Os Olhos da Minha Mãe de Nicolas Pesce é uma longa-metragem norte-americana que leva o espectador a um cenário idílico do interior rural dos Estados Unidos onde uma mãe (Diana Agostini), uma antiga cirurgiã portuguesa, ensina Francisca (Olivia Bond), a sua jovem filha, noções básicas de anatomia.
É quando um misterioso Charlie (Will Brill) chega ao seu pequeno paraíso e envolve todo o seu universo num rumo de desgraça pessoal, que a jovem Francisca desenvolve uma relação próxima e quase empática com a solidão que a invade. Mais tarde enquanto adulta, Francisca (Kika Magalhães), revela-se como uma mulher com uma intensa e mórbida empatia com o mundo que a rodeia.
Dividido em três importantes segmentos, o argumento de The Eyes of My Mother da autoria de Nicolas Pesce tem um elemento comum e constante... a solidão. Longe de percebermos concretamente o sentimento que invade todas as suas personagens das quais apenas recebemos indícios sobre as misérias da alma que as atormentam e levam a encontrar naquela floresta deserta o seu refúgio seguro - ou não tanto - de um mundo exterior que espera "lá fora", The Eyes of My Mother exala desde os instantes iniciais um sentimento de desolação como se todo o mundo para lá daquele espaço muito característico tudo tivesse desaparecido.
No primeiro segmento, intitulado Mother, o espectador acompanha a radical transformação na vida da jovem "Francisca" que, marcada pela tragédia que testemunha, para lá de perder a mãe com quem mantinha uma relação cúmplice, perde um pai que se distancia radicalmente da sua presença que - eventualmente - o recordam de um amor agora perdido. É também neste segmento que acompanhamos a mórbida relação que os sobreviventes desenvolvem com "Charlie", o homem que invadiu e violou o seu perfeito paraíso levando-a a compreender uma realidade diferente daquela a que, por opção, os seus pais a tinham entregue para a escudar desse outro mundo onde imperava a violência. No entanto, de paraíso onde tudo é perfeito a perpetradores da própria violência, não será que o paraíso afinal... nunca ali existira? Ou será que esta auto-reclusão mais não era para que a família se afastasse do mundo "lá fora" repleto de tentações que iriam despertar o animal adormecido dentro deles?
No segundo segmento intitulado Father, o espectador acompanha uma "Francisca" já adulta que mantém o violador do seu espaço ainda preso - anos passados -, agora transformado num ser semi-selvagem (mas amedrontado) que apenas as correntes impedem de escapar. Numa improvável e assumidamente doentia relação que ela desenvolve com este homem, o próprio passa a ser uma estranha e pouco empática vítima de uma completamente controlada "Francisca" que o domina e detém como um pequeno brinquedo que ainda continua a tentar aprender a manejar. Compreendendo a sua necessidade de uma companhia - masculina ou feminina - que a completem nas suas mais variadas concepções, "Francisca" revela-se como uma mulher incapaz de manter uma qualquer relação saudável com outro ser vivo que apenas vê como um meio para disfarçar a eterna solidão que sente.
No terceiro e último segmento que dá pelo nome de Family, encontramos uma "Francisca" alheada da realidade tal como ela é que deseja - qual ser em crescimento e desenvolvimento - construir a sua própria família espelhada à imagem daquilo que conheceu como "normal" - a sua -, mas forçada pela inevitabilidade de uma vida sem qualquer tipo de relações afectivas ou sexuais. Anos depois da confirmação da sua noção de "família", "Francisca" é uma mulher e mãe dedicada cuja felicidade apenas poderá ser alterada pela curiosidade de um filho... que não é seu.
Com uma realidade distorcida - a de "Francisca" - que é alimentada por uma intensa direcção de fotografia a preto-e-branco de Zach Kuperstein que alimenta a ideia (do espectador) de que todo aquele cenário oscila entre os escassos rasgos de lucidez da mente violentamente reprimida de uma mulher e a noção de apocalipse que a mesma desenvolveu como sua segurança face a um mundo social do qual nunca fez parte. Se aquilo que conheceu foi apenas uma violência constante... como será todo o demais mundo que nunca constituiu parte alguma da sua realidade?
Dando corpo e alma à noção de que o verdadeiro terror chega de forma silenciosa e intensa, The Eyes of My Mother encontra na sua intensa protagonista Kika Magalhães o rosto dessa realidade aleatória que a mesma adquiriu para seu conforto. Sempre apoiada por um afastamento emocional de todos os poucos com quem convive, Magalhães intimida o próprio espectador ao ponto deste conseguir simpatizar tanto com as suas vítimas - do agora - como com aqueles que foram - em tempos - os seus agressores e causadores (não únicos) da transformação daquela que seria a sua eterna realidade. Com uma aura muito próprio dos contos tradicionais em que a princesa fora condenada a uma vida de sacrifícios, The Eyes of My Mother revela, no entanto que de conto de fadas pouco tem e que para lá da eventual beleza das suas fortes e enigmáticas imagens se esconde uma história de verdadeiro e ameaçador terror capaz de destruir primeiro a alma e finalmente o corpo daqueles poucos que lhe conseguirem resistir.
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