Verão 1993 de Carla Simón (Espanha) é uma das longa-metragens espanholas presentes no Cine Fiesta - Mostra de Cinema Espanhol 2018 a decorrer até ao próximo dia 2 de Outubro.
No Verão de 1993 depois da morte dos pais, a jovem Frida (Laia Artigas) de seis anos abandona a casa dos avós em Barcelona rumo a uma nova realidade no campo com os tios Esteve (David Verdaguer) e Marga (Bruna Cusí) e a prima Ana (Paula Robles). Se esta nova vida parece ter tudo para ser feliz, Frida esconde uma ainda desconhecida tristeza e revolta que não trazem estabilidade para a vida de todos. Mas à medida que o Verão caminha para o seu final, também os sentimentos de Frida estão prestes a ser revelados...
Escolhida como a longa-metragem espanhola que representaria o país na nonagésima edição dos Oscars e com uma carreira internacional pelos mais diversos festivais de cinema, Estiu 1993 chega finalmente a Portugal onde se assume naturalmente como uma das melhores obras a estrear nas salas do país durante o último ano. Com um passo aparentemente tranquilo, Carla Simón - realizadora e argumentista desta obra auto-biográfica - leva o espectador a observar não só a nova realidade de "Frida" como principalmente essa realidade através dos seus olhos na medida em que existem duas imediatas perspectivas para este (seu) novo mundo... A primeira que se prende directamente com aquilo que está obviamente explícito para o espectador e que lhe chega pelas breves informações que tornam esta mudança concretizada... a morte da mãe... um pai já falecido há mais tempo... e avós cuja idade já não lhes permite tomar conta da jovem "Frida". Observamos o primeiro contacto "definitivo" com os seus tios, a chegada a uma nova casa no campo rodeada de uma enorme floresta por entre a qual irá - futuramente - perder-se nas suas brincadeiras e o recurso aos seus parcos objectos pessoais que trouxe da sua - agora - antiga casa. A segunda perspectiva é conferida ao espectador pelo olhar da jovem criança... um olhar aparentemente frio, distante e que se tenta adaptar ao espaço, e às pessoas, sem que, no entanto, com elas pretenda estabelecer um laço definitivo ou próximo. A sua existência naquele local é, pelos seus próprios olhos, algo imediato e circunstancial, desprovido de qualquer empatia ou de identificação com uma vida que, para qualquer outra criança, poderia ser considerada como um longo e extenso período de férias que se prolonga para lá do habitual... mas para "Frida", estas "férias" mais não são do que uma qualquer eventual penitência que não compreende e não está disposta a aceitar como comprovam as suas parcas perguntas sobre a "casa de Barcelona".
Estas duas perspectivas, subtilmente apresentadas pela realizadora, prendem o espectador a uma dupla compreensão do momento na medida em que primeiro observa toda esta transformação na vida de uma criança para depois compreender o que a mesma significa mas... através dos seus olhos e da sua própria compreensão. Independentemente do anterior estilo de vida, que se torna perceptível através dessas poucas informações que as personagens "adultas" fazem chegar, o espectador cedo compreende que para aquela criança todo o seu mundo foi abalado... não só pela perda dos pais, e mais concretamente do recém falecimento da sua mãe, como pelo afastamento dos poucos amigos que poderia ter na sua cidade natal, dos avós e tia que permaneceram na capital catalã e, finalmente, por todo um novo estilo de vida num ambiente que mal conhece com tios cuja mútua convivência desconhecemos e com uma prima mais nova que vê nela a sua melhor amiga mas que a própria tem como alguém que apenas pretende os seus brinquedos. São estas perspectivas que não só fazem o espectador aproximar-se da jovem "Frida" - numa soberba interpretação de Laia Artigas - como compreender que é nela que reside toda a tensão dramática, emotiva e contenção de sentimentos que independentemente de explodirem a qualquer momento se tomam como os definitivos para a formação do seu carácter e estado de espírito.
Assim, num passo muito próprio e num relato não perceptível sobre o passar dos dias e desta esperada "adaptação ao meio e às pessoas", o espectador compreende ainda o espírito do seu tempo na medida em que observa e retém que a mãe da jovem "Frida" faleceu de complicações com uma pneumonia mas que os tais "adultos" pensavam ser "outra coisa" - numa clara alusão ao vírus da SIDA -, da mesma forma que observamos a reacção desses ditos adultos que pretendem o afastamento de uma criança que se feriu na rua e que está a sangrar... Do conservadorismo à ignorância e da alteração comportamental das pessoas ao seu redor, aquilo que todos parecem esquecer é que é a jovem "Frida" que tem não só a maior perda, como a maior transformação e sobretudo a maior capacidade de reprimir as suas emoções e ocultar aquilo que realmente pensa e sente. Quando os adultos pensam que o seu mundo fora alterado e está em reboliço esquecem-se, de imediato, que são aqueles que não compreendem essas transformações aqueles que maior e mais depressa as vivem.
Nesta história auto-biográfica destaca-se, portanto, a jovem Laia Artigas como a protagonista "Frida". São os seus constantes silêncios e observação desse seu não tão admirável mundo novo que prendem o espectador... Primeiro por se manifestar como a jovem cujo "sono" é apenas desperto pelo fogo de artifício dos outros ao seu redor que festejam um qualquer acontecimento. Depois por se tentar enquadrar num mundo que sente não ser o seu... Está com os seus tios e com a sua prima mas, ao mesmo tempo, distante de tudo o demais que conhecera até então e é a imagem da casa de Barcelona, a sua casa, que tanto a preocupa com os seus seis anos de idade... o tal espaço que não compreende não ser o seu nem tão pouco o porquê de não lá regressar apesar de ser um espaço que, conforme lhe é dito, ainda não está ocupado por mais ninguém. É esta adaptação - ou falta dela - que aparentam transformá-la numa jovem e problemática criança, cheia de caprichos e de vontades que ninguém parecer (querer) compreender e que, ao mesmo tempo, a revelam como alguém quase insuportável mas que, no entanto, é apenas a única forma que encontra de exprimir um qualquer sofrimento que ninguém parece conhecer. Comportamento esse que, repleto de pequenas grandes manifestações religiosas vindas de uma avó que compreendemos como mais conservadora e católica, lhe conferem uma percepção (ainda que imaginária) de uma realidade extra-terrena que a poderá confortar mas que, no entanto, apenas potencializam a sua vontade de comunica com uma mãe que já não irá responder. Finalmente, é a aceitação de um novo espaço, e de uma nova forma de família, à qual se rende e com a qual partilha um primeiro e verdadeiro momento de intimidade que a fazem desarmar e que a revelam como, nada mais, a criança que é... cheia de uma dor imensa que não conseguira exprimir e que finalmente se abate sobre ela ao compreender que nada poderá voltar a ser como até então fora... e que nada lhe poderá possibilitar a tal família que tivera até então. As suas lágrimas são de revolta, de dor, de perda mas, sobretudo, da compreensão de todas elas como a sua nova realidade.
Com a tal passada especial que levam o espectador a percorrer os mesmos espaços que a jovem "Frida" ao seu ritmo e à sua capacidade de ver o mundo com os olhos de alguém que ainda não deveria pensar no mesmo, Estiu 1993 é não só uma das mais intensas obras cinematográficas deste último ano como sobretudo um intenso, inteligente e emocional registo sobre a perda e sobre uma dor psicológica que tantas vezes é difícil não só de compreender por quem a observa como sobretudo por aqueles que a sentem e Carla Simón tem aqui não só a sua primeira longa-metragem como seguramente aquela que irá ser referenciada ao longo dos anos como a mais emblemática de todo o seu percurso. Simplesmente genial.
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9 / 10
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