Jigging de Ramón de Los Santos é uma curta-metragem portuguesa de ficção nomeada aos prémios anuais do Shortcutz Viseu.
Zé (José Carlos Garcia) prepara-se para a pesca numa lagoa. Aí encontra um vendedor (Tiago Viegas) que, numa roulotte, lhe aluga um pequeno barco. É o estranho comportamento deste vendedor que suscita uma mórbida curiosidade em Zé que começa a suspeitar das suas intenções e temer pela sua segurança... Está dado início a um jovem psicológico de gato e do rato...
É com base nesta premissa que a curta-metragem de Ramón de Los Santos ganha forma, transformando aquele que seria um perfeito dia de Verão numa sinistra viagem pelo comportamento humano estabelecido através da improvável relação entre dois estranhos. Inicialmente, o espectador sente um certo - o seu - desconforto psicológico pela forma como todo aquele cenário natural se apresenta e onde o calor do dia se faz sentir como que um terceiro elemento presente mas não visível. Esta segunda personagem toma conta do destino próximo de "Zé", um homem aparentemente pacato que apenas pretende passar algumas horas tranquilo dentro do seu barco na esperança de poder pescar algo, conferindo-lhe de imediato uma sensação incomodativa como que todos os seus movimentos estivessem confinados às vontades da temperatura abrasadora. No entanto, tudo estaria para mudar muito rapidamente...
É quando se apresenta a então terceira personagem (segunda fisicamente) na pessoa de um sinistro vendedor - interpretado por Tiago Viegas - que o espectador se deixa intrigar pela presença deste homem que, sem palavras e com um sorriso macabro, comanda pela sua presença, os comportamentos cada vez mais condicionados de "Zé" para quem tudo tem um estranho significado e intenção. São poucas as pistas que possam fazer adivinhar as intenções deste enigmático vendedor mas, no entanto, para o espectador mais atento as pistas são lançadas logo naquela solitária roulotte onde dezenas de fotografias se perfilam mais ou menos de forma anónima. Confessado anonimamente um jogo de gato e do rato que é personificado pelos comportamentos e interacções entre os dois homens, o espectador apenas pode adivinhar que neste improvável purgatório o barqueiro espera por mais do que apenas transportar alguém para uma qualquer outra margem da lagoa... ou será que esta "margem" se manifesta em terra?!
A perpetuação de um comportamento e de um dever que apenas se clarificam para o espectador já bem perto dos instantes finais - com a agradável surpresa de um Vítor Norte numa participação especial - fazem de Jigging aquela história que condena as suas personagens a um martírio não opcional e a uma condição cujos propósitos são, de certa forma, desconhecidos para o espectador que irá tirar as suas ilações à medida que as (suas) pistas se forem revelando. Num purgatório a céu aberto que deixam o espectador na incerteza de se encontrar neste ou num qualquer outro universo paralelo, a força maior de Jigging reside não tanto no fim último mas sim nas pistas, nas interacções e principalmente naquela personagem invisível como é o "calor" que desde o primeiro segundo tudo transforma em intolerável, incomodativo e assumidamente martirizante.
O terror, contrariamente ao que tantas vezes se defende, não chega pela materialização de monstros improváveis mas sim - tantas vezes - pela densa confirmação de que os elementos naturais podem (e conseguem) transformar-se em verdadeiros demónios capazes de retirar a força e a vitalidade do Homem assumindo-se como pequenos elementos que o incomodam e finalmente por forças transformadoras que o colhem.
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6 / 10
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