê há trinta anos, está a morrer.
Depois de encontrar o seu pai já sem vida Cheyenne embarca numa viagem pela América profunda para encontrar o homem que havia humilhado o seu pai no campo de concentração de Auschwitz para assim conseguir ajustar contas com este homem. Pelo caminho não só consegue encontrá-lo como, acima de tudo, consegue através dos encontros que estabelece reencontrar-se com o seu próprio passado.
Antes de qualquer outro comentário tenho de começar pela extraordinária capacidade de Paolo Sorrentino em dar vida a personagens masculinas tão complexas e "marginais" (devido à sua marcante "realidade"). Para quem conhece a sua obra, e remetendo-me especificamente para os seus dois maiores sucessos, já o tinha feito com o seu Titta Di Girolamo no Le Conseguenze dell'Amore e no seu Giulio Andreotti de Il Divo, brilhantemente interpretados por Toni Servillo, homens dotados de uma inteligência fora do normal que os auto-isolava de uma convivência normal com o mundo que os rodeava.
Aqui com o Cheyenne de Sean Penn, Paolo Sorrentino volta a apostar na mesma "receita" para a interpretação principal do seu filme. Cheyenne é um homem que cresceu apenas na sua aparência física, mantendo uma jovialidade praticamente infantil no seu intelecto não o privando, no entanto, de uma acutilante e sempre desafiante inteligência. Estas personagens conseguem assim não só serem determinantes para o filme como conseguem em muitos momentos transcender as obras em si e fazer de Sorrentino um verdadeiro "mestre" a compô-las.
Quanto a Sean Penn muito concretamente, se já havia provado há muito a sua qualidade interpretativa que parece não ter limites mas, a tê-los, haviam sido completamente transpostos com esta sua composição enquanto Cheyenne. Se começarmos por falar na sua infantilidade que nos faz lembrar a sua interpretação nomeada para o Oscar em I Am Sam, percebemos facilmente que Penn tem muito mais para dar do que as suas interpretações intensas enquanto o "rufia" ou "mafioso" que tanto o caracterizou. A inteligente inocência que caracteriza esta sua interpretação tanto tem de natural como de auto-imposta devido ao trauma que ensombra o seu próprio passado e que se torna clara no decorrer da primeira metade do filme. E se de um lado temos a sua interpretação dramática, por outro consegue muito espontâneamente mudar para um registo cómico que consegue muito facilmente provocar francas gargalhadas no espectador. É aqui que está bem presente a "infantilidade" da sua personagem. Alguém que a um determinado momento se recusou a crescer mantendo assim uma boa parte da sua inocência.
E isto posso também referir sobre o argumento da autoria de Paolo Sorrentino em colaboração com Umberto Contarello (uma das nomeações aos David), que consegue de uma forma bastante harmoniosa conciliar o drama e a comédia. Se por momentos temos um Cheyenne infantil e cómico com comportamentos como se de uma criança se tratasse temos também o seu oposto onde dá vida a um homem que quer a todo o custo encontrar o homem que havia humilhado o seu pai em Auschwitz. É nesta viagem que Cheyenne faz pela América profunda, muito distante de uma Irlanda gótica e alternativa onde vive, que ele consegue encontrar o Cheyenne que havia esquecido há muitos anos atrás. O seu "eu" que havia enterrado algures no seu passado. É através das experiências que vai vivenciando com as pessoas que encontra enquanto procura aquele homem que Cheyenne percebe o quanto deixou para tráz de si próprio. É acima de tudo este homem, ele próprio, que ele encontra.
Igualmente de destaque é a banda-sonora da autoria de David Byrne que não só obteve uma nomeação ao David como também tem uma interpretação secundária enquanto... ele próprio, como um dos amigos de Cheyenne da altura em que tinha carreira musical.
A caracterização, muito particularmente a de Sean Penn, parece ser também ela uma das personagens do filme. A sua pintura e cabelo têm uma vida e dimensão próprias que contribuem, e muito, para o "boneco" criado.
Não sei se este This Must Be the Place sairá como um dos grandes vencedores dos próximos David mas, no entanto, uma coisa é segura... a continuidade de Sorrentino enquanto criador de um conjunto de personagens masculinas fortes, qb independentes, marginais à sociedade mas que nela têm o seu próprio lugar e que felizmente marcam pela sua diferença.
Muitos serão aqueles que, mais que não seja pela curiosidade que a transfiguração de Sean Penn provoca, se irão sentir atraídos para ir ver este filme. E isso acaba por ser positivo pois é sinal que o vão ver no entanto, longe está a dita "tradicional" interpretação deste actor. Aqui Penn tem uma interpretação muito mais profunda e íntima e que muito justamente o poderia lançar numa nova nomeação a Oscar.
Fiquei fã... desde o conjunto de interpretações onde também se destacam Judd Hirsch, Frances McDormand, Kerry Condon ou Harry Dean Stanton, à própria caracterização dos actores (muito especialmente a já referida de Sean Penn), e não esquecendo claro a espantosa composição musical que tal como a referida caracterização assume também ela um lugar e uma vida própria na continuidade do próprio filme.
Imprescindível para fãs de Sorrentino, para os fãs de Penn e para qualquer cinéfilo que queira assistir não só a uma história dramática como também a agradáveis momentos onde não conseguimos deixar de dar uns quantos sorrisos ou gargalhadas. Um excelente início para a edição deste ano da Festa do Cinema Italiano.
.
"Cheyenne: At this particular moment I'm trying to fix up a sad boy and a sad girl, but it's not easy. I suspect that sadness is not compatible with sadness."
.8 / 10
.
.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário