Rampa de Margarida Lucas é uma curta-metragem portuguesa de ficção presente na secção competitiva do Córtex - Festival de Curtas-Metragens de Sintra a decorrer no Centro Cultural Olga de Cadaval até ao próximo Domingo.
Matilde é uma jovem adolescente com uma vida aparentemente confortável até ao dia em que se vê despejada da sua casa após o turbulento divórcio dos pais. Sem grandes recursos, a sua mãe (Gracinda Nave) é forçada a mudar-se para um bairro social.
No regresso às aulas onde todos contam as suas histórias de Verão, Matilde inventa um conjunto de situações para esconder a sua tragédia familiar. Mas ao segundo dia de aulas, tudo muda...
Esta curta-metragem que abre a secção competitiva nacional do Córtex é a mais recente incursão no cinema em formato curto nacional que versa não só sobre as tragédias familiares mas também sobre as crises económicas que pairam escondidas sob as cabeças daquelas que ousam "falhar" nas suas obrigações.
Margarida Lucas, também a argumentista desta história, apresenta-nos a espiral descendente de uma família que outrora tinha tudo - podemos observá-lo pelo colégio em que "Matilde" e os seus irmãos estudam, na casa algo faustosa que são obrigados a deixar mas principalmente por pequenos apontamentos como o é, por exemplo, o pequeno jantar em família no qual a mãe não esquece de usar as suas pérolas de família - e que agora se vêem condicionados a um ambiente social e também de certa forma familiar ao qual sentem não pertencer. À beira de uma segunda ruptura que se avizinha quando a "Mãe" parece não controlar os seus dois filhos mais velhos, "Matilde" isola-se no seu pequeno e escuro quarto que mais parece uma camarata social do que propriamente o quarto de uma adolescente cujos sonhos começam - ou deveriam começar - agora a ganhar forma. Da sua janela tem apenas uma vizinha da sua idade, "Susana" que parece firme na vontade de controlar o bairro e de quem ela aparenta ter algum receio tentando manter-se anónima.
Mas se todo este ambiente socialmente adverso parecem conquistar lentamente a empatia de um público para com a personagem de "Matilde" é, no entanto, o tal segundo dia de aulas em que a jovem escreve a sua composição sobre o seu Verão que desarmam o espectador. A real revelação sobre os seus meses estivais perante os seus colegas potencialmente desinteressados para com as suas palavras, levam até a menina "betinha" do grupo a ficar silenciosa e sem expressão por perceber que afinal existe uma realidade diferente daquela que conhece. As palavras que "Matilde" retira do seu mais profundo ser e a forma como (se) expõe aquelas trágicas horas de um despejo não anunciado - que teve de enfrentar sózinha com os seus irmãos - conferem todo um poderoso e cru final a uma história que aos poucos se desenhava como bruta pelas transformações a que obriga as suas personagens.
A crise - seja ela social, económica ou familiar - é tantas vezes exposta pelo olhar de um (ou vários) adultos que a vivem com uma perspectiva de "facto ou acontecimento" que se tem obrigatoriamente de ultrapassar mas, no entanto, raros são os momentos em que perguntamos ou sequer pensamos como os mais novos e em processo da sua própria transformação olham para estes momentos e o que deles retêm, como os afecta ou tão simplesmente o que deles pensam. Margarida Lucas consegue-o; primeiro pelo registo da própria mudança enquanto acontecimento social/familiar e finalmente - e mais importante - pelo registo desesperante de uma adolescente que se vê forçada a crescer de um dia para o outro sem que lhe seja perguntada a sua opinião e as suas vontades ganhando, inevitavelmente, mais anos do que aqueles que os seus olhos deveriam espelhar.
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