Pickpocket - O Carteirista de Robert Bresson é um interessante filme, nomeado para o Urso de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Berlim, que nos relata a história de Michel (Martin LaSalle), um homem detido por furto num hipódromo e libertado da prisão por falta de provas.
Michel não quer privar com uma mãe gravemente doente, com os poucos amigos que ainda lhe restam e, de certa forma, com toda uma sociedade em seu redor. A única motivação de Michel é o impulso que o leva a assaltar os transeuntes e aperfeiçoar a sua "arte" a cada dia que passa.
Para lá de qualquer interpretação que Pickpocket, aquilo que se torna mais fascinante nesta longa-metragem de Bresson é a capacidade com que o mesmo elaborou um argumento pleno de reflexões e análises a um "eu" interpretado por Martin LaSalle. Quase sempre em narração onde o espectador escuta os pensamentos de um jovem "Michel" que aparenta ter tudo para levar uma vida normal face aos olhos da sociedade, aquilo que o mesmo nos apresenta é a sua constante impulsividade para se manter o tal marginal que de todos se distancia e (sobre)vive num espaço que em nada abona para a sua evolução enquanto ser humano.
"Michel" vive num quarto de um prédio semi-abandonado destinado a todos os eventuais párias que chegam à cidade. A porta do seu quarto mal se consegue fechar e os seus pertences estão, portanto, ao dispôr de todos aqueles que se aventuram para lá da mesma. O que furta esconde. O que possui é - para quem chega - nada. "Michel" aparenta estar despojado de todos os pertences terrenos e apenas entregue a uma constante reflexão - eventualmente a mão divina - que o aproxima da perfeição. Mas esta perfeição (inatingível) não é para um bem comum ou social mas sim para satisfazer um ego e um impulso os quais não consegue controlar. "Michel", à luz dos dias que hoje temos, seria facilmente diagnosticado com uma qualquer doença, (clepto)mania ou desordem e seriam analisados os motivos pelos quais não consegue distanciar-se de uma vida marginal aproveitando as oportunidades proporcionadas por aqueles que ainda insistem em trazê-lo para o lado "bom" da vida.
O furto é, para "Michel", o último desafio. Numa época ainda repleta de incertezas e em que toda uma geração lutava por encontrar o seu próprio espaço - não esqueça o espectador que ainda se encontra na década seguinte à Segunda Guerra Mundial onde não só estava tudo por fazer como também muito por esquecer -, a grande questão aqui levantada poderia ser como não desafiar o proibido depois de se ter visto e sobrevivido à ainda recente década de 40?! Porque não desafiar a lei e ultrapassar os limites do legal? Será (in)consciente ou apenas o tal já referido impulso que toma conta das vontades? Será uma necessidade.... um prazer... ou até mesmo um vício? O que o compele a procurar o impossível e o proibido?
A clareza, ou falta dela, com que "Michel" embarca dia após dia num ritual que o aproxima do seu próprio abismo é inversamente proporcional à daqueles que insistem que ele já se encontra junto do mesmo. As suspeitas recaem sobre ele e muito em breve não conseguirá fugir daquilo que tanto procura. Mas "Michel" tenta. Fora da sua cidade e rumo a tantas outras capitais europeias, "Michel" vive longe daquilo que o provocava a testar o seu limite mas, ainda assim, sempre com o tal impulso que o levava a provar o proibido. Tal como uma dependência ou uma droga, ele procura os furtos, escolhe as suas vítimas, testas os seus próprios limites e aqueles que a lei lhe confere, consciente de que pratica o mal mas involuntariamente dependente da tal adrenalina - como hoje diríamos - que sistematicamente o aproximam do risco. Droga.. dependência... distúrbio.... ou simplesmente uma necessidade psicologicamente incontrolada (ou incontrolável) que o domina e o obriga a manter-se na sociedade mas fora dela, instigando a praticar aquilo que sabe não dever fazer como se de um silencioso pedido de ajuda se tratasse?
Ainda que os seus furtos prejudiquem de uma ou outra forma aqueles a quem priva do seu dinheiro, o espectador sente nos actos de "Michel" uma certa inocência quase infantil. Afinal testemunhamos os seus actos mas, ao mesmo tempo não o vemos a tomar grande proveito dos seus ganhos. Vive uma vida que qualquer um poderia considerar miserável, livre de qualquer posse material ou de grandes responsabilidades... será viver ou sobreviver refém de um impulso que não consegue controlar? O espectador acompanha-o, observa-o e percebe o quão perto do limite se encontra ao ponto de por breves instantes desejar que ele escape - uma vez mais - ao perigo em que se coloca, desconhecemos então, se por vontade própria ou se para responder à tal desordem que parece estar sempre do seu lado.
"Michel" não cultiva qualquer tipo de ligação... Nem com a sua mãe gravemente doente, nem com um amigo dedicado ou tão pouco com a vizinha que parece por ele nutrir uma paixão secreta e jamais por ele compreendida. A sua única preocupação (ou dedicação) reside nos pequenos esquemas e tramas que aprende e que partilha com aqueles que com ele partilham "profissão" e que vivem numa estranha e silenciosa comunidade que divide abertamente - para se livrarem de suspeitas - os espólios do seu dia-a-dia.
Pickpocket é assim um interessante e silenciosamente inquietante filme pela reflexão feita sobre um estilo e modo de vida que apenas cria ligação pelas breves palavras ditas, pelos fugazes olhares tidos ou até mesmo pelos instantâneos gestos de proximidade que unem algumas das personagens formando, dessa forma, o único meio pelo qual se conseguem expressar. Quer pelo impulso - aqui sempre importante e origem de uma dependência -, quer pelo vício (que desconhecemos ser) ou até mesmo por ser a única forma de subsistência que aquele homem sente ou compreende ter, este Pickpocket é, essencialmente, a sua reflexão sobre a o seu modo de vida. Sobre o seu dia-a-dia. Pickpocket é, no fundo, a forma como ele compreende a sua dependência e as nefastas consequências que esta pode ter sem que, no entanto, dela se consiga libertar até encontrar na prisão a sua única e possível forma de expiação.
Michel não quer privar com uma mãe gravemente doente, com os poucos amigos que ainda lhe restam e, de certa forma, com toda uma sociedade em seu redor. A única motivação de Michel é o impulso que o leva a assaltar os transeuntes e aperfeiçoar a sua "arte" a cada dia que passa.
Para lá de qualquer interpretação que Pickpocket, aquilo que se torna mais fascinante nesta longa-metragem de Bresson é a capacidade com que o mesmo elaborou um argumento pleno de reflexões e análises a um "eu" interpretado por Martin LaSalle. Quase sempre em narração onde o espectador escuta os pensamentos de um jovem "Michel" que aparenta ter tudo para levar uma vida normal face aos olhos da sociedade, aquilo que o mesmo nos apresenta é a sua constante impulsividade para se manter o tal marginal que de todos se distancia e (sobre)vive num espaço que em nada abona para a sua evolução enquanto ser humano.
"Michel" vive num quarto de um prédio semi-abandonado destinado a todos os eventuais párias que chegam à cidade. A porta do seu quarto mal se consegue fechar e os seus pertences estão, portanto, ao dispôr de todos aqueles que se aventuram para lá da mesma. O que furta esconde. O que possui é - para quem chega - nada. "Michel" aparenta estar despojado de todos os pertences terrenos e apenas entregue a uma constante reflexão - eventualmente a mão divina - que o aproxima da perfeição. Mas esta perfeição (inatingível) não é para um bem comum ou social mas sim para satisfazer um ego e um impulso os quais não consegue controlar. "Michel", à luz dos dias que hoje temos, seria facilmente diagnosticado com uma qualquer doença, (clepto)mania ou desordem e seriam analisados os motivos pelos quais não consegue distanciar-se de uma vida marginal aproveitando as oportunidades proporcionadas por aqueles que ainda insistem em trazê-lo para o lado "bom" da vida.
O furto é, para "Michel", o último desafio. Numa época ainda repleta de incertezas e em que toda uma geração lutava por encontrar o seu próprio espaço - não esqueça o espectador que ainda se encontra na década seguinte à Segunda Guerra Mundial onde não só estava tudo por fazer como também muito por esquecer -, a grande questão aqui levantada poderia ser como não desafiar o proibido depois de se ter visto e sobrevivido à ainda recente década de 40?! Porque não desafiar a lei e ultrapassar os limites do legal? Será (in)consciente ou apenas o tal já referido impulso que toma conta das vontades? Será uma necessidade.... um prazer... ou até mesmo um vício? O que o compele a procurar o impossível e o proibido?
A clareza, ou falta dela, com que "Michel" embarca dia após dia num ritual que o aproxima do seu próprio abismo é inversamente proporcional à daqueles que insistem que ele já se encontra junto do mesmo. As suspeitas recaem sobre ele e muito em breve não conseguirá fugir daquilo que tanto procura. Mas "Michel" tenta. Fora da sua cidade e rumo a tantas outras capitais europeias, "Michel" vive longe daquilo que o provocava a testar o seu limite mas, ainda assim, sempre com o tal impulso que o levava a provar o proibido. Tal como uma dependência ou uma droga, ele procura os furtos, escolhe as suas vítimas, testas os seus próprios limites e aqueles que a lei lhe confere, consciente de que pratica o mal mas involuntariamente dependente da tal adrenalina - como hoje diríamos - que sistematicamente o aproximam do risco. Droga.. dependência... distúrbio.... ou simplesmente uma necessidade psicologicamente incontrolada (ou incontrolável) que o domina e o obriga a manter-se na sociedade mas fora dela, instigando a praticar aquilo que sabe não dever fazer como se de um silencioso pedido de ajuda se tratasse?
Ainda que os seus furtos prejudiquem de uma ou outra forma aqueles a quem priva do seu dinheiro, o espectador sente nos actos de "Michel" uma certa inocência quase infantil. Afinal testemunhamos os seus actos mas, ao mesmo tempo não o vemos a tomar grande proveito dos seus ganhos. Vive uma vida que qualquer um poderia considerar miserável, livre de qualquer posse material ou de grandes responsabilidades... será viver ou sobreviver refém de um impulso que não consegue controlar? O espectador acompanha-o, observa-o e percebe o quão perto do limite se encontra ao ponto de por breves instantes desejar que ele escape - uma vez mais - ao perigo em que se coloca, desconhecemos então, se por vontade própria ou se para responder à tal desordem que parece estar sempre do seu lado.
"Michel" não cultiva qualquer tipo de ligação... Nem com a sua mãe gravemente doente, nem com um amigo dedicado ou tão pouco com a vizinha que parece por ele nutrir uma paixão secreta e jamais por ele compreendida. A sua única preocupação (ou dedicação) reside nos pequenos esquemas e tramas que aprende e que partilha com aqueles que com ele partilham "profissão" e que vivem numa estranha e silenciosa comunidade que divide abertamente - para se livrarem de suspeitas - os espólios do seu dia-a-dia.
Pickpocket é assim um interessante e silenciosamente inquietante filme pela reflexão feita sobre um estilo e modo de vida que apenas cria ligação pelas breves palavras ditas, pelos fugazes olhares tidos ou até mesmo pelos instantâneos gestos de proximidade que unem algumas das personagens formando, dessa forma, o único meio pelo qual se conseguem expressar. Quer pelo impulso - aqui sempre importante e origem de uma dependência -, quer pelo vício (que desconhecemos ser) ou até mesmo por ser a única forma de subsistência que aquele homem sente ou compreende ter, este Pickpocket é, essencialmente, a sua reflexão sobre a o seu modo de vida. Sobre o seu dia-a-dia. Pickpocket é, no fundo, a forma como ele compreende a sua dependência e as nefastas consequências que esta pode ter sem que, no entanto, dela se consiga libertar até encontrar na prisão a sua única e possível forma de expiação.
Pickpocket pode não ser aquela obra que o espectador guarde eternamente na memória mas, no entanto, assume-se como aquela que (datada) exerce uma forte e emblemática reflexão sobre o conceito de dependência e a forma como a mesma prende as suas vítimas impossibilitando a sua libertação psicológica e, ao mesmo tempo, uma não tão óbvia e extremamente controversa reflexão sobre a Humanidade - de então e de agora - e daquilo que muitos dos seus membros fazem para que possam (em última análise) dizer que fizeram (ou fazem) para se sentirem vivos numa sociedade que aparenta estar indiferente e numa comunidade que se assume como extinta.
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