Insanium de Rui Pedro Sousa (Portugal) é uma das doze curtas-metragens candidatas ao Prémio MOTELx de Melhor Curta-Metragem Portuguesa de Terror da décima-segunda edição do festival.
Ao passearem pela floresta, as inocentes conversas dos irmãos Adam (Sonny Chatters) e Eric (Daniel Stewart) são bruscamente interrompidas quando encontram um corpo e as suas vidas a partir desse momento modificam radicalmente.
Dividido em três distintos segmentos (ou volumes), Insanium dá os primeiros passos através da história escrita por Joey Fidler, Vol 01 - Zombie a qual dá o mote de saída a toda a trama. "Eric" tenta provar os seus conhecimentos e a sua destreza face a "Adam", o irmão mais velho aparentemente pouco crente da sua capacidade enquanto exterminador de zombies. Mas, é no seu breve passeio que o inesperado acontece e que o jovem rapaz se vê confrontado com as suas habilidades. Será ele capaz de responder?
Com a provação final consumada - e a qual só será do conhecimento do espectador após visionar esta belíssima trilogia -, Insanium dá corpo ao seu segundo momento através de Vol 02 - Whispers onde já na casa dos jovens, pequenos murmúrios parecem encher uma casa semi-abandonada onde não conhecemos qualquer poder parental até já bem perto do final e onde os dois jovens parecem fazer aquilo que o seu isolamento lhes permite na ausência de pais por perto. É, no entanto, quando a mãe chega, que o espectador fica a conhecer um pouco mais da realidade desta família privada de um pai, e dos tormentos e receios que parecem ecoar não só nas paredes das casas como principalmente nas suas jovens mentes ainda em formação.
Finalmente, é no seu último segmento intitulado Vol 03 - Awoken (estes dois últimos com argumento da autoria do próprio realizador), que o espectador fica finalmente a conhecer a realidade por detrás dos receios e temores destes dois jovens e daquilo que se esconde por detrás das sombras que invadem lentamente a sua casa.
Funcionando com um crescendo em potência de segmento para segmento, estas três curtas-metragens conseguiriam, em boa medida, funcionar como filmes curtos independentes e isolados mostrando cada um deles os seus aspectos mais positivos e contribuindo para o imaginário mais ou menos perturbado de cada um de nós. Numa arte como a cinematográfica que, tal como a literatura, permite deixar voara imaginação para caminhos desconhecidos onde os respectivos universos são construídos lentamente através daquilo que os contos nos fornecem e como a nossa mente os recebe, Insanium - como um todo - transforma-se no culminar de uma história que funciona não só pelo que é revelado como principalmente graças a todos os pequenos detalhes que são ocultados do espectador mas que, já no final, são subentendidos pelo menos de forma a compôr as ausências dos respectivos segmentos.
Assim, Vol 01 - Zombie é o momento em que se conhecem os medos e a dinâmica cúmplice, mas não assumida, de dois irmãos capazes de tudo para a sua própria protecção. Vol 02 - Whispers assume-se como o momento em que o espectador compreende finalmente que algo de errado se esconde na sua residência e finalmente Vol 03 - Awoken como o segmento em que a "besta" por detrás das sombras e dos murmúrios se revela finalmente. Se Vol 01 - Zombie é técnica e apenas inicialmente o momento mais pueril na medida em que tudo parece uma inocente e por vezes incoerente conversa entre duas crianças revelando o seu clímax no exacto momento final, são os Vol 02 e 03 aqueles que realmente constroem toda uma dinâmica de suspense e terror capaz de figurar entre os melhores exemplares do género. Uma casa assombrada... uma família desfeita... dois jovens atormentados não só pelo passado como por um presente violento... uma mãe semi-ausente... um monstro "debaixo da cama" e tudo isto... com os tradicionais pesadelos que as crianças sentem, fruto de uma qualquer sombra mais duvidosa que a noite aparenta querer esconder. Mas, no final, e se tudo fosse mais do que aquilo que aparenta ser? E se tudo tivesse um fundamento mais violento do que aquele que é revelado ao longo dos três segmentos? E se, no final, se descobrisse que o monstro pode viver dentro de cada um de nós pura e simplesmente porque... "é possível". É possível quebrar barreiras, limites, consciências e, finalmente, libertar de todas as amarras que supostamente nos ligam a uma sociedade de valores. Valores esses que se desprezam e que se menosprezam dando corpo a toda uma onda de violência que, no fundo, caracterizam cada um de "nós". Afinal, poderão as sombras realmente esconder algo de tenebroso ou, por sua vez, essas trevas vivem dentro de cada um de nós disfarçando-se com as máscaras que a sociedade nos impõe desde o momento em que nascemos?!
Mas, se é verdade que estes três volumes podem funcionar como pequenos filmes independentes contando, cada um deles, um momento específico na vida destes jovens e que apesar de interligados não têm uma linha temporal exacta, é também real que é nesta harmoniosa junção das três que funciona um filme curto capaz de criar toda uma muito própria atmosfera de suspense e terror que deixa o espectador naquele limbo, suspenso de encontrar soluções ou explicações imediatas para o que observa mas, ao mesmo tempo, construindo a sua empatia com as personagens que parecem rendidas a um qualquer mal que os espreita à noite. É este ambiente que funciona, que se instala e que é construído desde os primeiros instantes mesmo com as inesperadas surpresas que entregam informação sem que, no entanto, revelem o seu final e que primeiro transformam as suas personagens em vítimas, depois uma casa num labirinto assombrado e onde algo - que o espectador desconhece - parece ganhar forma para um final inesperado mas bem construído.
Da direcção de fotografia de Vittorio Sala que tira partido da luz exterior nos primeiros dois segmentos e que entrega o espectador à escuridão no último, passando pela direcção de arte da Carina Gaspar que transforma uma acolhedora casa britânica num espaço confinado que parece encolher à medida que os minutos passam, sem esquecer a mais uma vez brilhante direcção musical de Alexander Arntzen, Insanium comprova o rigor técnico e narrativo do realizador de Limbo (2016) que já então havia criado uma história de género fantástico aqui repetido esquecendo agora os pequenos detalhes que podem conduzir uma história, apresentando os momentos necessários para que o espectador se mantenha interessado na conclusão da dinâmica entre os dois irmãos, deles com a sua família e de todos numa casa notoriamente marcada por um passado (presente) e talvez futuro violento que transformará para sempre as suas vidas. É, no entanto, já bem perto do final que esta tensão é menorizada quando os dois jovens se riem descontroladamente do seu presente quando... um breve e irónico sorriso teria feito tremer mais todos aqueles que assistem a esta história e lançando na incerteza as convicções que, até então, o público tinha firmado.
Não sendo uma história absolutamente inovadora - pois o espectador consegue (no final e apenas no final) relacioná-la com outros filmes nos quais este género facilmente se insere -, Insanium é um filme curto inteligente do ponto de vista da sua narrativa e da sua composição técnica capaz de sobreviver enquanto filme uno ou como três pequenos filmes independentes - à la trilogia - que deixam o espectador com expectativa sobre o capítulo seguinte, mas também convincente do ponto de vista das suas interpretações apenas "fragilizadas" por aquele breve momento final e por toda uma atmosfera ligeira que, no entanto, se afirma pela qualidade com que constrói todo um espaço de terror numa casa onde, afinal, o espectador pouco vê sobre o terror que se "esconde".
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8 / 10
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