Fake Blood de Rob Grant (Canadá) é um documentário presente na secção Serviço de Quarto da décima-segunda edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa que ontem começou no Cinema São Jorge.
O realizador Rob Grant e o seu amigo de adolescência Mike Kovac fizeram sucesso no circuito de festivais com os seus filmes violentos. Um dia, Rob recebe um vídeo de fãs que explica como praticariam os seus actos de ficção na vida real. Concentrados em analisar os efeitos da violência no cinema nos espectadores, Rob e Mike acabam por cair numa rede de violência experimentando, na primeira mão, a vivência de verdadeiros criminosos e os efeitos reais nas suas vítimas.
Grant, Kovac e Michael Peterson assinam o argumento deste documentário sobre os efeitos da violência no cinema conseguindo, de forma hábil, inteligente e por vezes emocionalmente cómica embrenhar o espectador na sua história enquanto vítimas daquilo que investigavam. Tudo começa com a simples questão... "estaremos a influenciar pela negativa aqueles que assistem aos nossos filmes?"... Pergunta essa que lentamente acabaria por ser respondida das mais diversas formas sem nunca esquecer, no entanto, que a verdadeira temática desta obra não está naquilo que eles buscam mas sim nos efeitos que essa procura exerceu não só nas suas vidas como principalmente nas suas relações e efeitos de encarar o mundo sob uma perspectiva diferente.
Em Fake Blood, o primeiro momento destina-se a uma exploração sobre o cinema... do grunge ao mais violento, do sangue à consequente morte, levanta-se a questão sobre o que será pior... ter um filme no qual alguém é ferido mortalmente sem nunca exibir sinais de sangue ou, por sua vez, um no qual o espectador compreende que o resultado directo de um acto de violência é o sofrimento de uma vítima? Num mercado cinematográfico rendido às classificações etárias e cauteloso com a violência que exibe, Fake Blood - enquanto documentário - insere uma interessante perspectiva que elucida o espectador mais desatento que está, propositadamente, a assistir a algo que independentemente de ser violento... nunca observa um efeito ou consequência directa da mesma. Há sempre quem sobreviva a tiros, lutas intermináveis das quais ninguém sai, na realidade ileso, ou mesmo mortes que, afinal, não o são.
No entanto, é à medida que Fake Blood leva o espectador a embrenhar-se na dinâmica da violência no cinema que os seus mentores se deixam levar pela própria dinâmica querendo saber mais do que esses ditos efeitos mas sim algo sobre aqueles que voluntariamente são autores de actos de violência de forma a credibilizar o seu trabalho. Da investigação de um crime com o qual deparam durante a sua investigação à dinâmica do medo que daí advém, Rob e Mike transformam-se inesperadamente em vítimas - ou reféns - da sua própria curiosidade. Quando procuram respostas sobre as suas curiosidades como forma de amenizar os supostos efeitos do seu cinema, inesperadamente ambos transformam-se nas mais recentes vítimas de uma violência até então desconhecida que, em boa medida, condena a própria relação até então estabelecida entre ambos.
Com algum humor à mistura, afinal a dinâmica entre os dois amigos é explorada em boa parte da primeira metade deste documentário, é a segunda metade que reflecte sobre a sua deterioração e sobre um inesperado afastamento entre os dois mentores deste projecto. O medo que se instala como consequência de uma qualquer mórbida realidade da qual são desconhecedores mas que voluntariamente procuram, transforma-se na sua alma. Uma alma de e com medo... Medo de um desconhecido que paira sobre os seus actos, medo pela consciencialização de que as suas vidas não voltarão a ser iguais depois dos acontecimentos aqui retratados e, finalmente, medo de uma relação de amizade que termina repentinamente... Diz-se que quem vai a uma guerra e regressa já não é a mesma pessoa... Aqui este ditado aplica-se revelando um Mike Kovac distante de um amigo de longa data e um Rob Grant isolado de um mundo no qual parece estar privado de uma qualquer existência significativa... a não ser dar a conhecer a sua obra...
Não deixando de ter os seus momentos francamente irreais como, por exemplo, o momento em que o realizador entrega a um suspeito e potencial "assassino" o seu cartão de profissional da área ou, numa entrevista telefónica, em que revela conhecer todos os dados do seu passado, Fake Blood é, ainda assim um intrigante documentário pela veracidade que esta história pode - de facto - entregar ao espectador uma perspectiva sobre os limites (inexistentes) do controlo da violência, sobre os efeitos do cinema nos seus espectadores e mesmo das condições de pobreza que delimitam o olhar com que cada um de nós "enfrenta" o meio que nos rodeia, Fake Blood deixa em diversos momentos, no entanto, aquela ligeira sensação de que esta pode(ria) facilmente enquadrar-se no género mockumentary na medida em que tudo parece, em diversos momentos, irreal demais para ser verdade. Mas talvez seja aí que reside a sua essência transformando uma história perturbadora e potencial real num conto de terror moderno recheado de criminosos reais, de perseguições e stalkers que podem co-habitar ao lado de qualquer um de nós - afinal, quem vai imaginar que o vizinho do lado pode ser um criminoso violento?! -, todos enquadrando numa comunidade aparentemente inocente e feliz que esconde, no entanto, todo um conjunto de violentos podres.
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8 / 10
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