quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Love Is Strange (2014)

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Love Is Strange - O Amor é uma Coisa Estranha de Ira Sachs é uma longa-metragem norte-americana com estreia prometida - e ainda aguardada - em Portugal que nos conta a história de Ben (John Lithgow) e George (Alfred Molina), dois homens com uma relação sentimental de várias décadas e que agora iniciam a sua vida após o casamento.
No entanto, depois de George ser despedido do colégio católico no qual dava aulas de música, o casal terá de temporariamente recorrer à assistência de amigos e familiares para viver num momento em que percebem que as relações não são tão próximos como aquelas que pensavam.
Ira Sachs e Mauricio Zacharias são os argumentistas de Love Is Strange, uma história de um amor de décadas que se confirma com um acto até então ilegal; o casamento. Transformando aquilo que era, até então, um amor não celebrado e proibido nos Estados Unidos, Love Is Strange revela o amor entre dois homens - "Ben" e "George" - como um sentimento que não só perdura no tempo como se assume com todos os solavancos e bons momentos que uma qualquer relação sentimental pode e deve ter.
Esta longa-metragem inicia-se com os instantes antes do casamento. Aquela azáfama interminável que irá finalmente confirmar (apenas perante a sociedade) o sentimento existente entre estes dois homens ao longo de toda uma vida e que é agora reconhecido pela lei. No entanto, estes dois homens não são jovens... não estão no início das suas vidas e, sobretudo, vêem a confirmação do seu amor ser questionada como um problema para aqueles que empregam "George", deixando no ar a questão essencial... como começar toda uma vida quando ela parece já ter dado os seus melhores frutos?!
Dos momentos iniciais de uma alegria constante em que tudo parece finalmente fazer sentido - o amor, a família e os amigos mais chegados todos unidos num único momento - para uma radical transformação e incerteza na vida de dois homens que subitamente vêem e sentem todas as suas estruturas serem abanadas apenas por terem decidido dar corpo a confirmação desse amor, Love Is Strange vai mais longe ao transformar aquilo que era proibido ou não reconhecido pela lei numa relação que enfrenta problemas reais como todas as outras.
Da incerteza de um amanhã que é agora desconhecido ao confronto da sua presença com as suas famílias e amigos, "Ben" e "George" percebem agora que apesar de serem estimados pelos mesmos, a convivência diária afecta essas relações interpessoais transformando-os em elementos estranhos e, a seu tempo, meras peças de uma mobília da e pela qual já não se sente a mesma empatia. No momento em que as suas vidas deviam então estar naquele patamar de uma confirmação de normalidade, vêem - já em avançada idade - que têm de começar de um zero... primeiro pela perda de trabalho, depois pela perda da casa, pelas relações familiares e de amizade que estremecem pela empatia versus incómodo versus indiferença e, finalmente, observam-se afectados por um estado de saúde cada vez mais frágil, pela velhice e ainda por uma eventual morte.
Se a relação de proximidade antes sentida com os seus familiares e amigos era notória, a convivência diária para com eles demonstra que são, afinal, pólos distantes de uma mesma realidade e, à medida que estas relações se vão deteriorando, "Ben" e "Joey" - tio e sobrinho - parecem ganhar uma improvável e inesperada empatia como que se de um qualquer legado sobre o amor surgisse pelas confidências - raras - que surgem. Afinal, não só "Ben" revela o verdadeiro segredo do amor - o risco - como é "Joey" o único (para lá de "George") que deixa cair uma lágrima pela morte do seu parente. São estes dois pólos distantes - pela idade, pela sexualidade e pelas experiências - que acabam por rever no "outro" a continuidade de um sentimento e de um amor tendo sido o do mais velho ilegal e o do segundo algo por acontecer e que não deve ser ignorado, esquecido ou perdido.
Love Is Strange é assim uma tranquila e genuína celebração de um amor verdadeiro, dedicado, cúmplice e celebrado. Um amor pelo qual tantos esperam toda uma vida sem, por vezes, o conseguir encontrar e que aqui já perto do seu (in)esperado final se viu interrompido por uma distância indesejada mas que, ainda assim, não fez terminar aquilo que os fez aproximar sentimentalmente. A dar corpo a este amor estão duas soberbas interpretações de dois actores com um curriculum invejável como o são John Lithgow calmo, sereno e dono de uma lúcida capacidade de recordar os mais pequenos detalhes e momentos de uma vida, e um estranhamente calmo - mas ainda assim intenso - Alfred Molina que se vê já na sua algo avançada idade a ter de começar todo um novo caminho e experiências que a solidão não ajudaria a colmatar.
Ainda com a participação de uma oscilante Marisa Tomei inicialmente terna e atenciosa e que dá posteriormente lugar a uma mulher mais fria e distante sendo que a revelação maior de Love Is Strange é a interpretação de Charlie Tahan como "Joey", o invulgar e pouco social sobrinho de "Ben" e "George". Ao longo de toda esta longa-metragem é deixado no ar a hipótese do jovem manter uma relação homossexual com um amigo - pouco aprovado pelo pai e ao qual a mãe fecha os olhos - e a cumplicidade entre os dois jovens parece fazer adivinhar uma relação mais do que aquela presa pelos laços da amizade. São as poucas mas assertivas conversas com "Ben" que fazem o jovem "Joey" revelar não só a sua sexualidade como também a única experiência que teve com um sentimento tão estranho como o é o amor. Do jovem inicialmente anti-social ao terno, compreensivo e emotivo "Joey", Charlie Tahan confere uma invulgar mas curiosa alma disposta e disponível para a mutação e mudança como o é - e são - as dos adolescentes naquela que é provavelmente uma das mais fortes interpretações de Love Is Strange.
Por entre revelações sobre o amor - nunca questionado apenas confirmado -, relações de familiares e de amizade que parecem colocadas à prova e cederem com a pressão, trabalho e arte nunca confirmados ou reconhecidos, uma vida a dois que nunca precisou de um papel assinado para se confirmar mas que viu nele a prova maior de um reconhecimento externo, Love Is Strange deixa nas palavras de "Ben" a sua mensagem principal... "se voltasses a ver o amor da tua vida... irias falar com ele?!"... No fundo, como agir quando se percebe que a pessoas que encontrámos é a "tal" e se arriscamos a confirmá-lo ou, por sua vez, perdê-lo para todo o sempre...
Eventualmente um dos filmes maiores que este novo ano cinematográfico parece insistir em não fazer estrear... Ao espectador mais atento... no final... já bem perto desse final... deixa ainda uma última questão... como recomeçar uma vida agora que tudo se perdeu e ainda levou consigo o coração que se lhe entregou?!
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"George: I believe the world is a better place if people aren't lying."
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8 / 10
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