sexta-feira, 14 de outubro de 2011

The Artist (2011)

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O Artista de Michel Hazanavicius desde que foi anunciado como um dos filmes a passar na Festa do Cinema Francês no Cinema São Jorge em Lisboa que sabia não poder perder. Não só sabia que além de ter concorrido à Palma de Ouro na última edição do Festival Internacional de Cinema de Cannes como também havia ganho o Prémio de Interpretação para Jean Dujardin, também tinha visto o seu trailer internacional que de imediato coloquei como um dos melhores do ano e altamente apelativo para os espectadores.
Corri de imeadiato para a bilheteira e comprar o bilhete sendo que não existiam já para a carimónia de abertura mas sim para o dia seguinte... Bom pensei que o importante era ainda existirem bilhetes... a sala era algo secundário. Não podia estar mais enganado quando constato que vou ver na maior sala do cinema e tornando assim a minha experiência com este filme verdadeiramente única.
A história deste filme remete-nos para uma Hollywood(land) de 1927 onde surgia o advento do cinema sonoro e assistimos à vida de uma glória do cinema mudo na personagem de George Valentin (Jean Dujardin). Este actor, um dos mais importantes da época cruza-se por um acaso com Peppy Miller (Bérénice Bejo) que em pouco tempo se irá tornar numa estrela em ascenção do cinema sonoro. Assistimos assim à ascenção e queda de duas personagens que partilham a mesma paixão para o bem e para o mal.
Se fosse resumir o filme apenas a esta curta e breve descrição não iria fazer a devida justiça à obra magnífica que ele realmente é. Muitos tremeram com a ideia de ver um filme a preto e branco esquecendo a mestria com que, por exemplo, foi filmado A Lista de Schindler. Pior ainda ficaram quando juntamente com o facto de ser filmado a p&b era ainda um filme... mudo. É verdade... Este muito antecipado filme que venceu um dos mais importantes prémios de interpretação do mundo era filme mudo e a preto e branco.
As primeiras imagens deixam-nos um ambiente que só recordamos daqueles filmes já bem antigos de Charlie Chaplin que há largos anos passavam na televisão e inesperadamente começamos a sentir uma empatia sem limites pelo filme. Muito também, e há que dizê-lo, graças à imensa simpatia que criamos com a personagem criada por Jean Dujardin e com o seu cão, fiel amigo que o acompanha não só na vida pessoal como profissional.
Passados poucos minutos da exibição deste filme esquecemo-nos que estamos a assistir a um filme mudo. O poder das imagens, dos olhares, dos gestos e a representação de nível superior com que todos os actores nos brindam é de facto puro deleite que nos é servido quase numa bandeja.
Jean Dujardin compõe realmente aquela que será a interpretação da sua vida, ganhe ou não mais prémios de interpretação. A emoção que nos transmite, inicialmente de jubilo e aos poucos de dor e sofrimento, transparece pelo seu olhar que se torna triste à medida que o filme avança. A dor que nos transmite quando sonha que o cinema sonoro está à porta e que ele pode ficar ultrapassado, onde tudo tem som menos a sua voz, é algo de cortar a respiração. E mais ainda, no tocante e comovente momento em que vê a sua imagem refletida numa montra em que o fato lá exposto lhe faz recordar os seus tempos áureos é no mínimo avassalador. Não menos que o comentário, não transposto para o ecrã mas perfeitamente compreensível, que o polícia tem com ele nesse momento. Aí sim sentimos o quão injusto é o mundo que tudo nos deu e tudo nos tirou.
A interpretação feminina principal a cargo de Bérénice Bejo, como Peppy Miller, é igualmente um sonho e completa na perfeição a condição de par romântico com Dujardin. Peppy é uma doce mulher que vivia enquanto fã uma paixoneta secreta pelo maior actor do cinema mudo, George Valentin. Um acaso junta-os e a dinâmica existente entre os dois é imediata. Sentimos a química, a empatia, a confiança, a cumplicidade entre ambos e esperamos ver aquilo que desde cedo parece inevitável. Enquanto George entra numa espiral descendente na importância que ocupava na Hollywoodland de 1927, Peppy, por sua vez, torna-se na actriz sensação que todos querem ver. Mas ela nunca o esquece. É ela que, mesmo na sombra, acompanha a sua queda e o esquecimento em que o nome de George Valentin cai.
A dinâmica entre estes dois actores, e entre estas duas personagens, é de tal forma grande que o filme quase poderia funcionar apenas com os dois. Os demais actores, entre os quais se destacam John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller e Malcolm McDowell numa participação especial, apesar de terem a sua importância e serem de facto indispensáveis para a acção, apenas completam e enriquecem aquilo que os dois actores principais compõem. Por mais ou menos secundárias que sejam as suas interpretações elas de facto fazem dele um filme de actores.
É impossível não comentar a originalidade que Michel Hazanavicius trouxe com este filme ao fazer-nos recordar o "velho", mas imortal, cinema mudo. A ideia não só é original como mostra que as origens do cinema estão tão vivas e presentes hoje como na altura. A evolução afastou-nos do cinema mudo e hoje é quase impensável não termos um filme onde escutamos todos os sons que estão a compôr um dado momento ou uma certa fala no entanto aqui somos forçosamente obrigados a ver os olhares e as expressões que realmente valem mais do que mil palavras. Esses olhares e expressões transportam-nos para um mundo e dor e incerteza, de alegrias e de tristezas. De amor, de cumplicidade, de pena, de mágoa e também para um mundo de sonhos e esperanças tão característicos do daquilo que o cinema representa.
Não existiu um momento em que durante este filme eu pensasse como menos bom. Todos eles estão tão harmoniosamente dirigidos e representados que este é daquelas pérolas que muito ocasionalmente nos aparecem. É daqueles filmes que serão certamente falados durante muitos anos e que, um dia mais tarde, será relembrado pela sua excelência. Pessoalmente não me espantaria em nada que fosse um dos filmes mais nomeados para a próxima cerimónia dos Oscars e que rendesse ao próprio Jean Dujardin uma nomeação na categoria de Melhor Actor. Não fosse um ano já composto por interpretações muito aguardadas e diria o mesmo a respeito de Bérénice Bejo na categoria de Melhor Actriz. E ambos seriam justos vencedores. Também não me admirava que este fosse dos filmes mais nomeados do ano e que vencesse umas quantas estatuetas (todas elas certamente merecidas).
O maior "defeito" que este filme tem é o terminar... Não direi de que forma pois é uma surpresa tão reconfortante que tem de ser vista para ser compreendida e admirada. No entanto posso referir os momentos que durante este extraordinário filme mais me sensibilizaram. E são dois (na verdade são muitos, mas estes dois destacam-se talvez pelo maior dramatismo retratado)... Um deles é o momento que mais atrás referi em que George Valentin olha os eu reflexo na montra (momento presente no trailer do filme) e relembra os tempos em que era uma glória do cinema. O outro é o desespero final de de Valentin que o leva ao extremo da sua condição mas... onde salva o seu mais precioso bem...
É um filme fascinante, grande demais para meras palavras, surpreendente, inovador, dramático e cómico... É aquele filme para o qual têm de ser postos de lado todos os preconceitos e aceitá-lo como é. Certamente todos os que o fizerem vão amá-lo e perceber que é de longe um dos melhores filmes do ano.
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"Doris: Do you know I feel miserable?
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George Valentin:  So are millions of us..."
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10 / 10
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