Índice Médio de Felicidade de Joaquim Leitão é a mais recente longa-metragem do realizador de Duma Vez por Todas (1987), Adão e Eva (1995), Tentação (1997), Inferno (1999), 20,13 (2006), Até Amanhã, Camaradas (2013) e Quarta Divisão (2013).
Daniel (Marco D'Almeida) é mais uma das inúmeras vítimas anónimas da crise que transformou a vida de toda a sua família muito rapidamente. Quando tudo começa a desmoronar, Daniel tem de dar um rumo à sua vida. Mas e se esse rumo fosse transformar a vida de outros que, tal como ele, se encontram em momentos de auto-transformação?
Baseada na obra homónima da autoria de David Machado que também escreve o argumento em colaboração com Tiago R. Santos, este Índice Médio de Felicidade divide-se em dois momentos muito concretos e difíceis de ignorar. O primeiro prende-se com a evidente mensagem que visa revelar ao espectador não só a transformação de todas as personagens como resultado directo de um conjunto de acontecimentos que de forma mais ou menos voluntária a todos afectou e, finalmente como sua previsível consequência, o rumo que cada uma destas personagens tomou quando deparados com a presente adversidade que os condicionava a uma de duas opções... ou enfrentar a adversidade e desistir... ou tomá-la como a tal rampa de lançamento para uma nova oportunidade que se fazia esperar.
O "Daniel" de Marco D'Almeida é inicialmente revelado ao espectador como um homem que esteve durante anos acomodado a uma vida confortável e, de certa forma, previsível. No entanto, e ainda que o espectador não sinta a tal "lavagem cerebral" sobre as oportunidades que chegam com o desemprego - argumento tantas vezes tentado nos idos tempos da crise onde quase parecia culpado aquele que não conseguia ter um trabalho -, não deixa de ser uma realidade que este mesmo pensamento parece querer habitar nas entrelinhas de uma história que avança pelo seu próprio passo. "Daniel" é um tipo que ainda no princípio dos seus quarentas, aparenta já algum desgaste emocional não só fruto da situação em que agora se encontra mas também pela perda - algures no tempo - da tal magia e do sonho que o faziam mover enquanto "ser" com a tal esperança. Casado, pai de dois filhos e com uma vida que parecia encaminhada, cedo perde os seus dois principais amigos... um "Almodovar" para as malhas da lei - e que nunca chegamos a conhecer -, e finalmente "Xavier" (Dinarte de Freitas) para uma depressão agorafóbica que o fizeram recolher ao interior das suas quatro paredes. Distantes e afastados de uma realidade comum, "Daniel" encontrou na sua vida pessoas e familiar o mínimo sustento para a alma que o levam a escrever as suas confissões, desabafar para ele próprio sobre os seus tormentos mas principalmente sobre os seus planos... afinal, só planeando um potencial futuro poderá ele dizer que está a viver de facto o seu presente... Mas, estará?!
Com tudo para se transformar num caminho amargo, desesperado e até mesmo desolado, "Daniel" na companhia de "Xavier" decidem então dar voz ao seu antigo sonho... um site que se propõe estabelecer elos de ligação com aqueles que precisam de ajuda facultando-lhes os mecanismos de concretização de sonhos ou de necessidades. Enquanto espectador e como pessoa que (assumo) mantenho ainda alguma esperança nesta Humanidade, é aqui que entre o meu descrédito para com este Índice Médio de Felicidade. Se por um lado ao assistir a esta longa-metragem até permanece em mim - e não só espero - a vã esperança de que de facto existam pessoas que se disponibilizem a ajudar o próximo numa viagem ao outro lado do mundo (ou pelo menos até Andorra e Barcelona), não deixa de permanecer naquele nosso lado "negro" da consciência o tal eterno pensamento... como pode esta pessoa que nada tem, que tudo perdeu e que procura um segundo rumo para a sua vida disponibilizar-se sem qualquer tipo de meios - financeiros pelo menos - embarcar numa viagem que... obviamente terá os seus gastos... colocando toda a sua vida em segundo plano. Como se isto não bastasse, existe a tal premissa do "desemprego como oportunidade" que permanece num constante e cada vez mais incomodativo ruído de fundo... Existirá assim tanto tempo, disponibilidade e até mesmo vontade para resolver os problemas alheios quando nem os próprios se conseguem satisfazer?
Se o grau de satisfação (da tal felicidade) resulta de forma proporcional como o inverso da insatisfação - logo infelicidade -, a viagem que então marca uma boa parte de Índice Médio de Felicidade é aquela feita por um conjunto de pessoas que estão à beira de um qualquer limite... "Mateus" (Tomás Andrade) o filho mais novo é o resultado de uma sociedade de consumo habituada a tudo fácil e rapidamente, "Vasco" (João Sá Nogueira) o fruto de uma juventude vivida à pressa. "Flor" (Ana Marta Contente) aparenta uma eufórica alegria como que alguém que já passou por um esgotamento, o próprio "Daniel" alguém que insiste em colocar a sua vida em segundo plano, "Alípio" (António Cordeiro) alguém que já passou por tudo e finalmente "Xavier" como o resultado directo de alguém que acordou cedo de um sonho que percebe não poder ser vivido... afinal, a sociedade tornou-se consumista e auto-centrada em demasia para que alguém se possa - ou queira - preocupar com as necessidades alheia que apenas podem ser satisfeitas se existir dinheiro que as sustente.
E aqui chega a grande questão... se existe uma certa mensagem de solidariedade em Índice Médio de Felicidade, esta chega sustentada com o tal "crise/desemprego como oportunidade", e se se tenta encontrar um consolo nas pequenas coisas da vida como, por exemplo, o retorno a um convívio mais saudável que dá lugar inclusive ao auto-conhecimento, a realidade é que tudo nesta longa-metragem parece encaminhar-se para um excessivo hype de optimismo que parece tentar consciencializar para a realidade tentada de que de facto todos os finais proporcionam um novo começo... quando na realidade, sabemos todos nós, a crise trouxe mais finais do que propriamente oportunidades de uma vida melhor. É este vislumbre de uma moralização da crise, das suas vítimas e até de uma sociedade que se percebe indiferente demais para (se) poder sobreviver que acaba por transformar o que poderia ser uma história diferente - na medida em que mostra a separação e perda de quem tudo teve - sobre a crise, bem como de todos aqueles que mais ou menos distantes acabam também por sucumbir às próprias redes desta sociedade... de certa forma perdida... onde tudo e todos se definem por um ideal de status medido - tal como a felicidade - por um emprego, uma casa, um carro e uma peça de roupa.
Das interpretações - feitas à medida - destacam-se um excêntrico Dinarte de Freitas que acaba por ter os discursos e diálogos mais lúcidos perdidos, no entanto, dentro da sua própria depressão e desistência do tal "sonho" e a interessante química que, de uma forma geral, todo o elenco consegue criar na sua viagem. Agradável a participação de uma sempre intensa Lia Gama que, no entanto, poderia e deveria ter um pouco mais de presença no ecrã - um bónus para todos os espectadores - deixando, no entanto, este Índice Médio de Felicidade por aqui nos elementos mais positivos. No final... permanecem as intenções de uma história que se assume, desde cedo, como um suposto guia para uma vida feliz... ou não estivesse o título já utilizado... um Guia para um Final Feliz.
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Daniel (Marco D'Almeida) é mais uma das inúmeras vítimas anónimas da crise que transformou a vida de toda a sua família muito rapidamente. Quando tudo começa a desmoronar, Daniel tem de dar um rumo à sua vida. Mas e se esse rumo fosse transformar a vida de outros que, tal como ele, se encontram em momentos de auto-transformação?
Baseada na obra homónima da autoria de David Machado que também escreve o argumento em colaboração com Tiago R. Santos, este Índice Médio de Felicidade divide-se em dois momentos muito concretos e difíceis de ignorar. O primeiro prende-se com a evidente mensagem que visa revelar ao espectador não só a transformação de todas as personagens como resultado directo de um conjunto de acontecimentos que de forma mais ou menos voluntária a todos afectou e, finalmente como sua previsível consequência, o rumo que cada uma destas personagens tomou quando deparados com a presente adversidade que os condicionava a uma de duas opções... ou enfrentar a adversidade e desistir... ou tomá-la como a tal rampa de lançamento para uma nova oportunidade que se fazia esperar.
O "Daniel" de Marco D'Almeida é inicialmente revelado ao espectador como um homem que esteve durante anos acomodado a uma vida confortável e, de certa forma, previsível. No entanto, e ainda que o espectador não sinta a tal "lavagem cerebral" sobre as oportunidades que chegam com o desemprego - argumento tantas vezes tentado nos idos tempos da crise onde quase parecia culpado aquele que não conseguia ter um trabalho -, não deixa de ser uma realidade que este mesmo pensamento parece querer habitar nas entrelinhas de uma história que avança pelo seu próprio passo. "Daniel" é um tipo que ainda no princípio dos seus quarentas, aparenta já algum desgaste emocional não só fruto da situação em que agora se encontra mas também pela perda - algures no tempo - da tal magia e do sonho que o faziam mover enquanto "ser" com a tal esperança. Casado, pai de dois filhos e com uma vida que parecia encaminhada, cedo perde os seus dois principais amigos... um "Almodovar" para as malhas da lei - e que nunca chegamos a conhecer -, e finalmente "Xavier" (Dinarte de Freitas) para uma depressão agorafóbica que o fizeram recolher ao interior das suas quatro paredes. Distantes e afastados de uma realidade comum, "Daniel" encontrou na sua vida pessoas e familiar o mínimo sustento para a alma que o levam a escrever as suas confissões, desabafar para ele próprio sobre os seus tormentos mas principalmente sobre os seus planos... afinal, só planeando um potencial futuro poderá ele dizer que está a viver de facto o seu presente... Mas, estará?!
Com tudo para se transformar num caminho amargo, desesperado e até mesmo desolado, "Daniel" na companhia de "Xavier" decidem então dar voz ao seu antigo sonho... um site que se propõe estabelecer elos de ligação com aqueles que precisam de ajuda facultando-lhes os mecanismos de concretização de sonhos ou de necessidades. Enquanto espectador e como pessoa que (assumo) mantenho ainda alguma esperança nesta Humanidade, é aqui que entre o meu descrédito para com este Índice Médio de Felicidade. Se por um lado ao assistir a esta longa-metragem até permanece em mim - e não só espero - a vã esperança de que de facto existam pessoas que se disponibilizem a ajudar o próximo numa viagem ao outro lado do mundo (ou pelo menos até Andorra e Barcelona), não deixa de permanecer naquele nosso lado "negro" da consciência o tal eterno pensamento... como pode esta pessoa que nada tem, que tudo perdeu e que procura um segundo rumo para a sua vida disponibilizar-se sem qualquer tipo de meios - financeiros pelo menos - embarcar numa viagem que... obviamente terá os seus gastos... colocando toda a sua vida em segundo plano. Como se isto não bastasse, existe a tal premissa do "desemprego como oportunidade" que permanece num constante e cada vez mais incomodativo ruído de fundo... Existirá assim tanto tempo, disponibilidade e até mesmo vontade para resolver os problemas alheios quando nem os próprios se conseguem satisfazer?
Se o grau de satisfação (da tal felicidade) resulta de forma proporcional como o inverso da insatisfação - logo infelicidade -, a viagem que então marca uma boa parte de Índice Médio de Felicidade é aquela feita por um conjunto de pessoas que estão à beira de um qualquer limite... "Mateus" (Tomás Andrade) o filho mais novo é o resultado de uma sociedade de consumo habituada a tudo fácil e rapidamente, "Vasco" (João Sá Nogueira) o fruto de uma juventude vivida à pressa. "Flor" (Ana Marta Contente) aparenta uma eufórica alegria como que alguém que já passou por um esgotamento, o próprio "Daniel" alguém que insiste em colocar a sua vida em segundo plano, "Alípio" (António Cordeiro) alguém que já passou por tudo e finalmente "Xavier" como o resultado directo de alguém que acordou cedo de um sonho que percebe não poder ser vivido... afinal, a sociedade tornou-se consumista e auto-centrada em demasia para que alguém se possa - ou queira - preocupar com as necessidades alheia que apenas podem ser satisfeitas se existir dinheiro que as sustente.
E aqui chega a grande questão... se existe uma certa mensagem de solidariedade em Índice Médio de Felicidade, esta chega sustentada com o tal "crise/desemprego como oportunidade", e se se tenta encontrar um consolo nas pequenas coisas da vida como, por exemplo, o retorno a um convívio mais saudável que dá lugar inclusive ao auto-conhecimento, a realidade é que tudo nesta longa-metragem parece encaminhar-se para um excessivo hype de optimismo que parece tentar consciencializar para a realidade tentada de que de facto todos os finais proporcionam um novo começo... quando na realidade, sabemos todos nós, a crise trouxe mais finais do que propriamente oportunidades de uma vida melhor. É este vislumbre de uma moralização da crise, das suas vítimas e até de uma sociedade que se percebe indiferente demais para (se) poder sobreviver que acaba por transformar o que poderia ser uma história diferente - na medida em que mostra a separação e perda de quem tudo teve - sobre a crise, bem como de todos aqueles que mais ou menos distantes acabam também por sucumbir às próprias redes desta sociedade... de certa forma perdida... onde tudo e todos se definem por um ideal de status medido - tal como a felicidade - por um emprego, uma casa, um carro e uma peça de roupa.
Das interpretações - feitas à medida - destacam-se um excêntrico Dinarte de Freitas que acaba por ter os discursos e diálogos mais lúcidos perdidos, no entanto, dentro da sua própria depressão e desistência do tal "sonho" e a interessante química que, de uma forma geral, todo o elenco consegue criar na sua viagem. Agradável a participação de uma sempre intensa Lia Gama que, no entanto, poderia e deveria ter um pouco mais de presença no ecrã - um bónus para todos os espectadores - deixando, no entanto, este Índice Médio de Felicidade por aqui nos elementos mais positivos. No final... permanecem as intenções de uma história que se assume, desde cedo, como um suposto guia para uma vida feliz... ou não estivesse o título já utilizado... um Guia para um Final Feliz.
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