terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Macbeth (2015)

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Macbeth de Justin Kurzel é uma longa-metragem britânica e a mais recente incursão da obra shakespeariana que conta com Michael Fassbender e Marion Cotillard nas interpretações principais.
Macbeth (Fassbender) recebe de três bruxas a profecia de que um dia será Rei da Escócia. Num misto de ambição pessoal e motivação por parte de Lady Macbeth (Cotillard), ele decide assassinar o seu Rei Duncan (David Thewlis) e tomar o trono como sua directa consequência.
Macbeth é a típica história de William Shakespeare onde a traição e a ambição desmedida pelo poder leva o homem - qualquer homem - a cometer actos não pensados, inconsequentes e onde a violência extrema levam à destruição do mesmo, da sua reputação intelectual e finalmente a um morte em campo de batalha.
Aquilo que começa como uma história heróica de conquistas e confirmações de Reis e de reinados de outras eras, cedo se assume como uma história onde se reflecte a capacidade do homem - aqui "Macbeth" - em ambicionar mais do que aquilo a que supostamente tem direito - que não é seu por linhagem - e todas as trapaças palacianas que é capaz de conjurar para tomar de assalto o que sente ser seu. Macbeth é uma reflexão sobre os costumes antigo (ou não), nos quais se pressente que à distância de um pequeno (grande) golpe bem sucedido, o Homem pode ter a seus pés todo o poder e controlo que alguma vez ambicionou. Então, levanta-se a grande questão, porque não tomá-lo e salvaguardá-lo dos demais?! No entanto, este poder (des)controlado chega com uma pesada herança... Está esse Homem disposto a pagar o preço pelo seu poder aniquilando indiscriminadamente todos aqueles que o rodeiam e que poder ser potenciais inimigos? Existirá um limite a este poder que cada vez mais se apresenta descontrolado?
Este exercício sobre o poder, sua obtenção e manutenção mais não é do que um sentido e provocador alerta sobre a origem e formação de regimes totalitários, despesistas e descontrolados cujos seus emissores são capazes de proteger e defender desprovidos de empatia pelos seus - aqui - súbditos que fornecem como máquinas para batalhas sanguinárias onde sabem, de antemão, que os irão perder. Um exercício sobre o totalitarismo e sobre os seus agentes. Sobre as intrigas palacianas e os atropelos ao "seu de direito". Sobre as alianças que se forjam para manter privilégios e aquelas que se eliminam com traições e por vontade de favores que não se querem pagar.
Esta recente incursão na obra de Shakespeare faz de Macbeth uma adaptação que, mantendo-se fiel ao imaginário e à época, se revela como uma obra de contornos modernos na sua estilização, ou seja, não retira credibilidade à recriação do momento em questão mas, ao mesmo tempo, concentra-se em pequenos apontamentos facultados e facilitados pela evolução cinematográfica conferindo ao espaço as reais dimensões de uma história que se quer de vingança, de traição, de usurpação, de inveja, de poder e sobretudo de ambição. Cada momento da obra de Justin Kurzel é brilhantemente enriquecida por uma exímia direcção de fotografia de Adam Arkapaw que retira da luz e dos espaços todos os pequenos grandes elementos que adensam a história e o momento conforme aquilo que dele - e nele - se pretende viver. De campos de batalha também eles estilizados e apenas compostos com corpos mutilados como que despojos de guerra e as almas dos mesmos que, de seguida, abandonam o espaço percorrendo-o rumo a um infinito desconhecido, a castelos frios e sombrios reflexo do despojamento de riquezas - provavelmente empenhadas e concentradas na última guerra - e onde apenas reina uma pequena elite fiel ao actual rei -, sem esquecer as punições pelo fogo a todos os potenciais e eventuais traidores, toda a atmosfera deste Macbeth é literalmente desenhada e modelada a um estado de espírito específico que se adensa - ou dilui - às conveniências do momento. De um negro quase breu ao vermelho sangue da batalha são, no final, as cores esbatidas de uma Escócia mergulhada na destruição que acabam por se destacar como as únicas realmente capazes de caracterizar o espaço no seu tempo.
Ainda que com o discurso adaptado ao seu tempo - não iremos aqui encontrar diálogos à la Hollywood capazes de "cativar" um público mais jovem - Macbeth prende o espectador pelo seu natural magnetismo inerente às suas personagens e a um casting perfeito que escolheu dois dos melhores e beneficamente mais mediáticos actores como o são Michael Fassbender e Marion Cotillard. Ambos destilam química para o bem... e sobretudo para o mal. Os seus olhares, gestos e movimentos são teatralizados na perfeição para que o espectador compreenda que aquele "baile" de mútua destruição caminha para um ponto crítica entre eles... e deles para com a história. Se Fassbender é brilhante como o homem que se deixa seduzir pelo poder do poder e que passa de um bravo e corajoso guerreiro a um homem definido e modelado pela ambição desmesurada que o consome lentamente graças a uma desconfiança latente, é Marion Cotillard que se destaca pela ambivalência da sua personagem que oscila entre uma mulher com desejos de poder palaciano a uma que compreende que os seus - de ambos - destinos foram ultrapassados por essa mesma ambição levando-os, a seu tempo, a uma auto-destruição psicológica e, finalmente, física.
Com uma igualmente intocável recriação de época no qual se destaca o guarda-roupa de Jacqueline Durran, bem como a caracterização e direcção artística, Macbeth é uma obra pausadamente intensa que faz o espectador vibrar primeiro pelas sequências de batalha engenhosamente recriadas enquanto momentos de puro deleite visual como se de um quadro em movimento se tratassem e, de seguida, pelos magníficos desempenhos de todo um conjunto de actores que se deixam levar pelo enredo de poder, ambição, traição e morte que está "previamente" anunciado nos pouco honrosos destinos das personagens que interpretam.
Uma obra inteligente mas que, infelizmente, não foi apreciada por muitos, Macbeth é longe de qualquer reserva uma obra intensa e uma das melhores deste último ano que espera - espero eu - pela devida exibição comercial em Portugal... mais não seja pelo puro prazer visual que é poder ver estes dois grandes actores a contracenar juntos.
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"Macbeth: O full of scorpions, is my mind."
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8 / 10
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