quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Psiconautas, Los Niños Olvidados (2015)

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Psiconautas, Los Niños Olvidados de Pedro Rivero e Alberto Vázquez é uma longa-metragem espanhola de animação presente na secção competitiva de Longa-Metragem Europeia da décima edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa que decorre no Cinema São Jorge até ao próximo dia 11 de Setembro.
Birdboy e Dinky são socialmente marginalizados. Birdboy desprezado por todos e com a polícia sempre no seu percurso e Dinky que procura a felicidade através de comprimidos e de um desejo vincado de sair de uma ilha devastada por um catástrofe ecológica, encontram refúgio na mútua companhia.
Num mundo carregado de uma energia negativa e sem esperança, poderá o outro lado de um oceano imenso trazer-lhes a felicidade que procuram ou estará esta, por sua vez, bem mais perto do que aquilo que imaginam?!
O argumento da dupla de realizadores baseado na banda-desenhada homónima, dá continuidade à curta-metragem Birdboy (2011), vencedora de um Goya da Academia Espanhola de Cinema em 2012, seguindo os percursos das suas duas personagens principais - Birdboy e Dinky - agora num cenário ambientalmente desolado e onde a população definha num mundo sem objectivos, sonhos, ambições ou sequer uma paisagem natural que lhes proporcione a sustentabilidade que todos necessitam. À sua volta tudo está desolado e a morrer. O único desejo de Dinky é poder sair daquele espaço custe o que custar... nem que seja preciso dali sair num barco de borracha cuja durabilidade seria mínima. Já Birdboy tem toda uma outra missão que parece querer ser interrompida por um conjunto de autoridades que se preocupam mais com a manutenção de uma ordem ilusória do que propriamente compreender o desconhecido e aceitar um - mais um - dos habitantes de uma ilha desolada e que aos poucos parece ir morrendo.
Psiconautas, Los Niños Olvidados revela assim toda uma componente ambiental que aos poucos se vai alterando - naquele universo e, de certa forma, um sentido alerta sobre o mundo real em que vivemos - onde a vida parece também ela morrer (de uma forma literal) e onde os poucos que vagueiam pela ilha esperam lentamente que a sua hora chegue mas, ao mesmo tempo, revela ainda interessantes sinais sobre um condicionamento da liberdade - quer social quer familiar - imposta pelas personagens que interpretam a figura de autoridade... Para Dinky esta manifesta-se através da figura parental - afectada pelo desastre ambiental - que a tenta controlar nos seus movimentos, amizades e ambições, exibindo pequenas sinais de uma Espanha (nunca revelada) profundamente conservadora com pequenos sinais religiosos que proliferam dentro da sua casa e, por outro lado, com Birdboy vítima de uma autoridade policial que o persegue indiscriminadamente e sem ter claros os seus motivos e intuitos.
No entanto - e sem esquecer a curta-metragem Birdboy (2011) - curioso é poder interligar Psiconautas, Los Niños Olvidados e aquele elemento que considero essencial na narrativa desta longa de animação, ou seja, aquele Birdboy que o espectador ainda desconhece, e que as devidas "autoridades" tanto perseguem, é o mesmo que acaba por revelar os mais honestos e sentidos sinais de uma humanidade que parece ter desaparecido daquele espaço inóspito. Birdboy cedo compreendeu que precisa de cuidar e dar "casa" a todo um conjunto de "ilhéus" que ali parecem lentamente definhar. É ele que lhes confere o último conforto, o seu último espaço e uma pequena - mas em crescimento - comunidade onde todos podem finalmente repousar. Um espaço onde, no fundo, todos vivem e onde encontram e encaram os seus instantes finais em paz. Uma paz que em vida lhes foi retirada, que foi perseguida, não compreendida e até ameaçada por aqueles que, detendo um poder ilusório, decidiram que comandavam os destinos de um espaço sem rumo ou hipóteses... até aparecer aquele que "possuído" por um "espírito" ilusório de sanidade - tão desaparecida dos demais - construir de raíz o local onde todos finalmente se confortam e podem chamar de lar.
Birdboy compreendeu assim o essencial de toda uma história (vida), e que por vezes tantos ignoram por saturação, descrédito ou incompreensão... a vida - a verdadeira vida - reside dentro do "eu"... Um "eu" que por vezes é desacreditado pelos demais pelos seus sonhos e ambições irreais... Os sonhos que se mantêm desde tenra idade e que parecem poder vir a ser o mundo... o nosso mundo... Um mundo cheio de tranquilidade, prosperidade e um certo conforto para aqueles que decidem recolher-se nos seus momentos finais... porque a semente - aquela que nos define e à Humanidade a que pertencemos - se esconde no mais profundo dos pensamentos... num íntimo tantas vezes ocultado... no mundo das possibilidades, dos desejos e dos tais sonhos que por toda uma vida nos foi dito que deveriam ser ignorados. Ignorar a própria essência... ignorar esses tais desejos inocentes que um dia nos atrevemos a sonhar e que compunham o mundo - o nosso mundo - e a nossa ideia de uma harmonia que tantos desejam não ver florescer... porque a prosperidade (pensam) não pode ser para todos... não pode ser igualitária.
Porque Psiconautas, Los Niños Olvidados é grande demais - tão cedo arrisco dizer que o melhor filme desta edição do MOTELx - não revelarei nem mais uma linha sobre a sua essência (tem de ser apreciada pelos espectadores) deixando, no entanto, uma acentuada marca positiva para a magnífica e emotiva - quase poética - música original de Aránzazu Calleja que contribui de forma inequívoca para toda uma dramatização humana - que o é - de uma belíssima história sobre a liberdade, os sonhos, aqueles que os arriscam ter e defender, sobre a vida... e todas as sombras e manchas cinzentas que insistentemente os tentam eliminar.
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8 / 10
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